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PARTE II – O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS E RESGATES EM PLANOS

3.3 Princípios Constitucionais Tributários Aplicáveis ao Imposto de Renda

3.3.1 A Importância do Princípio da Capacidade Contributiva

Não obstante a indiscutível importância do papel exercido pelos princípios constitucionais antes mencionados, destaca-se, para os fins do presente estudo, dois outros princípios constitucionais tributários, de indispensável aplicação ao imposto de renda: o da capacidade contributiva e o da vedação ao confisco.

O princípio da capacidade contributiva vem expresso no parágrafo 1º, do artigo 145, da Constituição Federal de 1988 como “sempre que possível, os impostos terão

caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (...)”.

Trata-se de princípio da igualdade refletido em termos objetivos para o campo da tributação, a fim de resguardar que a riqueza ou o poder econômico sejam considerados quando da equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.”).

103

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MATÉRIA TRIBUTÁRIA - SUBSTITUIÇÃO LEGAL DOS FATORES DE INDEXAÇÃO - ALEGADA OFENSA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADQUIRIDO E DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA - INOCORRÊNCIA - SIMPLES ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA QUE NÃO SE CONFUNDE COM MAJORAÇÃO DO TRIBUTO - RECURSO IMPROVIDO. - Não se revela lícito, ao Poder Judiciário, atuar na anômala condição de legislador positivo, para, em assim agindo, proceder à substituição de um fator de indexação, definido em lei, por outro, resultante de determinação judicial. (...) O Estado não pode legislar abusivamente, eis que todas as normas emanadas do Poder Público - tratando-se, ou não, de matéria tributária - devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do "substantive due process of law" (CF, art. 5º, LIV). O postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Hipótese em que a legislação tributária reveste-se do necessário coeficiente de razoabilidade. Precedentes.” (RE-AgR 200844 / PR - Relator: Min. Celso de Mello - Julgamento: 25/06/2002 - Órgão Julgador: Segunda Turma).

estipulação do aspecto quantitativo da hipótese de incidência tributária, tratando iguais como “iguais e desiguais como desiguais”.

O princípio da capacidade contributiva deve ser observado na instituição do imposto sobre a renda, na medida em que a lei criadora deste tributo preveja forma de mensuração de riqueza efetiva (e não potencial ou patrimonial), acrescida ao patrimônio ou auferida pelo sujeito passivo direto. Neste tocante, vale destacar que alguns juristas (como Luis Cesar Souza de Queiroz104) consideram que o princípio da capacidade contributiva, no âmbito do imposto sobre a renda, tem também um aspecto subjetivo, qual seja o de considerar aspectos pessoais do sujeito passivo, para definição da parcela de seu patrimônio a ser destinada para pagamento do imposto.

Trata-se de um preceito que visa a personalizar a incidência tributária de acordo com a situação econômica do sujeito passivo, concretamente identificado. É sabido que cabe à lei prever cada valor específico a ser imputado a cada sujeito passivo, “mas sim

estruturar o modelo de incidência de tal sorte que, na sua aplicação concreta, tais ou quais características dos indivíduos (número de dependentes, volume de despesas médicas etc.) sejam levadas em consideração para efeito de quantificação do montante do imposto devido

em cada situação concreta”, conforme ensina Luciano Amaro105. Ou seja, não apenas a

alíquota deve variar segundo a capacidade econômica do sujeito passivo, mas também a sua base de cálculo – que, no caso do imposto de renda, conforme pontuado pelo jurista, revela-se pela dedução de despesas, autorizada por lei.

Marcelo Saldanha Rohenkohl, em dissertação recentemente apresentada para conclusão do curso de mestrado nesta Casa, concluiu que o conteúdo do princípio da capacidade contributiva é determinado, inexoravelmente, pela tutela dos direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição Federal. A aptidão econômica sujeita à incidência tributária somente é identificada no espaço em que, pela tributação, não seja obstado o exercício ou fruição de qualquer das garantias individuais (com o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, ao trabalho e à livre iniciativa).106

104

in “Imposto sobre a Renda – Requisitos para uma Tributação Constitucional”, Forense, Rio de Janeiro, 2003.

105

“Direito Tributário Brasileiro”, cit. p. 140.

106 “O Princípio da Capacidade Contributiva no Estado Democrático de Direito (Dignidade, Igualdade e Progressividade na Tributação)”, PUC/SP, São Paulo: 2006, p. 189.

Com efeito, o princípio da capacidade contributiva confere ao legislador tributário o dever de apurar a capacidade econômica do contribuinte a partir da preservação do mínimo vital e do direito ao trabalho e à livre iniciativa. Partindo-se dessa limitação, é que o imposto de renda poderá ser mensurado, graduando suas alíquotas segundo a possibilidade econômica pessoal do contribuinte.

Interessante observar que a capacidade contributiva está relacionada diretamente à materialidade do imposto, e, com isso, toma por “capacidade econômica”, o elemento que se insere nesta materialidade. Assim, os impostos sobre o patrimônio podem variar segundo o tamanho deste patrimônio (o seu valor econômico, venal, de mercado etc.), independentemente de o seu proprietário gozar de situação financeira compatível ou não com tal patrimônio.

No tocante ao imposto de renda, tal problemática pode ser atenuada, posto que, sendo a materialidade do imposto a própria renda, a capacidade contributiva pode ser medida, efetivamente, pela capacidade econômica do sujeito passivo, e, assim, tributar mais

quem ganhar mais e tributar menos quem ganhar menos.

