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3. A PRODUÇÃO DO ANTICOMUNISMO NO RIO GRANDE DO NORTE

3.6. O anticomunismo norte-rio-grandense após o Levante Comunista de 1935

Após o Levante Comunista de 1935, a relação entre a Igreja e o Estado no nível local e nacional se fortalecem em torno da defesa contra o inimigo comum, o comunismo, pelo medo de uma nova tentativa de tomada de poder que visasse à implantação do regime comunista. A insurreição não foi apenas um ato de rebeldia contra o Estado, mas também confirmou a possibilidade da implantação de um novo regime político, que ocasionaria mudanças radicais no quadro social do país. Percebemos que depois do Levante Comunista, a Igreja, com a permissão do Estado, passou a ser a porta-voz doutrinária e ponta de lança de posições políticas e sociais.

261 Idem.

130 O Levante Comunista de 1935 se apresenta como um marco referencial da produção anticomunista, pois o Levante se torna o parâmetro para a justificativa de tomadas de posições políticas com o intuito de prevenção contra o ‘mal’ advindo do comunismo.

O Levante Comunista, em Natal, originou-se no 21° BC (Batalhão de Caçadores), unidade do Exército do estado. Soldados e cabos ligados ao Partido Comunista, insatisfeitos com a ordem de sua demissão, com o apoio do partido local e de civis ligados aos sindicatos, articularam o movimento no próprio quartel, somente enfrentando resistência da polícia do estado. Autoridades do governo se refugiaram nos consulados estrangeiros. A direção do movimento tornou-se o “Comitê Popular Revolucionário”, baseado nas normas da ANL, e articulou planos de dominar o restante do estado por intermédio de três principais “colunas”: a oeste, em direção a Mossoró, outra a caminho da cidade de Nova Cruz, e a terceira no sentido da cidade de João Pessoa. A insurreição durou três dias e foi vencida pelas tropas federais com a participação do “Coronel” Dinarte Mariz.

Além do Levante, outros acontecimentos no Rio Grande do Norte, também teriam influência, como a Guerrilha da Várzea do Açu de 1935-1936 integrada por trabalhadores rurais e das salinas, influenciados pelo Sindicato do Garrancho, acabaria sendo derrotada pelas forças policiais. E a menção à Guerra Civil Espanhola (1936-1939), também se faz presente, servindo para enaltecer a produção do anticomunismo e do discurso da ordem no estado, contribuindo para o fortalecimento do desse ideal para a defesa da ordem.

O discurso contra o comunismo no jornal ‘A República’ vem expresso por Edgar Barbosa em seu artigo ‘Legitima Defêsa’ 263

. Traz a advertência aos perigos que o comunismo trouxe a nação e os males que podem ocasionar caso o governo não tome medidas autoritárias para barrar esse mal. Neste contexto, o autor exemplifica que uma das medidas preventivas foi ao decreto que instituiu estado de guerra durante noventa dias a toda a nação como forma de evitar novas ameaças comunistas. A ordem vem sendo estabelecida com medidas contra os invasores “estrangeiros, sem apatia e sem humanidade, cujo destino é atear no mundo em nome de um credo espurio, a fogueira da anarchia e da miséria.” 264

Reforça que o combate é contra o comunismo no Brasil e só por meio de um governo forte que possamos restabelecer a ordem cumprindo a lei na defesa dos nossos valores. O país

263 BARBOSA, Edgar. Legitima Defêsa. In: A República, 25 de março de 1936, p. 1. 264

131 vem sofrendo “de um liberalismo excessivo, feito de condescendências, de renuncia, de esquecimentos fáceis e perdões complacentes”. Toda essa desordem foi ocasionada pelo governo russo e por seus agentes tentaram espalhar o mal por meio de partidos liberais democráticos, mas era o socialismo soviético na defesa das ideias de Stalin.

Em summa, a guerra é do Brasil contra o communismo, contra esta praga nascida no pantano de uma civilização morta e que vem batendo, como esses phantasmas da meia-noite, á porta de todas as nações. Desse doloroso transe por que passa o mundo, desse choque entre as forças do bem e do mal, o Brasil teria de sofrer as consequencias, porque, infelizmente, de todos os paizes americanos, nenhum havia mais propício á floração das idéas malsãs do que o nosso. 265

O anticomunismo presente no jornal ‘A República’ está vinculado ao regime comunista do regime soviético e principalmente fazendo menção aos males do Levante Comunista de 1935. Uma particularidade encontrada nesse discurso é enaltecer que o comunismo é o reflexo de um a sociedade que aderiu aos preceitos do liberalismo, na liberal democracia não há a presença de medidas para barrar o comunismo. Após os acontecimentos de novembro no Brasil, apesar da complacência que houve por parte de alguns brasileiros, agora se ver a necessidade de defender os valores da pátria, a família e a religião. Sendo mais uma justificativa das atitudes do governo na promulgação do estado de guerra ocasionada pelo o levante dos extremistas e que está servindo para combater o inimigo. 266

