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Conforme supracitado, previamente a adentrar no escopo desse trabalho, que são os investimentos em infraestrutura, faz-se fundamental demonstrar o caráter dual do investimento, ou seja, seus desdobramentos, tanto na demanda como na oferta. O investimento não se restringe a apenas um gasto ou em uma expansão da capacidade produtiva. Ademais, é o investimento a variável que determina não apenas o patamar do produto corrente (por uma hierarquia de decisões dos empresários), mas também o produto potencial por ser a única variável com a capacidade de alterar a capacidade produtiva. Assim, o investimento é o fator preponderante para o acontecimento das flutuações e dos ciclos econômicos nas economias capitalistas. Desse modo, a dimensão temporal que permeia a realização do investimento se manifesta, visto que o próprio é a conexão entre o curto e o longo prazo, determinando a trajetória das economias em ambos os instantes. Portanto, com o propósito de demonstrar a centralidade do investimento para o funcionamento das economias capitalistas, partir do Princípio da Demanda Efetiva (PDE), enfatizando a sua validade, tanto no curto prazo como no longo prazo, é primordial.

Desde a publicação das obras seminais de Keynes (1936) e Kalecki (1954), a importância da demanda para atividade econômica se difundiu pela literatura por meio do Princípio da Demanda Efetiva (PDE), posicionando-se explicitamente antagônico à lei de Say. De acordo com Possas (1999, p. 19), o PDE “consiste na determinação unilateral das receitas (rendas) pelo gasto; em outras palavras, na constatação de que nas transações mercantis a

única decisão autônoma é a de gastar (comprar, converter dinheiro em mercadoria) ”. Portanto, a igualdade entre os gastos e a renda é apenas contábil, recaindo aos gastos a determinação causal unilateral da renda. Ao se verificar o esquema analítico proposto por Keynes (1936), simbolizando o funcionamento das nações como economias monetárias de produção, constata-se que, a decisão de se gastar, que são decisões de demanda, compõe um papel central para a determinação do produto e do emprego. Reitera-se que as decisões de se gastar devem ser desmembradas em duas (em uma economia fechada), de se consumir e de se investir.

Nessa economia monetária da produção, o objetivo central, como de qualquer economia capitalista, é a obtenção de lucros para a continuidade do processo de acumulação. Como a única decisão autônoma que os agentes econômicos podem efetuar, é o gasto, estes organizarão suas decisões, para o atingimento de tal objetivo. Assim, pode-se realizar uma hierarquização das decisões que podem ser organizadas cronologicamente da seguinte maneira: (i) decisão de alocação da riqueza; (ii) decisão de investir e de consumir; (iii) decisão de produzir; (iv) e decisão de empregar. (BELLUZZO & DE ALMEIDA, 2002). Os empresários (capitalistas), que são os detentores dos meios de produção, procurarão alocar suas riquezas para a maximização de seus lucros e, assim, irão empregar e produzir com base nas suas expectativas (de curto prazo) sobre a demanda, isto é, sobre os gastos (consumo e investimento). Em outros termos, inexiste sequer uma tendência ao equilíbrio de pleno emprego, recaindo plenamente aos empresários, com base em suas expectativas, a determinação da demanda efetiva. Essas expectativas podem ser corrigidas apenas em um próximo período e, por conseguinte, sujeitas a previsões novamente errôneas, visto que, o processo de produção requer um lapso temporal e as decisões tomadas não podem ser completamente alteradas. Destarte, o processo de produção, nesse esquema analítico proposto por Keynes (1936), é determinado ex post, antagonicamente a demanda efetiva, um fenômeno estabelecido ex ante. Segundo Possas (1986, p.299):

(...) trata-se de uma teoria da determinação da produção apoiada, em dois conceitos temporais: o do período de produção (...) e o de curto prazo, referido ao horizonte temporal de expectativas e ao conteúdo do cálculo capitalista ao iniciar-se o período de produção, quando tomam-se as decisões de quanto produzir, que estoques manter e a que preços vender.

Ademais, nota-se aqui, que o investimento exerce uma função dual, de ser tanto o responsável pela produção como ser um componente de demanda. Por essas características o investimento é, indubitavelmente, dentre os componentes que compõem a demanda agregada, a variável-chave para a determinação da atividade econômica e do emprego.