Para medir a capacidade contributiva basicamente dois métodos são difundidos: o da progressividade e o da proporcionalidade. A proporcionalidade se concretiza pela definição de um percentual fixo sobre a base de cálculo legalmente definida, onerando todos os sujeitos passivos, proporcionalmente à extensão da base de cálculo a eles imponível.

Já a progressividade se fundamenta na fixação de alíquotas progressivas (ou regressivas, conforme o caso), para bases de cálculo também progressivas (ou regressivas, sendo o caso). Assim, o percentual ou o valor fixo atribuído como alíquota varia em progressão geométrica de acordo com a variação geométrica da base de cálculo apurada,

pagando mais quem pode mais e pagando menos, quem pode menos.

O método da proporcionalidade, apesar de propagado para todos os impostos submetidos ao princípio da capacidade contributiva, recebe crítica de grande parte da doutrina, que entende não ser ele capaz de efetivar a justiça social que se procura assegurar no parágrafo 1º, do artigo 145, da Constituição Federal.

Roque Antonio Carraza afirma que a proporcionalidade chega até mesmo a desatender ao princípio da capacidade contributiva, pois “se alguém ganha 10 e paga 1, e

outrem ganha 100 e paga 10, ambos estão pagando, proporcionalmente, o mesmo tributo (10% da base de cálculo). Apenas, o sacrifício econômico do primeiro é incontendivelmente maior” 107.

No mesmo sentido, Luciano Amaro108 e Humberto Ávila109.

Para o imposto de renda, especificamente, verifica-se que o artigo 153, em seu parágrafo 2º, I, exige expressamente que a capacidade contributiva seja apurada segundo a progressividade das alíquotas, de tal forma que, no âmbito deste imposto, o princípio da capacidade contributiva seja sobreposto pelo princípio da progressividade, no tocante à fixação das alíquotas.

O entendimento que se extrai dessa análise, é que as alíquotas do imposto de renda deverão ser progressivas, sendo mais altas, tanto maior seja a renda auferida pelo indivíduo. E a renda, para estes fins, também objeto é da aplicação do princípio da capacidade contributiva, na medida em que corresponderá à base de cálculo do imposto, líquida da dedução das despesas necessárias, realizadas pelo indivíduo.

Por fim, vale mencionar que o atendimento ao princípio da capacidade contributiva conviver com característica extrafiscal de determinados tributos.

A extrafiscalidade corresponde à técnica usada para imputar à configuração dos tributos, elementos que possam nortear seus comportamentos, de forma a estimular ou desestimular determinadas ações, julgadas de relevante interesse público, seja no âmbito social, político, monetário ou econômico.

Isso não significa afirmar que a extrafiscalidade possa afastar a aplicação por completo desde princípio. Mesmo porque, a extrafiscalidade, conforme explica Paulo de Barros Carvalho, somente pode ser exercida se observados os contornos da competência tributária. Confira-se:

“Consistindo a extrafiscalidade no emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia deixar de ser o próprio das exações tributárias. Significa, portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador pautar-se, inteiramente, dentro dos

107

“Curso de Direito Constitucional Tributário”, cit. p. 83. 108 “Direito Tributário Brasileiro”, cit. p. 141.

109

parâmetros constitucionais, observando as limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a matéria, assim os expressos que os implícitos”. 110

Assim, em se tratando de imposto de renda, a extrafiscalidade somente é exercida se a hipótese de incidência atingida contemplar a observância do princípio da capacidade contributiva.

Neste sentido, considerando-se, hipoteticamente, o imposto de renda sendo fixado, por exemplo, sobre rendimentos e ganhos em aplicações financeiras, segundo alíquotas progressivas em conformidade com o aumento da base de cálculo, e que contemplasse um adicional de alíquota em caso de resgate da aplicação financeira antes de determinado prazo, estaria respeitando os princípios da capacidade contributiva e da progressividade, e, ao mesmo tempo, conteria regra válida de extrafiscalidade.

Neste caso, haveria um aumento de alíquota especificamente para atender à extrafiscalidade, buscando-se incentivar a manutenção dos recursos em aplicação, a fim de propiciar o alongamento das dívidas do País, sem, contudo, deixar de mensurar a capacidade econômica do sujeito passivo. Esta situação hipotética iria ao encontro da definição dada por Roque Antonio Carrazza a este instituto: “Há extrafiscalidade quando o legislador, em nome

do interesse coletivo, aumenta ou diminui as alíquotas e/ou as bases de cálculo dos tributos, com o objetivo principal de induzir os contribuintes a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa.” 111

Por outro lado, o imposto de renda que tenha suas alíquotas baseadas exclusivamente no período de manutenção das aplicações financeiras, sem mensurar a capacidade econômica do sujeito passivo, quer parecer inconstitucional por violar o princípio da capacidade contributiva e o da progressividade, em prevalência da finalidade meramente extrafiscal.

A este respeito, ver-se-á adiante um caso concreto em que o imposto de renda é fixado segundo alíquotas regressivas de acordo com o prazo de manutenção dos recursos no plano de previdência privada, sendo menor a alíquota quanto maior o prazo de acumulação nos valores no plano. Neste caso, conforme será demonstrado, a lei não faz

110 “Curso de Direito Tributário”, cit., p. 236. 111

qualquer distinção quanto à base de incidência do tributo, variando a alíquota do imposto exclusivamente em função do tempo de aplicação financeira do contribuinte, e não em função da sua capacidade econômica.