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PARTE II – O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS E RESGATES EM PLANOS

3.3 Princípios Constitucionais Tributários Aplicáveis ao Imposto de Renda

3.3.2 A Limitação Imposta pelo Princípio da Vedação ao Confisco

Presente em diversos sistemas jurídicos, a vedação ao confisco, no ordenamento jurídico brasileiro, está previsto no artigo 150, IV, da Constituição Federal.

Conforme anteriormente descrito, apesar de a Constituição expor um perfil geral de cada tributo, descrevendo sua materialidade possível, seus sujeitos ativo e passivo possíveis, sua base de cálculo e alíquota possíveis, é a lei que institui o tributo que deve prever esses elementos in concreto. Pois bem, a vedação ao confisco – ou o “não-confisco”, como alguns preferem denominar112 – atinge especificamente um desses elementos ou elementos da regra-matriz tributária: o quantitativo.

O aspecto quantitativo da hipótese de incidência de um tributo corresponde, basicamente, conforme restará descrito a seguir, à sua alíquota e à sua base de cálculo. Tais elementos não precisam estar claramente descritos na lei, basta apenas que constem como a grandezas eleitas pelo legislador (com fundamento na competência atribuída pela Constituição Federal), a fim de dimensionar o fato que gera a cobrança do tributo.

Justamente por se referir aos elementos que mensuram o “peso” do tributo, ou seja, a quantidade de dinheiro a ser entregue aos cofres públicos, é que o aspecto quantitativo está intimamente ligado ao princípio da vedação ao confisco.

O princípio da proibição ao confisco apresenta-se como uma garantia ao direito de propriedade, de forma a coibir ações do poder tributante, que tenham por conseqüência restringir o direito dos cidadãos de usufruir seus próprios bens e direitos legitimadamente adquiridos.

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É evidente que qualquer cobrança de tributos atinge a propriedade dos indivíduos, uma vez que é de sua essência a entrega de recursos ao Poder Público competente. Contudo, pretende-se, com a vedação ao confisco, limitar esse poder-dever que os entes públicos detêm para retirar parcela do patrimônio dos indivíduos com o fim de arrecadar tributos.

É o que expõe Sasha Calmon Navarro Coelho:

“A teoria do confisco e especialmente do confisco tributário ou, noutro giro, confisco através de tributo, deve ser posta em face do direito de propriedade individual, garantida pela Constituição. Se não se admite a expropriação sem justa indenização, também se faz inadmissível a apropriação através da tributação abusiva”. 113

A medida do confisco é, portanto, a medida do abuso, em que o tributo deixa de ser encargo da atividade do cidadão ou da empresa e passa a comprometer a própria atividade ou subsistência de sua fonte produtora114. Em outras palavras, o confisco serve como padrão de tributação tido como suportável, razoável.

O texto constitucional determina que:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)

IV - utilizar tributo com efeito de confisco; (...)”

Diante desta redação, é possível, desde já, inferir que: (i) a proibição inserida neste dispositivo constitucional aplica-se a todos os tributos; (ii) há vedação para qualquer utilização de tributo que tenha efeito confiscatório. Assim, o que se proíbe é haja

efeito de confisco na utilização de tributos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Efeito confiscatório, no âmbito do direito tributário, deve ser entendido como o resultado da cobrança de determinado tributo que represente excessiva exação. Em outras palavras, o efeito confiscatório é identificado quando, diante de determinada exigência

113

In “O Controle da Constitucionalidade das Leis e o Poder de Tributar na Constituição de 1988”, 3ª edição, Del Rey, Belo Horizonte, 1999, p. 457.

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Neste tocante, vale mencionar as palavras de Ricardo Conceição Souza, in “Regime Jurídico das Contribuições”, Dialética, São Paulo, 2002, p. 115: “Haverá confisco quando o tributo ou sua respectiva carga

absorver os meios de produção de riqueza do contribuinte, impossibilitando-lhe de produzir, se for pessoa jurídica, ou de viver com dignidade, se for pessoa física.”

tributária, o sujeito passivo tenha que se privar de elementos necessários à sua subsistência ou ao exercício de suas atividades.

Trata-se, portanto, de uma conseqüência – por isso “efeito” – de uma atitude de cunho confiscatório adotada pelo ente tributante, em relação aos sujeitos passivos submetidos à incidência do tributo.