Essa centralidade não deriva certamente do peso do investimento no produto de uma economia capitalista, que é muito inferior ao do consumo; mas de sua muito maior autonomia em relação ao nível de atividade, o que o torna uma variável-chave para a determinação endógena não apenas desse mesmo nível de atividade, como também de suas variações, eventualmente de suas flutuações e mesmo de sua possível instabilidade. (POSSAS, 1999, p. 31)

O consumo, embora seja o elemento de maior participação na demanda agregada, não detém o papel fundamental para a determinação do produto e do emprego3. Isso decorre dessa variável ser primordialmente determinada pela renda disponível, sendo seu volume estável durante o tempo e, portanto, recaindo sobre o investimento, o caráter dinâmico e instável da economia. Nesse sentido, as flutuações da demanda, produto e emprego, assim como as crises do capitalismo, derivam-se majoritariamente do investimento. Por certo, com base na hierarquia das decisões e nas suas características intrínsecas4, o investimento é, fundamentado no PDE, o gasto de maior autonomia e, portanto, o elemento central para a dinâmica das economias capitalistas.

Destarte, por tamanha importância dessa variável, pode-se dizer que o PDE é o investimento, visto que toda a dinâmica proposta por este princípio gravita em torno deste último. Torna-se evidente, portanto, que o investimento é o fator preponderante para a determinação do produto e do emprego no curto prazo. No curto prazo, Keynes (1936) desenvolve sua teoria com o pressuposto de que a capacidade produtiva permanece constante e, assim, as variações do produto (e o ajustamento da poupança ao investimento) se devem às variações do grau de utilização da capacidade. Todavia, esse pressuposto é derrubado no longo prazo, permitindo assim, variações da capacidade produtiva (GAREGNANI, 1992). De fato, o investimento, por meio de seu caráter dual, possui o poder de modificar a capacidade produtiva a longo prazo, possibilitando que o processo de ajuste ocorra na própria. Faz-se necessário, então, explanar como essa relação desenrola-se no longo prazo, estendendo, dessa forma, a validade do PDE.

Com a variação da capacidade produtiva no longo prazo, o processo de ajustamento da poupança para o nível de investimento5 não se limita às oscilações da demanda agregada

3 O consumo apenas impacta significativamente a demanda agregada por meio da propensão a consumir e, assim, não sendo o responsável por toda a dinâmica da atividade econômica.

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Como os desdobramentos advindos das expectativas de longo prazo e das incertezas que permeiam a decisão de se investir. Além do mais, por ser um gasto que necessita de um tempo de maturação, as expectativas e incertezas exercem um papel central nas previsões sobre seus futuros rendimentos, podendo impactar tanto positivamente como negativamente no próprio investimento e, por consequência, na demanda agregada.

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Enfatiza-se, que tanto no curto como no longo prazo, a poupança é “por definição um fluxo de rendimentos simultâneos ao investimento e por ele determinado”; sendo, bem como a renda, estritamente residual, uma vez que é totalmente determinada por outras variáveis de gasto (POSSAS, 1999, p. 26 e 27).

(utilização da capacidade), permitindo que o ajuste seja realizado por meio da elevação ou decaimento da capacidade produtiva. A temporalidade que permeia a realização do investimento demonstra-se fundamental para essa dinâmica.

No curto prazo, o investimento é o fator preponderante para a determinação da demanda efetiva, em virtude de suas características e por ser a maior decisão autônoma existente. No longo prazo, o investimento é o único fator com a capacidade de transformar a estrutura produtiva, isto é, o investimento, que em um primeiro instante era demanda, transfigura-se, ao longo do tempo, em oferta. A capacidade produtiva é determinada pelos investimentos passados, ou seja, pela demanda passada, posto que a última também é determinada (majoritariamente) pelo investimento.

Dessa forma, no PDE de longo prazo, é a capacidade produtiva que se adequa à demanda efetiva (GAREGNANI, 1992, SERRANO, 1995). Ao se afirmar o oposto, ou seja, que é a demanda efetiva que se ajusta à capacidade produtiva, recai-se em dois erros conceituais, um lógico e outro cronológico. Portanto, em ambos lapsos temporais, tanto no curto como no longo prazo, o investimento, ou seja, a demanda, é o elemento-chave para a determinação da oferta e, por conseguinte, da dinâmica econômica. Isso posto, explanar qualquer trajetória de crescimento, sem conceder um espaço central ao investimento, torna-se um erro crasso.