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As posições da Igreja Católica no campo político do século XIX e a formação dos capitais político

2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA

2.2. As posições da Igreja Católica no campo político do século XIX e a formação dos capitais político

A historia, porém, do mesmo modo que se encarregou de dissipar as ilusões

do capitalismo, vae se encarregando de dissipar os erros e as falsas promessas do seu filho legitimo – o socialismo

Alceu Amoroso Lima, 1936. 94

É a partir de uma visada sobre o Renascimento, a Reforma e a Revolução Francesa que, no século XIX, a Igreja Católica inicia a sua grande clivagem da ordem e poder sobre o mundo. Os pensadores renascentistas aprimoraram o conhecimento das ciências, trazendo novos questionamentos sobre a atuação do conhecimento teológico às ciências e a política, ocasionando a mudança que forneceu a base para o posicionamento anticlerical e o surgimento dos princípios agnósticos. A Igreja perde a sua posição de matriz nas diretrizes sociais e políticas e se torna mais uma instituição religiosa ao posicionar frente aos novos postulados da Reforma. De grande fornecedora do conhecimento filosófico e legitimadora das diretrizes do poder no fim da Idade Média, a Igreja inicia no século XIX a sua grande jornada rumo aos novos desafios.

Foi com o advento da Revolução Francesa que se permitiu a possibilidade de perceber e modificar a sociedade fora dos preceitos religiosos. A liberdade de pensamento surge não mais pautada e submissa à teocracia. Mudam-se as ideias, modificam-se suas ações, inicia um novo tempo, o homem passa a adquirir uma liberdade de pensamento sem a autoridade e com aversão à tradição.

Esse é o grande embate da Igreja Católica, a recusa aos preceitos da modernidade. Por isso, o século XIX foi marcado pela ruptura da Igreja Católica em relação ao Estado, em busca de se pensar uma volta ao passado que correspondesse a uma sociedade estabelecida através do poder eclesiástico. Foi a partir do século XIX que se deu início à disputa entre

94 Lima, Alceu A. O socialismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 66, p. 78, jan. 1936. (Conf. Pronunciada na Escola do Estado Maior do Exercito, em 12 de Outubro de 1935).

55 diferentes ordens de atuação na sociedade, mas, agora, os diversos setores de influência não correspondiam apenas à ordem sacerdotal.

Para os pensadores vinculados à Igreja no XIX, foi o movimento iniciado pela Reforma que desencadeou a desordem e, forneceu a primeira abertura para a contestação da doutrina católica, fazendo surtir efeito nas revoluções procedentes. Por conseguinte, entendiam ser necessária a disseminação de um pensamento voltado não apenas contra os efeitos ocasionados da Revolução Francesa, mas contra todas aquelas ideias e, a sintonização com o pensamento contrarrevolucionário foi um dos princípios que fomentou a atividade intelectual desses católicos contra todas as prerrogativas do mundo moderno.

A luta entre o Catolicismo e a Revolução Francesa firmou a nova atuação da Igreja que visava redefinir os males da sociedade, na medida em que entendia caber a ela, devido à tradição de sua autoridade no saber filosófico e teológico ser a fornecedora dos princípios para a salvação da sociedade. Consequentemente, se legitimaria a ideia de que, advindo desse mal, se consolidaria no homem o afastamento de Deus e, como forma de reverter esse mal, proclama necessidade de volta a um ordenamento político através do religioso.

Como aprecia Romualdo Dias, os filósofos contrarrevolucionários desempenharam um papel importante na construção de uma mentalidade que fornecia a base da nova doutrina católica que se colocava em oposição às categorias de revolução, liberdade, natural, razão e, os direitos humanos:

O conservadorismo, como doutrina, se constituiu em permanente combate ao ideário divulgado no movimento revolucionário francês de 1789, isto é, sempre se contrapondo ao liberalismo. Ele apropriou-se de elementos do tradicionalismo e mobilizou-se motivado pela conjuntura politica, instituindo uma teoria da autoridade conscientemente irracionalista. O processo emancipatório do homem e da sociedade foi obstaculizado por essa doutrina. Ela atribuiu a autoridade à hierarquia eclesiástica, que teria a missão de salvar a sociedade da divisão provocada por qualquer ruptura ocorrida na história. Essa autoridade, concebida como um poder carismático, salvaria a humanidade da destruição e submeteria todos os indivíduos à tradição.95

Portanto, identificados seus algozes e, de prontidão para atuar ao combate, mas convalescida da importância de restabelecer e fomentar uma sólida base intelectual, a Igreja

95 DIAS, Romualdo. Imagens de Ordem: a doutrina católica sobre autoridade no Brasil, 1922-1933. São Paulo: UNESP, 1996, p. 38.

