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2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA

2.3. Revista A Ordem: a formulação e disseminação do discurso da Igreja por meio do

2.3.3. Liberalismo e Comunismo

Em um artigo de outro autor João da Rocha Moreira, chamado “O mundo contemporâneo”, percebemos que a importância dada ao regime ditatorial fascista implantado na Itália por Mussolini se devia ao medo avassalador do comunismo, o qual poderia disseminar a sua doutrina política na sociedade brasileira: “o comunismo que, com uma idéa toda materialista da vida, quer derrubar por completo os regimens antigos, quer aniquillar os princípios basicos na nossa civilização”.141

Moreira define o comunismo como um mal que vinha desde os pressupostos do liberalismo que desencadearam as péssimas condições econômicas do proletário. O que se

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ATHAYDE, Tristão. Catholicismo e Integralismo III. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 55, p. 86, fev. 1935. 140 Ibidem, p. 84-85.

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75 podia observar era a presença de um discurso antiliberal que remetia ao sistema comunista, mas, que o liberalismo, que, segundo o autor, havia grande repercussão no século XIX, na década de 1930 se refletia mais nas principais catástrofes econômicas e sociais, as quais culminaram nos pressupostos do comunismo.

A democracia liberal, forma de governo que conquistou, em tempos idos, tão grande numero de adeptos, hoje se acha inteiramente falida no Brasil. As suas consequências todos nós conhecemos, porque são dos nossos dias: o equilíbrio financeiro, dando logar aos “sem trabalho”: a mulher se imiscuindo nos negócios públicos, esquecendo-se da sua principal e dignificante missão – a educação do homem futuro; a dissolubilidade do lar; o regimen soviético russo que se procura transplantar para o Brasil. Tudo em completo antagonismo com os princípios sociais e ethicos da nossa civilização. E assim poderemos concluir: os “sem trabalhos”, o feminismo, o divorcio e o communismo são irmãos. Partiram de uma mesma origem – a democracia liberal. 142

O autor procurou apontar a diferença entre os três tipos Estados de seu tempo, que nomeia de burguês, proletário e nacional, apontando seus sistemas políticos para demonstrar a diferença entre eles.

O Estado burguês, dito como “corrente conservadora” teria surgido com o fim do sistema monárquico e, com isto, a burguesia que se valeu do acúmulo de riquezas em seu proveito, resultando no Estado burgues defender, “demogracia liberal, predomínio do direito privado, liberalismo economico, Estado leigo.” O Estado Proletário reforça o argumento da teoria Marxista da evolução da sociedade em três fases da revolução proletária. Primeiro a feudal, em seguida, a burguesa e por fim a proletária, deste modo o autor define o Estado Proletário instaurado na Rússia na antiga origem que vinha desde as primeiras desigualdades humanas, onde o operário percebeu as diferenças sociais entre opressores e oprimidos, e, que fez resurgir a “utopia comunista” com a:

1º) dictura de classe, esmagamento da burguesia, início da morte do Estado; 2º) controle do trabalho pela sociedade, accentuando-se a morte do Estado;

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76 3º) a sociedade passará a viver sem direito, sem poder, sem administração. Havendo a completa morte do Estado.143

Dessa maneira se constituiria um Estado Proletário com a ditadura de classe; o predomínio do Direito Público; o ensino anti-religiso; e oposição às religiões com a imposição de um materialismo de Estado:

O communismo nasceu da fome e da concepção materialista da vida; teve o seu berço no desconforto, na tristeza e no descontentamento dos opprimidos; cresceu na oppressão dos ricos contra os pobres; fortaleceu-se na revolta desta oppressão. Hoje está a atemorizar o mundo contemporaneo. 144

Em face às teorias políticas vigentes, o sistema ideal seria o que Moreira designava de Estado Nacional, pois, a única solução para os conflitos sociais seria por meio do nacionalismo, para poder se acabar com as “neutralidades cômodas, com o utilitarismo ambiente”. A solução não viria nem da esquerda, representada pela concepção materialista do comunismo, nem do conservadorismo do liberalismo burguês, mas através de um Estado Nacional que operasse na organização de uma sociedade pautada nos valores do nacionalismo:

Acabar de vez com os partidos políticos e com os estados dentro de um mesmo Estado que enfraquecem a união nacional; solucionar o conflito entre o capital e o trabalho, reservando a si o direito de intervir em todas as iniciativas privadas e publicas que possam influir na economia coletiva; orientar a educação dentro dos dictames da religião nacional; fazer uma accordo entre o Estado e a religião dominante no paiz (havendo, bem entendido, distincção entre Estado e Religião); estimular as iniciativas de arte.145

Seguindo essa mesma lógica, o artigo “A Base Ethica da Pedagogia Socialista”146 de Ottoni Junior explanava sobre o mal da pedagogia socialista disseminada na modernidade. Segundo o autor, esse perigo teria suas raízes na Reforma, a partir dos pressupostos difundidos por Lutero e, teria vindo a se desenvolver na modernidade através de ideias que culminaram na Revolução Francesa para desencadear a filosofia de Marx.

143 Ibidem, p. 119. 144 Ibidem, p. 118. 145 Ibidem, p. 120. 146

77 Porém, a Igreja seria a principal articuladora dos saberes cristãos que lembrariam a importância de se pensar do homem em sociedade e, dariam respaldo contra as ideias do determinismo social que deixavam de levar em conta os pressupostos do indivíduo. Assim, Ottoni considera falsos os pressupostos deste mais recente determinismo, que considerava a problemática atual devido à questão social, política e econômica da sociedade. “Em synthese: A Sociedade é a grande Vontade, a única virtuosa, a unica pecadora”. 147

E a novíssima e fatal Revolução. A Revolta Religiosa incendiada pela Reforma acelerou a Revolta Moral iniciada por Hobbes (Elementa Philosophiae – 1642-1658), Spinoza (Ethica more geométrico demonstrata – obra posthuma) e Hume (Treatise on human nature – 1739), e culminada pela infinidade de materialistas do fim do século XVIII (1). Da Renascença herdámos a Revolução na Arte, que se matiza até nós de Romantismo e Realismo; Gongorismo e Impressionismo; Modernismo e Futurismo. Descartes e Leibnitz, Bacon e Locke, Kant levantam a Revolução Philosophica. A Revolução Franceza accende-a em toda a Cultura. Dentro em pouco chefia Marx a Revolta Economica. E ninguem mais entendeu o mundo: um periodo azoico, de nebulosa. 148

Para isso aponta a importância da Pedagogia Católica: “A alma da educação será a educação da alma. Visar-se-á primeiro o bem do indivíduo, depois o bem da sociedade”, e não como defendem as novas teorias de pensadores, como o Evolucionismo que nega a tese do Criacionismo, pois contribuiu para reforçar os pressupostos do liberalismo ateu. Reforça o materialismo contra o princípio espiritual de que tudo emana da criação divina: “A doutrina Creacional é a base da sciencia do ser e o fundamento da concepção do individuo e dos fins ethicos do Individuo”.

E esta phrase leva-nos ao ultimo degrao da theoria ethica que a Igreja levanta para contrapor á base ethica da Pedagogia Socialista. Apenas faltaria um confronto das duas Methodologias: a Socialista, e a Social Moderada Catholica. Mas não falamos de Technica. Destruidos os fundamentos da Philosophia Moral Socialista e por conseguinte desmoronada na base, toda a applicação Pedagogica, a Igreja apresenta sua doutrina firmada numa concepção inabalavel de individuo mediante as relações entre Absoluto e Relativo promanadas do facto da Creação. Examina-se o Instincto de

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Ibidem, p. 295. 148 Ibidem, p. 291.

78 Sociabilidade, compara-se o fim deste instincto com a finalidade primaria do Relativo Racional, revelam-se os direitos individuaes, acenam-se os deveres sociaes, e tira-se a aplicação lidima em Pedagogia: A primeira educação é a individual, que deve porém ser coroada com a social.149

Já no artigo “A Igreja e o Momento Político”,150 Tristão de Athaíde discute os movimentos políticos vigentes em 1935 e, relacionando as atitudes da oposição em relação à Igreja Católica, se coloca, por sua vez, em defesa junto ao governo. Para o autor é este aspecto que mais importa para o momento, “todo o reconhecimento á força moral e social da Igreja”.