Com effeito, o estado de guerra tem servido ao seu verdadeiro fim, pois é da essencia do regimen não confundir os seus inimigos, réos de uma culpa tremenda, com os adversarios do governo, militantes de outros partidos, alguns dos quaes filhos bastardos, mas sempre filhos, do nosso dadivoso liberalismo. 267

A preocupação é as consequências que possa ocasionar do estado de guerra com a relação diplomática com outros países, porém, deixa evidente que esse ato do governo foi pela defesa da nação, não houve qualquer ato de negação a essa atitude de defesa contra o comunismo e suas influencias soviéticas no país. O principal motivo para o governo foi a proteção do governo “contra os inimigos externos”. A toda essa desordem ocasionada foi

265 Idem

266 A Situação. In: A República, 3 de maio de 1936, p. 1. 267

132 prevalecida por brasileiros que aderiram aos preceitos da Rússia em desprezaram os valores da nossa pátria. Foram indivíduos “animalizados” e “salteadores” como Prestes e Livinoff. Foram elementos que participaram da política brasileira e ao mesmo tempo empenhavam-se na destruição das “instituições mais sagradas do paiz”. 268

A arma favorita dos communistas é o terror, como o seu credo é o assalto, o roubo, a destruição da familia, o anniquillamento da fé religiosa. O communismo não conhece outro clima moral. E por isso, todas as flores da civilização humana do ocidente são pisadas, despetaladas por esses novos hunos, cujos symbolos são instrumentos de destruição e não de trabalho, como elles fazem crêr. 269

Um dos intelectuais renomados Alceu Amoroso Lima continuou fornecendo seu pensamento anticomunista que também foi expresso no jornal ‘A República’270

. A matéria fornece sua palestra sobre os males do comunismo divulgada na Hora do Brasil do Departamento Nacional de Propaganda. A informação nos traz que o mal do comunismo vem alicerçado e divulgado pelo governo Russo que possui caráter imperialista por meio de uma “Revolução universal” de acordo com os preceitos orientados por Marx e Lenin. Explana como alerta os perigos que o comunismo pode adentrar no país, mesmo sabendo que o Brasil não é campo propício, mas o comunismo com suas estratégias expansionistas e com suas podem conseguir adentrar no país.

Deixa claro que se o comunismo fosse apenas um partido político não teria com o que se preocupar, porém, é mais que isso, “o perigo do communismo está em ser uma concepção total do mundo e uma mystica. Contra isso só podemos obstar oppondo uma outra concepção total do mundo e uma outra mystica”. 271

E assim, clama para atuação dos preceitos do catolicismo para o combate a este mal “materialista e athéa”. Só através dos ideais católicos “espiritual e theocentrica” poderá se proteger contra os postulados de Moscou da sua “mystica satanica do anti-Christo”.

Para isto, se tornou necessária à produção de uma identidade e espacialidade baseadas no catolicismo, ancorando regional e nacionalmente, essa produção anticomunista, caso da

268 Velhos Thêmas. In: A República, 29 de março de 1936, p. 1. 269 A União Sagrada. In: A República, 15 de maio de 1936, p.1. 270

Os males do communismo e meios de combate-lo. In: A República, 11 de dezembro de 1937, p. 1. 271 Idem.

133 produção centrada na elevação dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu ao primeiro plano dessa espacialização. 272

Esse discurso nos chama atenção para o posicionamento em relação ao comunismo, o perigo iminente que ocasionaria a destruição da estabilidade na sociedade dos valores cristãos. Logo, se forma todo um aparato de imagens que referenciam o comunismo como o inimigo a ser combatido, pois este disseminava atitudes desumanas e terroristas, possuidoras de uma falsa ideologia.

No século XVII com a presença do domínio holandês na região açucareira do Brasil que ocorreu a intolerância à prática do catolicismo por parte dos holandeses. Durante vinte e quatro anos do domínio holandês foi possível à transformação social e política na sociedade que acarretou em modificações também ao culto religioso, pois os holandeses eram adeptos ao protestantismo reformados. Essas diferenças religiosas ocasionaram na repressão às comunidades católicas da área. No Rio Grande do Norte, no povoado Cunhaú, Holandeses e indígenas perseguiram membros da Igreja e seus seguidores. O massacre foi realizado no dia 16 de julho de 1645, quando os aliados dos holandeses entraram na capela do povoado matando a todos, o padre André de Soveral, que celebrava o culto e mais 69 membros da comunidade. O massacre teve continuação no dia 3 de outubro quando mataram o padre Ambrósio Francisco Ferro e seus paroquianos foi à margem do rio Uruaçu. De todos os martírios a tradição aponta que o mais foi emblemático foi à morte de Mateus Moreira que ao ser retirado seu coração pelas costas exclamou: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”. 273

Como bem sabemos a narrativa dos mártires de Cunhaú e Uruaçu foi reelaborada, assim como a sua representação, por meio da beatificação de seus mártires. Ao mesmo tempo em que Padre Heroncio reelaborava a história do Rio Grande do Norte era incluída em seu discurso a beatificação de mártires de acordo com os males do período, realizando uma construção história identificando o mal por meio do invasor, o estrangeiro, o protestante e, também, o comunista.