56 formalizaria, pouco a pouco, o seu posicionamento em relação a uma nova doutrina, com a publicação de novas encíclicas, a começar com Qui Pluribus, de Pio IX, em 1846 e a Sillabus, de 1864, que descriminavam os males dos novos tempos. Inclusive, é a partir dessa última encíclica que a Igreja deixa evidente seu posicionamento contra o comunismo: “dessa abominável e acima de todas antirracional doutrina chamada comunismo, que, a admiti-la, acabará por destruir pela base os direitos, as coisas e as propriedades de todos e até a própria sociedade humana”.96 Em seguida, surge a encíclica Quod apostolici muneris de 1878, o posicionamento de Leão XIII, que explicita os males acarretados pelo socialismo (categoria em que se faz alusão não apenas ao comunismo, mas também ao niilismo) em relação “à família, ao direito e a propriedade”.97

Como aponta José Langlois, pelas próprias encíclicas se verifica que, com o decorrer do tempo, as categorias comunismo e socialismo seriam definidas de diferentes maneiras, por exemplo: a encíclica Quadragesimo anno, publicada em 1931 por Pio XI, traz duas definições de socialismo, a primeira sendo o “comunismo”, compreendido como o marxismo-leninismo soviético, e; o “socialismo moderado ou não marxista”, possuidor de caracteres atenuantes em relação ao marxismo, contando com algumas perspectivas da “fé cristã”. Por sua vez, a encíclica “Divini Redemptoris”, publicada por Pio XI em 1937, renova o posicionamento católico abrigando a categoria “comunismo ateu” e pretende definir e exemplificar, com mais clareza, os males do comunismo para os católicos: “Nesta doutrina, como é evidente, não há nenhum lugar para a ideia de Deus, nega a diferença entre o espírito e a matéria entre o corpo e a alma”.98

No Brasil, de acordo com Antonio Carlos Villaça, no período do “colonialismo clerical”, podemos afirmar que o afastamento da atuação dos jesuítas no país permitiu a abertura para a atuação e posicionamento de novas oportunidades e mudança de pensamento. Com a expulsão dos padres da Companhia e, subsequentemente, com o fim da escolástica, dar-se-á um novo direcionamento filosófico à atuação da Igreja e, a diversidade de pensamento passou a influenciar na sociedade colonial, influenciando as diretrizes sociais e políticas do período. A influência do laicismo surge no Brasil com as novas diretrizes tomadas pela reforma pombalina e, as novas medidas de modernização no país forneceram também a base para que chegassem aqui as novas ideias em curso na Europa, tendo a

96 LANGLOIS, José Miguel Ibañez. Doutrina Social da Igreja. Tradução de Maria da Graça de Mariz Rozeira. Lisboa: Reis dos Livros, 1990, p. 264.

97 Ibidem, p. 264. 98

57 Universidade de Coimbra desempenhado um papel preponderante na disseminação dos preceitos enciclopedistas na Colônia.99

Já no Brasil do século XIX, a atuação da Igreja Católica daria precedência ao poder, com sua adesão limitada, porém às concórdias do Estado. Sendo uma instituição que só poderia organizar-se mediante o aval do Governo, suas ações e diretrizes foram administradas segundo as necessidades do Império. Sua pouca autonomia cabia aos assuntos de ordem espiritual e, apenas quando se via a necessidade da sua atuação. Essa obediência ao Estado brasileiro e, em concordância às autoridades políticas, acarretou em legar vários privilégios para a Igreja que manteve, inclusive, grandes vantagens na participação dos recursos financeiros.

Um das características que mais chamava atenção quanto ao corpo clerical do Brasil era o seu Regalismo, a relação de submissão à Coroa e, a todas as prerrogativas que fossem à favor da Monarquia, que cada dia tornava-se mais racionalista e anticlerical.100 Sob essa situação o catolicismo continuou a ser a religião oficial do Brasil, com a Igreja atuando na área social e, em setores administrativos de controle de registro, de saúde e ensino, contudo, perdendo pouco a pouco sua importância, na medida em que o Estado foi se modernizando e, depois, abrindo oportunidades para outras crenças religiosas, inclusive, permitindo o ensino leigo e, nessa situação, a relação com a Monarquia já não trazia benéficos a Igreja Católica brasileira.101