O Integralismo, a Ação Imperial Patrianovista e a Aliança Nacional Libertadora, são os outros movimentos políticos que ele entende ser parte de um diálogo da Igreja Católica com o campo político neste período, no sentido de averiguar e explanar o posicionamento dessa instituição em defesa do Governo. Aponta a necessidade de volta à ordem por meio da formalização da Constituição de 16 de julho “contra as tendencias revolucionárias que o outubrismo e o tenentismo innocularam no paiz, a partir de 1922”, porém, essa defesa prevalece contra as diretrizes da esquerda, principalmente ao que designa do “extremismo vermelho”.

Athaíde coloca que a atual gestão política de Vargas havia respeitado os direitos da Igreja Católica e, a tradição do catolicismo no Brasil, permitindo os direitos embasados na Constituição e, consentira na presente nova relação entre o Estado e a Igreja que substituía a submissão, pela colaboração e, que se concretizou pela possibilidade desencadeada no surgimento da Liga Eleitoral Católica.

O Integralismo é apontado como um dos movimentos que na situação política atual mais se aproximava dos princípios católicos, uma vez que se posicionava contra todos os possíveis embates que vinha contestar ou eliminar os preceitos da doutrina católica nos vários setores da sociedade. Tendo como foco a contestação aos movimentos de viés comunista marxista e aos grupos que também fizeram parte do movimento de 1930, porém, debandaram para a extrema esquerda, unidos na Aliança Nacional Libertadora e, já naquele momento, na ilegalidade.

O programma integralista é inspirado no mesmo espirito que levou o Fascismo a formar-se na Italia, o Hitlerismo a Allemanha. O Estado Novo em Portugal, a Acção Popular de Gil Robles na Espanha. Todos são

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Ibidem, p. 311-312.

79 movimentos de reacção contra a passagem logica e historica do liberalismo ao socialismo e deste ao communismo. 151

É neste quadro político que autor evidencia as novas diretrizes de como atuar no cenário político na oposição aos movimentos que defendiam à volta a monarquia através da ‘Ação Imperial Patrianovista’. Já o Integralismo na defesa de um nacionalismo de regime totalitário, da defesa de “Deus, Pátria e Família”, seria o mais adequado contra todos os postulados comunistas, considerados por Athaíde enquanto posicionamentos políticos que negam a participação social e política da Igreja. Logo, a única medida contra os postulados socialistas e comunistas seria por intermédio das diretrizes da Ação Católica, intermediária da atuação e intervenção da Igreja no campo social e, pela defesa de um governo que se paute pela ingerência do catolicismo no campo político. Neste caso, a atuação da Liga Eleitoral Católica serviria para a implementação dos valores vigentes da Igreja no Estado.

Por mais que os nossos adversarios nos apresentem como alliados deste ou daquelle partido, como defensores do capitalismo ou da burguezia, como inimigos do proletariado ou como desvirtuadores da Revolução de 30, - somos e seremos sempre o que a Igreja sempre tem sido: o Christo Mystico entre os homens, trazendo a todos os regimens e instituições, trazendo a todas as almas, as palavras de justiça social e de salvação individual; pugnando pelos opprimidos; corrigindo os oppressores; condemnando os abusos e os erros; peseguindo o peccado; moralizando os costumes; aperfeiçoando as instituições e ... preparando as novas eras. 152

Já no artigo “A Idade Nova e a Acção Catholica”153 Tristão de Athayde faz uma análise do momento político em que procura demonstrar as particularidades dos regimes políticos vigentes na Rússia, Alemanha e Itália, e, deixa explicito os problemas e dificuldades acarretadas por esses sistemas políticos que refletiriam ao homem moderno um “sentimento de instabilidade”. Inicia o artigo com as perguntas que faz refletir os males atuais e quais seriam a saída para a melhoria social política, “onde estamos?”. “para onde vamos?”, “para onde devemos ir?” e mostra os caminhos atuais: o caminho liberal, o socialista, e o nacional- totalitário. São questionamentos que remetem a reflexão sobre o mal acarretado desde o Renascimento e que teria aniquilado os valores medievais.

