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PARTE II – O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS E RESGATES EM PLANOS

4.1 O Antecedente da Norma Tributária

4.1.3 Critério Temporal

O estudo do critério temporal da regra-matriz de incidência tributária está direcionado ao exame do momento preciso em que se considera realizado o comportamento que dá ensejo à obrigação tributária.

Alguns referem-se a este elemento como o próprio fato gerador, pois é ele que define quando se dá a incidência do tributo. O próprio Código Tributário Nacional utiliza- se dessa referência.146 Contudo, por ser o fato jurídico tributável o produto da reunião de vários elementos dentre os quais está o marco temporal, essa confusão não deve prosperar.

Quando se analisa o exato instante em que acontece o comportamento tributável, não se faz referência ao seu acontecimento físico, mas àquele que é atribuído por lei como concretamente realizado. É claro que o momento atribuído por lei deve guardar

145

Op. cit. p. 779. 146

Cita-se, como exemplo, os artigos 19 e 23:

“Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional. (...)

algum vínculo com a realização física do comportamento passível de exação, mas não precisa ser exatamente coincidente. Esse vínculo, ao menos mínimo, é necessário, pois evita que se pretenda tributar algo que ainda não aconteceu, por presunção.

A importância da definição do momento em que é desencadeado o vínculo implicacional da incidência reflete-se não apenas na determinação de quando o sujeito passa a estar obrigado a recolher determinada quantia aos cofres públicos, mas também gera efeitos da aplicação de outros institutos, conforme destaca Mary Elbe Queiroz:

“A importância de se detectar, com precisão, o efetivo momento de ocorrência do fato gerador é de extrema relevância, sendo imprescindível e essencial a sua fixação por ter influência sobre:

i) o respeito e atendimento aos princípios constitucionais da anterioridade e da irretroatividade aplicáveis aos tributos;

ii) o lançamento, independentemente da época em que for efetuado, de conformidade com o art. 144 do CTN, deverá reportar-se, sempre, à data de ocorrência do fato gerador, devendo-se reger pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada;

iii) demarcação do prazo decadencial do direito de a Fazenda Pública lançar, isto é, no que se refere à contagem do início do prazo de que dispõe o Fisco para exercer o seu dever-poder de constituir o crédito tributário, com vista a aferir a ocorrência, ou não, do fato gerador e garantir esse crédito, que é um bem público indisponível”147

Para o imposto de renda, o caput do artigo 43 do Código Tributário expressa sua incidência sobre a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda e de proventos de qualquer natureza. Mais adiante, no parágrafo 2º, o mesmo artigo determina que, na hipótese de renda auferida de fonte pagadora localizada no exterior, “a lei estabelecerá as

condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo”.

Observe-se que, pela referida Lei Complementar, o que define o momento da incidência do imposto de renda é a sua disponibilidade econômica ou jurídica. A dicção do parágrafo 2º é inócua neste sentido, pois não altera a definição do critério do imposto, e menciona que a lei ordinária deverá definir quando se considerará disponível a renda, quando auferida de fonte estrangeira, o que, invariavelmente, também ocorre com a renda auferida de fonte localizada no País.

Art. 23. O imposto, de competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional.”

147

Resta verificar, portanto, o que é disponibilidade econômica e o que é disponibilidade jurídica de renda.

Fortunato Bassani Campos destaca que a disponibilidade “é a qualidade

daquele ou daquilo que está disponível; é também usado como sinônimo de livre, desembaraçado, desimpedido, daquilo que se pode negociar e transferir livremente para

outrem” 148. A disponibilidade econômica seria caracterizada pela renda percebida no regime

financeiro (cash basis), enquanto que a disponibilidade jurídica seria a renda produzida, mas não percebida, representativa de um crédito exigível, reconhecida sob o regime de competência (accrual basis).