Padre Heroncio como colaborador do discurso anticomunista continuará sua contribuição à imprensa católica, só que dessa vez trazendo toda uma problemática que

272 PEIXOTO, Renato Amado. 'Duas Palavras': 'Os Holandeses no Rio Grande' e a invenção da identidade católica norte-rio-grandense na década de 1930. Revista de História Regional, 19, 35-57, 2014.

273

134 remete a construção do discurso anticomunista atrelado aos valores nacionais, na formulação de uma identidade estadual atrelada a valores heroicos da formação dos mártires católicos.

Em seu artigo intitulado “Nobreza de attitude” 274

, padre Heroncio inicia demonstrando a sua gratidão aos deputados estaduais pela aprovação da lei que celebrava os mártires: “Em nome de Deus todo Poderoso” aprovada pela Constituinte estadual do Rio Grande do Norte. Para o autor a aprovação veio em momento oportuno, pois concretizava a vontade do povo e ao mesmo tempo era uma afirmação contra ao comunismo, sendo “uma reparação ao crime que se praticou, ultimamente, contra a civilização christã”. 275 Teria sido uma atitude nobre dos Deputados, pois estes estariam de acordo com os preceitos defendidos pelo povo.

Quando se quiz implantar no Estado a doutrina sangrenta dos barbaros modernos, o povo heroico da terra potyguar, revivendo suas gloriosas tradições catholicas, olhando na curva longinqua do passado as figuras varonis dos martyres de Uruassú, ouvindo a voz de Mathias Moreno a exclamar, quando lhe arrancavam o coração: “Louvado seja o Santissimo Sacramento”, o povo consciente do Rio Grande do Norte pelos seus legitimos representantes, faz a sua Constituição em nome de Deus! 276

Heroncio aponta também que a retirada do preâmbulo na Constituição de 1891, junto com a influência do positivismo, ocasionou um atentado à soberania popular, isso demonstra que a força dos ideais do positivismo não venceu o sentimento cristão da nação, “não conseguiu separar o sentimento religioso do sentimento da brasilidade”.

Este ato demonstrou sua fragilidade com o desajuste ocasionado, que trouxe o fortalecimento da doutrina cristã e a certeza que não é possível à política ser guiada sem os valores divinos. O ateísmo influenciado pelos ideais do positivismo estava prevalecendo sobre o afastamento dos valores: a “liberdade, a honra, o direito e a justiça se tivesse conseguido extinguir a fé”. 277

Após quarenta anos das tribulações postas por uma Constituição ateia, ressurge a nova Constituição de 16 de julho como forma de demonstrar os valores que o país recebeu desde os ensinamentos dos jesuítas e suas tradições no catolicismo.

274 HERONCIO, Pe. Nobreza de attitude. In: A Ordem, 15 de janeiro de 1936. p, 1. 275 Idem.

276 Idem. 277

135 Padre Heroncio dá continuidade ao combate do comunismo no artigo “Os formigueiros” 278

. Neste texto o autor demonstra por meio da metáfora de formigas, que em pequeno estágio de formação dos formigueiros, estas não ocasionam mal ao reino, fazendo analogia ao mal do comunismo, mas, apesar das advertências e, a não se prevalecerem do mal que o formigueiro pode ocasionar, com o passar do tempo, esse formigueiro crescer ao ponto de não poder se reparar os erros ao reino, “Estamos vivendo sobre o formigueiro”, exclamou Heroncio.

Ele chama atenção para os males do comunismo, sendo necessário que a sociedade tome medidas preventivas, principalmente as atreladas à educação, como modo de evitar a disseminação das “doutrinas subversivas que se realizam na sombra”.

