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PARTE II – O PAGAMENTO DE BENEFÍCIOS E RESGATES EM PLANOS

3.1 Competência Tributária da União

O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza é tributo passível de instituição e cobrança pela União, conforme disposto no artigo 153, III, da Constituição Federal de 198878. O referido dispositivo constitucional trata da competência tributária para instituição do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.

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“Interpretação e Aplicação da Constituição”, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2004, p.4. 76

É natural que não se consiga afastar por completo as influências de valores e convicções subjetivas, uma vez que, sendo este trabalho construção de expressão humana, está sujeito a ser “contaminado” por opiniões lastreadas em valores sócio-culturais. Porém, ao pretender tratar do tema com foco no sistema em que se insere, estar-se-á buscando afugentar os possíveis desvios pautados exclusivamente em uma visão estritamente subjetiva.

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Vale-se de empréstimo da expressão “arquétipo tributário” usada por Roque Carrazza e Geraldo Ataliba, posto que expressa com clareza a mensagem que se pretende alcançar.

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“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) III - renda e proventos de qualquer natureza; (...)

§ 2º - O imposto previsto no inciso III:

A competência tributária é, nas palavras de Roque Antônio Carrazza, “a

aptidão para criar, in abstrato, tributos”79. Não se trata, pois, da criação concreta do tributo – posto que não tarefa da Constituição instituir tributos, mas, sim, da lei ordinária80 –, mas de atribuição conferida a determinada pessoa jurídica de direito público para instituir tributos, em conformidade com as limitações constitucionais.

É a competência tributária que define qual o tributo pode ser instituído no País, qual o seu titular, sobre qual materialidade ele poderá incidir, e com base em que limites. Não fossem por essas especificações que a Constituição Federal prescreve, os entes políticos seriam titulares de verdadeiros poderes absolutos (poder de tributar, em sentido estrito). No entanto, o direcionamento traduzido no texto constitucional a este poder de tributar (estabelecendo princípios, imunidades e o que Roque Antonio Carrazza denomina a “hipótese

de incidência possível de cada tributo”81) o converte em competência tributária.

A compreensão da competência tributária perfaz-se pela análise de suas características. Neste sentido, destaca Roque Antonio Carrazza seis: a privatividade, a indelegabilidade, a incaducabiliidade, a inalterabilidade, a irrenunciabiilidade e a facultatividade de exercício. Alguns juristas discordam serem todas necessárias à definição da competência tributária, a exemplo de Paulo de Barros Carvalho82, para quem apenas a indelegabilidade, a irrenunciabilidade e a incaducabilidade são atributos essenciais deste objeto jurídico, e de Cristiane Mendonça83, que entende que apenas a facultatividade e a irrenunciabilidade caracterizam a competência legislativo-tributária pátria.

A privatividade remete à exclusividade para instituição do tributo, a autorização para uma pessoa política instituir o tributo e, a contrario sensu, a proibição para as demais para instituí-lo.

Já a indelegabilidade se refere à proibição para que se transfira a outrem (mesmo que pessoa jurídica pública de mesma espécie – como entre Estados da federação) a

79

“Curso de Direito Constitucional Tributário”, cit. p. 449. 80

Ressalvadas as hipóteses em que a Constituição Federal de 1988 impõe a instituição de tributo mediante lei complementar.

81

“Curso de Direito Constitucional Tributário”. cit. p. 460.

82 “Curso de Direito Tributário”, Saraiva, São Paulo, 17ª edição, 2005, p. 222. 83

competência para instituição do tributo. A este respeito, o artigo 7º da Lei nº 5.712/6684 (Código Tributário Nacional) esclarece que a indelegabilidade atinge a instituição do tributo (isto é, o poder para editar lei que crie o tributo in concreto e majore-o), não abrangendo as funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, tarefas que podem ser conferidas pela pessoa jurídica designada pela Constituição a outros sujeitos de direito.

A incaducabilidade, está presente no artigo 8º do mesmo diploma, o qual esclarece que “o não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de

direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído”. Ou seja, mesmo o

seu não exercício, por tempo prolongado, não impede a pessoa política de exercê-la a qualquer tempo.

No tocante à inalterabilidade, também passível de extração por este mesmo dispositivo legal, alude-se à proibição para se modificar a competência tributária, a não ser por vontade do legislador constituinte derivado, por intermédio de emendas constitucionais.