Hugo de Brito Machado, a esse respeito, assevera:

“Referindo-se o CTN à aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, quer dizer que a renda, ou os proventos , podem ser os que foram pagos ou simplesmente

creditados. A disponibilidade econômica decorre do recebimento do valor que se

vem a acrescentar ao patrimônio do contribuinte. Já a disponibilidade jurídica decorre do simples crédito desse valor, do qual o contribuinte passa a juridicamente dispor, embora este não lhe esteja ainda nas mãos.” 149

Com isso, vê-se que não é apenas o efetivo recebimento da renda (em

dinheiro, por assim dizer), que faz nascer um vínculo obrigacional tributário. Qualquer efeito

que torne a renda desimpedida para uso do seu titular caracteriza tal renda como “auferida” para fins de incidência do imposto federal.

Havendo disponibilidade econômica, a disponibilidade jurídica está implicitamente presente. Portanto, o imposto de renda é devido quando, no mínimo, há disponibilidade jurídica da renda. É neste sentido que, comenta Ives Gandra da Silva Martins, indicando haver verdadeira coincidência entre os conceitos de disponibilidade jurídica e de disponibilidade econômica:

“Toda aquisição de disponibilidade econômica é, necessariamente, jurídica. Se não fosse, estaria fora da legalidade. Não há aquisição de disponibilidade injurídica. E toda a aquisição de disponibilidade jurídica é necessariamente econômica, vale dizer, sua materialidade deve decorrer do produto do capital, do trabalho, de ambos ou de acréscimos patrimoniais não decorrentes do trabalho ou do capital.” 150

148

“Imposto de Renda: Pessoas Jurídicas”, in “Curso de Direito Tributário”, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Saraiva, 8ª edição, 2001, p. 292.

149 “Curso de Direito Tributário”, cit. p. 290. 150

Neste tocante, interessa observar que se trata de verificar se a renda está livre, e, portanto, que sobre a sua entrega não paira condição suspensiva. A este respeito, o artigo 117 do Código Tributário brasileiro, dispõe que é considerado devido o tributo desde o momento da realização do fato tributável, ainda que sobre ele plane condição resolutória, ou, no caso de condição suspensiva, desde o momento em que ela se concretize151. Estando a renda disponível, poderá ela sujeitar-se à incidência do imposto.

À primeira vista, o artigo 43 do Código deixa a impressão de que a todo momento em que se pagar ou creditar renda e proventos, pode ser efetivada a cobrança do imposto de renda. Não é esta a conclusão adequada.

O aspecto material é adquirir renda ou proventos de qualquer natureza, e tanto renda quanto proventos, conforme antes comentado, são resultados positivos líquidos, isto é, resultados positivos após a dedução de despesas e outros decréscimos de patrimônio. Ora, sendo assim, quando um rendimento qualquer é percebido, não é ainda passível de tributação, pois ainda não está líquido. Por isso, é necessário que a lei fixe um período mínimo para definição da disponibilidade da renda, a fim de que seja possível torná-la líquida.

Luciano Amaro explica:

“O período de formação da renda tributável não pode ser muito curto, sob pena de prejudicar a personalização do tributo e a adequação à capacidade contributiva: o indivíduo que, episodicamente, tem um rendimento elevado não possui a mesma capacidade contributiva de outro indivíduo que perceba, consistentemente, renda elevada. Feita a apuração após o período mais longo, esses efeitos de pico de renda tendem a ser neutralizados.

Por outro lado, o período também não pode ser muito longo, o que comprometeria o fluxo de receita tributária do Tesouro.

O período que foi tradicionalmente estabelecido no Direito brasileiro, em como na legislação de outros países, é de um ano (...). Ao término de cada um desses períodos, faz-se um ‘corte’ nas atividades do contribuinte, para que se apure o acréscimo líquido do patrimônio (que, com alguns ajustes, fornece a base de cálculo do tributo).” 152

151

“Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados:

I - sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento;

II - sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.” 152

Para as pessoas físicas, esse período corresponde a um ano civil, encerrando- se em 31 de dezembro153, e, para as pessoas jurídicas, o período pode ser coincidente com este ou trimestral, encerrando-se em 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano civil. Este é o intervalo de tempo que a lei julga suficiente para apurar a renda líquida do sujeito que dela for beneficiário.

A rigor, somente após a data final de encerramento destes períodos é que o imposto pode ser considerado como devido, e, então, deve ser recolhido ao Tesouro Nacional. A lei tributária, porém, determina a realização de algumas “antecipações“, durante o ano civil, antes mesmo de se concluir o intervalo temporal de apuração da disponibilidade de renda.