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Ibidem, p. 8. 152 Ibidem, p. 10. 153

80 Logo, no momento atual, se observa a sociedade em todos os setores contaminada por essas novas ideais das quais resultou a modernidade e que solaparam os ideais da Idade Média por meio da constituição da categoria ‘Liberdade’ durante a Revolução Francesa, influenciando as teorias filosóficas do século XIX, para com ela fornecer respostas à todos os problemas sociais e políticos.

Na refutação daqueles sistemas, explana sobre os inimigos dos princípios cristãos: a Modernidade, a Revolução Industrial, a Revolução Francesa, o Comunismo e o Liberalismo para apontar as diretrizes da ‘Idade Nova’ e definir que este seria o melhor caminho para percorrer: o caminho cristão. A Revolução Francesa marca o inicio politico da era burguesa, como a revolução industrial inglesa marcára o seu inicio econômico. Uma e outra baseadas sobre o individuo, tendo por ideal a liberdade absoluta, caracterizadas pelo predomínio da raça branca, pela industrialização do ocidente, pela colonização do universo ainda desconhecido, pela religião da sciencia e pela decadência do prestígio da religião, pela arte puramente esthetica, pelo culto da cultura, pelas viagens de recreio, pela libertação sexual do homem, o urbanismo generalizado, o triumpho das economias abertas e livres, as universidades em que tudo se ensina sem ordem nem hierarchia de valores, o feminismo, etc. Eis ahi, muito de proposito acumulados sem qualquer vislumbre de ordenação, alguns traços patentes dessa era burguesa, em que fomos formados e em que, geralmente ainda vivemos”.154

Neste artigo o autor deixa claro que o início da desordem atual tem a ver com as mudanças acarretadas pela modernidade, principalmente ao que se refere aos postulados da Revolução Francesa e na ideia de Liberdade, que, desencadeou a negação aos valores vigentes nos regimes absolutistas na Monarquia. Foi por essas novas ideias definidas no liberalismo que começou todo o processo de mudança política que desencadeou na possibilidade de novos pensamentos. O socialismo resultou nesse novo mal do século XX, atrelado ao conceito do materialismo marxista e lutas de classes, o comunismo, sendo este o resultado da desordem ocasionada pelos infortúnios deixados pelos pensadores de 1789.

Foi o espírito da burguesia, no individuo, na família e na sociedade. Foi o que animou os traços característicos de uma classe social, que julgou

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81 dominar para sempre o mundo moderno, libertando-se da Igreja e colocando a seu serviço as classes trabalhadoras. A era, a cuja decadência estamos assistindo, fez isso na convicção de estar obedecendo a um determinismo histórico inexoravel e a um progresso indefectível da sociedade e do homem. 155

Assim, o socialismo seria o resultado o liberalismo, já o caminho nacional-totalitário seria uma reação aos demais sistemas políticos, a negação dos princípios liberais e socialistas. Entretanto, a última pergunta: “para onde devemos ir?”, seria respondida por Athaíde, apontando o caminho da Idade Nova, o trâmite que levaria ao “espirito da Nova Christandade”. Nem o liberalismo, o socialismo ou o nacionalismo chegariam a esse propósito. Para almejar essa nova mudança, o único caminho seria a Ação Católica legitimada pelas diretrizes do Para Pio XI, contra o “mundo moderno, agnóstico e laicista”.

É a incorporação definitiva dos leigos no sacerdócio da Igreja. É a inclusão do Estatuto do Leigo no Codigo do Direito Canonico. É a organização moderna das milícias christãs para se infiltrarem por toda a parte, na Idade Nova que por toda a parte está nascendo da idade moderna. A Igreja tem as suas vistas voltadas, como sempre, para cima e para frente. Longe de ser uma saudosista do passado, ella vive sempre com os olhos pregados no futuro.156