O comunismo atira ao mundo os seus tentaculos de pôlvo terrivel, irradiando sua acção deleteria, minando consciencias, annuviando a razão, abafando os gritos da logica, destruindo os sentimentos mais puros do coração humano. Vez por outra, rebentam aqui e além os vulcões do extremismo, como as lavas margulhadas no seio da terra aflloram em crateras. 279

Os infortúnios do comunismo persistem entre nós e, apesar de todas as medidas repressão e prevenção, ainda o perigo está a ameaçar, pois, o comunismo apesar da nossa lei, ainda encontra possibilidade de atuar na sociedade, pois tem suporte na própria legislação do país, “Precisamos compensar a deficiencia das leis. O futuro da nacionalidade está nas nossas mãos. Temos o grave dever de evitar que se arruinem os alicerces do nosso patrimônio moral”.280

Dessa maneira, Padre Heroncio convoca para a luta contra o comunismo por meio da ação para fomentar de uma “formação christã das massas” que resulte em uma moral católica que evidencie a “prática dos deveres religiosos e cívicos.

Esse mesmo preceito é reforçado no artigo de Felippe Guerra281 que emite sua opinião acerca da figura de Mauricio de Nassau, enaltecida na comemoração de sua chegada em Pernambuco. Guerra faz uma advertência a todos para que isto não seja celebrado, pois ele era um invasor e estariam rebaixando os valores heroicos daqueles que defenderam a pátria, como André Vital, Henrique Dias, Felipe Camarão e tantos outros que lutaram contra o invasor.

278

HERONCIO, Pe. Os formigueiros. In: A Ordem, 13 de março de 1936. p. 1. 279 Idem.

280 Idem.

281 GUERRA. Felippe. Merece o intruso Conde de Nassau a gratidão dos brasileiros? In: A Ordem, 17 de junho de 1936. p. 1.

136 Segundo o autor a ação de rejeitar o Conde Nassau seria uma prova que o país não admite mais as influências exteriores, qualquer que fossem, seja até da “Holanda, da Russia e da China ...”

Quando as fronteiras da Patria sentem, como agora, a pressão de forças dissociadoras e internacionalistas, representadas pelo communismo e pelo rotarismo maçonico, é preciso crear uma forte mystica nacional capaz de manter sempre accêsas as lanternas do patriotismo.282

Segundo Guerra se deveria “comemorar os heróis que lutaram pela defesa dos invasores e que defenderam e contribuíram para a nossa nacionalidade e manter a unificação”, pois “As festas de Nassau são anti-nacionaes, anti-brasileiras”. Estes teriam sido “perversos judeus, gananciosos escabinos, criminosos, vagabundos...” que haviam praticado inúmeras atrocidades. E Felipe Guerra faz a referência ao Levante de 1935 : “há pouco tempo os brasileiros sofreram os riscos dessa mesma ameaça estrangeira que propunham sanguinarias, barbaras, exoticas doutrinas”.

O advento da Guerra Civil Espanhola foi um dos aspectos utilizados na construção desse anticomunismo. Padre Heroncio283 empresta nova contribuição ao discurso anticomunista católico estadual ao definir qual era a questão da guerra na Espanha e afirma que o problema não está nas disputas dos diferentes partidos, mais do que isso, “mas uma lucta decisiva entre a barbaria e a civilização, entre o predomínio da matéria e o primado do espirito”. 284

Neste aspecto que está se definindo os rumos da humanidade. Colocam na posição antagônica entre o bem e o mal. De um lado está toda a formação das almas pela cristianização de acordo com a ideia de Deus e da imortalidade da alma. Ao contrário vemos a destruição aos poucos desse ideal na volta do homem a barbaria ao retorno a selvageria pela valorização da matéria, a destruição dos valores da família e da sociedade. Neste aspecto definirá a desumanidade definida pela volta do homem a barbaria com a aceitação do comunismo na contemporaneidade.

Mais terriveis que os barbaros de outrora são os comunistas – os barbaros de hoje. Aquelles, pelo menos, eram mais humanos, tinham seus deuses, aos

282 Idem.

283 HERONCIO, Pe. Barbaria e Civilização. In: A Ordem, 2 de agosto de 1936. p. 1. 284

137 quaes sacrificavam nas florestas, não sendo para admirar que destruissem obras d’arte, patrimonios de civilizações, porque ignoravam seu valor. As hordas modernas vivem em pleno seculo XX, quando a intelligencia humana domina os espaços, e no entanto, ateiam fogo aos monumentos, destransformam em ruinas os feitos do passado, na furia satanica das destruições. 285

Padre Heroncio roga para que seus contemporâneos lutassem para combater os males do comunismo, porque se a Espanha fosse perdida o mal viria pelos soviéticos “não mais pelas ideias e pelo suborno, mas pelas armas”, o mal invadiria as nações. O autor afirma ainda que a derrota do comunismo na Espanha serviria de exemplo aos demais países para o mal da ameaça comunista:

Que a lição da Espanha nos sirva de advertência ao perigo que os deputados espanhóis de esquerda tentam influenciar no nosso governo. Ameaçados ainda pela barbaria, unamos-nos contra o communismo, pela pratica dos ensinamentos christãos, para que não cheguemos ao extremo de precisar defender com sangue a nossa civilização. 286