Porém, nunca houve na história da relação entre a Igreja Católica e a Monarquia um embate semelhante ao que ocorreu durante a Questão Religiosa. É a partir desse evento que o Estado legitima a possibilidade de uma nova ordem com o afastamento da Igreja do campo social e político. A partir de então a ordem monárquica seria pautada nos pressupostos de uma nação liberta, longe das prerrogativas religiosas e fora dos preceitos católicos e, a modernidade, com seus preceitos racionais na defesa do materialismo, se tornou o grande embate dos eclesiásticos também no Brasil. Esse evento seria, inclusive, representado simbolicamente no espaço social católico: o principal lócus de produção do pensamento católico, o Centro Dom Vital, seria nomeado conforme o principal envolvido no episódio, o bispo que foi preso e condenado a trabalhos forçados pelo Estado e que, doravante, lutaria contra os males modernos, e, sua Revista, em homenagem a essa luta, chamar-se-ia A Ordem. E, com a proclamação da República, o empenho e a luta da Igreja se defrontou não apenas

99

VILLAÇA, Antonio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 10.

100 ROMANO, Roberto. Op. cit., p. 83. 101

58 contra todos os postulados surgidos com o mundo moderno, mas também com a influência do Positivismo e com a perda abrupta dos privilégios com a promulgação da Constituição de 1891.

Com isto, a Igreja se posiciona contrária ao novo regime, pois além de perder a posição de religião oficial do país, também acusou o problema causado pela descentralização política. Para a Igreja, essa mudança tanto desarticulou o poder central como também afetou as tomada de decisões e diretrizes da elite eclesiástica. Também acredita que se firmava o ganho da política liberal sob a influência da maçonaria, reforçando as ideias positivistas e materialistas.

Segundo Romualdo Dias, frente a essa nova situação, e compreendendo o poder tradicional de atuação há séculos na sociedade brasileira, o poder eclesiástico iniciou a retomada da “recatolicização da sociedade e do Estado”.102

Por intermédio da implantação de uma nova convicção religiosa, a Igreja se colocaria daí em diante na prontidão para a sua saída dos problemas sociais através da concepção de uma doutrina que buscava a solução dos males atuais pelo caminho do idealismo, “A Igreja orientava suas relações com a sociedade por doutrinas fundamentadas numa concepção religiosa da vida, de modo a considerar mais os valores dos protagonistas europeus do que os processos sociais do país”.103

Aproveitando os requisitos de um país católico, na crença adotada de uma organização social política pautada sobre o poder temporal em combate à secularização, a Igreja continuou a utilizar essa diretriz como uma alternativa para a retomada da ordem no Brasil. Foi neste propósito que a Igreja articulou a aproximação com o novo regime, desempenhando o papel de responsável pela articulação do poder simbólico para o restabelecimento do ordenamento no campo político e social.

Segundo Dias, tanto Estado como Igreja perceberam que separados perderiam legitimidade nas suas atuações, pois a política do país sempre teve sua base respaldada pelo poder religioso e, ambos teriam sentido o peso da mudança para um regime laico. O sistema político brasileiro sempre esteve articulado à doutrina católica, que esteve presente desde o período colonial e, mesmo com todas as influências do Estado laico, a adoção do corporativismo pela Igreja permitiu firmar o apoio recíproco com o Estado.

Na década de 1930 o pensamento católico se voltaria para a busca de um modelo de sociedade em que prevaleceria a volta de valores que apontava como perdidos, tais como a autoridade, a hierarquia, o naturalismo, a monarquia. A fórmula utilizada na busca da ordem

102 DIAS, Romualdo. Op. cit., p. 22. 103

59 pautada nos preceitos medievais foi a liberdade em relação ao Estado, adquirida após a Constituição de 1891, somada ao ultramontanismo e aos argumentos dos filósofos contrarrevolucionários. Esta fórmula seria então utilizada na defesa de princípios antiliberais, reacionários e num modelo de governo ditatorial.

Diante de uma sociedade moderna, coube a Igreja Católica o posicionamento para o restabelecimento da ordem, criando novas ações e diretrizes frente aos novos problemas e dilemas sociais.

O discurso teológico-político assegurou, portanto, ao mesmo tempo, a propaganda anti-revolucionária para além dos estreitos limites nacionais e se apresentou como crítica do individualismo abstrato. Tentou criar uma via de diferente de pacificação da sociedade moderna e insistiu na urgência de soluções para a “questão social”, com teor autoritário, mas paternalista e suave. Tratou, portanto, de evitar a hipertrofia do aparato repressivo do Estado, cujos efeitos seriam por demais evidentes e desastrados. 104

2.3. Revista A Ordem: a formulação e disseminação do discurso da Igreja por meio do