No âmbito da tributação das pessoas físicas, essas “antecipações” correspondem a: (i) retenção na fonte com base na tabela de alíquotas e bases progressivas, sobre os rendimentos recebidos de pessoas jurídicas, exceto se decorrentes de aplicações financeiras, (ii) retenção na fonte com base em alíquotas fixas, sobre os rendimentos decorrentes de aplicações financeiras de renda fixa154; (iii) recolhimento mensal obrigatório (popularmente conhecido como “carnê-leão”), calculado sobre a tabela de alíquotas e bases progressivas, sobre os rendimentos recebidos de pessoas físicas ou do exterior; (iv) recolhimento com base em alíquotas fixas, sobre ganhos de capital na alienação de bens e direitos e sobre os ganhos apurados em aplicações financeiras de renda variável.155

Vale esclarecer que o termo “antecipações” é usado com certa impropriedade, uma vez que apenas as incidências descritas em (i) e (iii) são compensáveis com o imposto de renda devido ao final de cada período de apuração do imposto de renda (ano civil). As incidências previstas em (ii) e (iv) são tidas como “exclusivas” ou de tributação “definitiva”, e, portanto, não são objeto de compensação quando da apuração do imposto efetivamente devido pelo sujeito passivo, ao final do período de apuração.

Apesar de a tributação definitiva parecer a mais incoerente sob a perspectiva constitucional do conceito de renda e a que mais afronta à hipótese de incidência traçada pelo

153

Neste sentido, Paulo Ayres Barreto (“Imposto sobre a Renda – Pessoa Jurídica”, cit. p. 777) e Mary Elbe Queiroz (“Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza – Tributação das Pessoas Físicas”, cit. 463). 154

Alguns rendimentos decorrentes de aplicações financeiras estão sujeitos a alíquotas progressivas, mas não em função da renda, e sim em razão do prazo de investimento financeiro.

155

Os rendimentos e ganhos referidos neste parágrafo são aqueles sobre os quais, geralmente, a antecipação do imposto é cobrada, o que não implica afirmar que os demais rendimentos e ganhos auferidos pela pessoa física não estarão sujeitos à tributação por antecipação; os que não estão mencionados expressamente em uma dessas categorias podem estar abrangidos por uma delas, se a legislação assim definir.

artigo 43 do Código Tributário Nacional, visto que não apenas tributa o ingresso de recursos (ou “renda” bruta), mas também desrespeita o aspecto temporal da incidência – disponibilidade da renda, assim considerada findo o período do ano civil –, não se pode deixar de apontar para a manifesta inadequação da antecipação do imposto mediante os procedimentos de retenção na fonte com base na tabela progressiva ou de recolhimento mensal obrigatório. Nestes casos, também se está tributando o ingresso de recursos, a receita, sem se verificar qual parcela efetivamente é resultado positivo líquido.

Se a lei permite a antecipação do imposto sobre o resultado bruto percebido pelo sujeito, o procedimento de ajuste, ao final do exercício, portanto, haveria de contemplar ao menos um crédito de imposto devidamente corrigido monetariamente, e não apenas o seu valor nominal à época em que foi recebido.

A evitar tais questionamentos, a legislação autoriza que parte das deduções permitidas pela legislação, e que servem de abatimento do resultado bruto, para fins de apuração da base tributável pelo imposto ao final de cada ano-calendário, possa ser descontado sobre a apuração do imposto nas modalidades (i) e (iii) anteriormente referidas, isto é, nos casos em que o imposto “antecipado” é abatido ao final do período de apuração. Nos demais casos – itens (ii) e (iv) –, a lei ordinária não permite a dedução de qualquer despesa, nem quando da sua incidência “antecipada”, nem quando do cálculo do montante efetivamente devido no ano.

Em qualquer dos casos, tem-se que é nitidamente imprópria a definição de tributação a título de antecipação do imposto, posto que o critério temporal da regra-matriz de incidência do imposto de renda devido pelas pessoas físicas corresponde ao período que se encerra em 31 de dezembro de cada ano. Assim, o imposto em questão somente pode ser exigido a partir de então.