A irrenunciabilidade refere-se à indisponibilidade da competência tributária; não pode o ente político designado como competente renunciar à atribuição dada pela Constituição Federal para instituição de determinado tributo. Não se trata, pois, de proibição para renúncia à arrecadação de determinado tributo (a chamada renúncia fiscal, que depende da vontade da pessoa política competente, no exercício dessa competência, estabelecendo fatos tributáveis e hipóteses de isenção), mas, sim, de vedação à recusa em receber a competência tributária da forma como delineada na Constituição.

Por fim, a facultatividade de exercício, como corolário das características anteriormente comentadas, remete-se à não obrigatoriedade de instituição do tributo cuja competência fora designada pela Constituição. O exercício da competência não é obrigatório, depende de decisão política (conveniência, vontade e agilidade).

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“Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.

§ 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir.

§ 2º A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público que a tenha conferido.

§ 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos.”

Diante dessas características e em vista da legislação em vigor no tocante ao imposto de renda, é possível observar que todos estes atributos da competência tributária foram preservados, tendo o legislador federal, como poder a quem privativamente foi atribuída a competência para instituição deste tributo, exercido sua faculdade de criação in

concreto do referido imposto, sem delegar tal função a terceiros, nem tampouco alterá-la, ou

renunciá-la.

Compreendido o poder de tributar limitado a que se refere a competência tributária, é forçoso lembrar que a forma como ela vem prescrita na Constituição Federal não apenas aponta para o campo de tributação em que o ente competente deve atuar, mas também descreve os contornos gerais que devem ser obrigatoriamente observados quando do seu exercício (isto é, instituição concreta do tributo) pelo legislador ordinário.

Neste diapasão, José Eduardo Soares de Melo afirma que “A competência

tributária é a aptidão para criar os tributos, legalmente e de forma abstrata, indicando todos os elementos da hipótese de incidência, compreendendo o aspecto pessoal (sujeitos ativos e passivos), a materialidade, base de cálculo e alíquota.” 85

É como se a Constituição trouxesse, implicitamente, uma regra-matriz possível para cada tributo, apontando para uma hipótese de incidência possível, um sujeito passivo possível, um sujeito ativo possível, uma base de cálculo possível e uma alíquota possível, conforme destaca Roque Antonio Carrazza86.

Isto significa dizer que, quando o artigo 153, inciso III, da Carta Magna, confere competência à União para instituir imposto sobre a renda, já contém de forma embutida, o “auferir renda” como materialidade do tributo, a União como sujeito ativo, “aquele que auferir renda” como sujeito passivo, o valor da renda como base de cálculo e percentuais progressivos dessa renda como alíquota87.

Esses elementos devem servir como critérios máximos para o legislador ordinário, ao estabelecer a regra-matriz concreta do imposto de renda, não lhe sendo facultado

85

“Curso de Direito Tributário”, 6ª edição, Dialética, São Paulo, 2005, p.139. 86

“Curso de Direito Constitucional Tributário”, cit. p. 460. 87

No tocante especificamente à alíquota, entende-se que o seu conteúdo possível deve ser alcançado pela combinação do artigo 153, III, com o parágrafo 2º do mesmo artigo e com o artigo 150, IV, da Constituição, que prescreve o princípio de vedação ao confisco, a seguir comentado.

extrapolar esses limites a fim de alcançar fatos jurídicos que não guardem correlação com este arquétipo tributário constitucional.

Luciano Amaro, sobre esta limitação, descreve com precisão:

“Não se nega que a lei tributária possa modificar o conceito dado pelo direito privado (ou, em regra, por qualquer outro ramo do direito). Por conseguinte, é lícito à lei tributária, por exemplo, equiparar a pessoa física à pessoa jurídica (o que, efetivamente, é feito, em dadas situações, pela lei do imposto de renda ).

O que se veda à lei tributária é a modificação de conceitos que tenham sido utilizados por lei superior para definição da competência tributária, se da modificação puder resultar ampliação da competência. Por isso, se a regra que outorga competência tributária (e, portanto, dá os contornos do campo sobre o qual é exercitável a competência) autoriza a tributação de imóvel, não pode o legislador tributário equiparar móveis a imóveis, para efeitos fiscais, sob pena de ampliar, ilegitimamente, sua esfera de competência.” 88

Com isso, quer desde já se firmar a conclusão de que, em relação ao imposto de renda, a sua materialidade não pode corresponder a algo que não seja “auferir renda”, o seu sujeito passivo não pode ser outro ente da federação que não a União (e pessoas a quem ela atribua a capacidade de arrecadação, fiscalização e controle do tributo), o sujeito passivo não pode ser outro senão “aquele que auferir renda”, a base de cálculo não pode ser diversa do valor da renda (ou parte dela) e a alíquota não pode ser outra senão parte (ou percentual) da renda auferida, progressivamente projetada.