Tributo confiscatório, então, pode ser entendido como todo aquele que, isoladamente, seja capaz de comprometer a fonte produtora do bem, direito ou serviço sujeito à tributação.

Ao tratar de utilização de tributo efeito confiscatório, o que a Constituição Federal de 1988 pretendeu proteger o sujeito passivo contra tributação insuportável, qualquer(quaisquer) que seja(m) a(s) modalidade(s) de tributo escolhida(s) para tanto.

Não há, porém, até os dias atuais uma definição legal sobre qual o limite que determinado tributo ou todos os tributos devem observar para não serem tidos como confiscatórios.

No passado, porém, Ives Gandra Martins destaca que já houve tentativa de se estabelecer tal limite. O jurista faz referência ao anteprojeto de lei, elaborado pelo então senador Fernando Henrique Cardoso, para alteração do CTN, com vistas a disciplinar ao disposto no artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. O referido anteprojeto continha a seguinte redação:

“Art. 7º Considerar-se-á caracterizada a utilização de tributo com efeito de confisco sempre que seu valor, na mesma incidência, ou em incidências sucessivas, superar o valor normal de mercado dos bens, direitos ou serviços envolvidos no respectivo fato gerador ou ultrapassar 50% do valor das rendas geradas na mesma incidência. (...)

§2º Para os efeitos deste artigo computar-se-ão todos os tributos federais, estaduais ou municipais, que incidam no bem, direito ou serviço com fatos geradores simultâneos, ou decorrentes de um único negócio.” 115

Tal projeto, porém, não foi levado adiante, sendo possível hoje uma aplicação bastante subjetiva sobre o limite de incidência de tributos, sem que sejam “utilizados com efeito de confisco”.

115 “A Abertura de Espaços Comunitários, Carga Tributária, Capacidade Contributiva e Efeito-Confisco”, in “Grandes Questões Atuais do Direito Tributário”, 8º vol., Dialética, São Paulo, 2004, p. 235 e 237.

A vedação ao confisco, não se pode ouvidar, é claramente aplicável ao imposto sobre a renda, e, este, por sua essência, deve observá-lo de forma objetiva, afastando qualquer efeito do tributo que tenha por conseqüência a inviabilidade de práticas de atividades ou da subsistência do contribuinte.

Neste sentido, certas situações práticas podem delinear alguns dos limites a que se submete o legislador federal, ao definir a incidência do imposto de renda. É o caso, por exemplo, de se tributar a fonte produtora de riqueza (o que invibilizaria o auferimento de renda e de patrimônio, e o exercício de atividades econômicas) e a correção monetária de valores (que apenas traz a valor presente determinado montante em dinheiro).

Ademais, apesar de se tratar de um conceito bastante subjetivo, fala-se ainda de a tributação, especialmente a que se impõe sobre a renda, respeitar o mínimo existencial, para uma vida digna do indivíduo. Neste tocante, o princípio da vedação ao confisco chega mesmo a confundir-se com o princípio da capacidade contributiva, conforme palavras de Elcio Fonseca Reis:

“O mínimo existencial é visto como limite mínimo para a capacidade contributiva, na medida em que a renda consumida na manutenção da vida digna, ou seja, aquela que assegure um mínimo de dignidade para o exercício da cidadania não pode ser posta sob o enfoque da norma de tributação, por não denotar capacidade contributiva.

A capacidade contributiva tem como limites, de um lado, o mínimo existencial ligado à dignidade da pessoa humana e, de outro, a propriedade ligada à vedação de tributos confiscatórios. Dentro desses limites há capacidade contributiva passível de ser tributada pelo imposto de renda.” 116

Porém, outros tantos aspectos do princípio da não-confiscatoriedade podem ser identificados juridicamente, sempre à margem das limitações ao poder de tributar e ao princípio da capacidade contributiva. Importante, face mesmo à ausência de definição precisa constitucional sobre o tema, é verificar, em toda e qualquer norma que estatua hipóteses de incidência tributária, a razoabilidade e a garantia aos direitos fundamentais dos cidadãos, como o da livre iniciativa117, bem como garantir o mínimo existencial.

116

“O Imposto de Renda das Pessoas Físicas e a Dignidade da Pessoa Humana. Intributabilidade do Mínimo Existencial”, Revista Dialética de Direito Tributário nº 65, fev/2001, p. 39.

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