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A relevância do setor de infraestrutura e de seus investimentos para o crescimento

A importância da infraestrutura para o crescimento econômico é um fato amplamente aceito na literatura econômica, especialmente graças a uma grande gama de estudos empíricos que procuram constatar e mensurar tal relação. Entretanto, ao se direcionar o olhar para o âmbito teórico, verifica-se uma discussão rasa e pouco difundida. Por essas razoes, um esforço para sistematização da relevância do setor se faz significativo. Albert Hirschman, em The Strategy of Economic Development (1958)20, foi um dos poucos autores a enfatizar explicitamente a importância do setor, tornando-se um porta voz clássico. Em seu trabalho, explana a relevância da infraestrutura para as atividades produtivas, visto que esta promove externalidades positivas pela economia, possibilitando maiores patamares de investimento e crescimento. O autor salienta um caráter permissivo da infraestrutura com a atividade

19 A elevação dos níveis de renda e modificações de gostos e costumes impactam no padrão de consumo; semelhantemente ao pensamento estruturalista.

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Nurkse (1953) também enfatizava a importância dos investimentos em infraestrutura para o crescimento econômico, recomendando a elevação dos gastos no setor para um aumento do tamanho e integração entre os mercados, elevando a produtividade da economia.

produtiva, posto que a primeira não impacta diretamente em elevações na produção, contudo a sustenta e estimula suas atividades.

Faz-se fundamental distinguir os impactos que o setor de infraestrutura ocasiona na economia. De acordo com Sarti (2015), o primeiro é por meio da produção de seus serviços, os quais impactam na qualidade e quantidade da produção e distribuição de serviços e bens industriais, bem como sobre a produtividade industrial e geral. Já o segundo, ocorre mediante seus investimentos, tendo impactos maiores sobre a demanda de bens e serviços industriais e, ao ampliar a oferta de seus serviços, por impactar sobre a eficiência (produtividade) da produção industrial. Portanto, caso exista um investimento (estoque de capital) insuficiente de infraestrutura comparativamente às atividades produtivas, isso acarretará, indubitavelmente, um limitador do crescimento econômico.

Com o propósito de demonstrar a importância da infraestrutura para o crescimento econômico, Hirschman (1958) realiza um exemplo, distinguindo o Capital Fixo Social (CFS) e Atividades Diretamente Produtivas (ADP). No que concerne ao CFS, o seu núcleo contemplaria essencialmente os serviços básicos de infraestrutura (logística, energia, telecomunicações e saneamento) para o andamento das ADP21. No que tange às ADP, estas englobam todo tipo de atividade geradora de produtos e serviços na economia. O autor explana a existência de um patamar mínimo de CFS requisitado por determinado nível de atividade econômica (ADP), sendo que no decorrer do processo de crescimento tal demanda tende a se elevar, ocasionando duas possibilidades de trajetórias sobre a relação entre CFS e ADP, resultando em cada cenário, uma distinta dinâmica.

Primeiramente, desenvolve-se a estratégia de desenvolvimento via capacidade excessiva de CFS. Nesta estratégia, procura-se expandir os níveis de CFS com o intuito de mitigar os custos de produção e, por conseguinte, ocasionar a instauração de elevados montantes de investimento22 (HIRSCHMAN, 1958). O segundo caso se refere à estratégia de desenvolvimento via escassez de CFS, neste caso, será as ADP que liderarão o processo de desenvolvimento. Com as elevações das ADP, espera-se que o custo de novas inversões se

21 Ademais, todos os serviços públicos (justiça, segurança, saúde e educação) integram neste conceito e, portanto, o CFS é usualmente regulado ou desempenhado pelo Estado.

22 Ressalva-se que os empreendedores advogam grande papel nesta perspectiva, uma vez que as decisões inversoras ficaram a seu cargo.

amplifique, acarretando incentivos para a realização de investimentos em CFS23. Portanto, o cenário mais eficiente dependerá das características culturais e institucionais dos países.

Isso posto, diversos estudos procuraram identificar e mensurar esses impactos do setor de infraestrutura na atividade econômica, sendo que o trabalho seminal de Aschauner (1989) foi um dos primeiros a encontrar uma relação positiva e significativa entre o estoque de infraestrutura e o crescimento econômico e a produtividade. A grande maioria dos trabalhos posteriores seguiram esta perspectiva, focalizando a mensuração do impacto do setor de infraestrutura no patamar e na taxa de crescimento do produto e/ou produtividade. Outros autores que encontraram resultados positivos e significantes entre o volume de estoque em infraestrutura com o crescimento de longo prazo, foram Canning (1999), Calderón e Servén (2004) e Fleury (2009)24.

Mussolini e Teles (2010) também enfatizam a importância dos investimentos em infraestrutura para a elevação da produtividade dos fatores e para o crescimento no Brasil. Semelhante conclusão é obtida por Ferreira e Malliagros (1998). Ao comparar o crescimento econômico da América Latina com o Leste Asiático entre 1980 e 1997, Calderón e Servén (2002) constatam que cerca de um terço da discrepância entre a taxa de crescimento das regiões podem ser explicadas pela diferença de qualidade e do volume de inversões no setor de infraestrutura.

Dentre as políticas de desenvolvimento existentes, para Rozas e Sánchez (2004), a provisão adequada dos serviços de infraestrutura é uma das mais relevantes, principalmente para os países com crescimento calcados no setor externo. A ausência de uma infraestrutura adequada é um dos fatores principais para uma taxa de crescimento aquém dos padrões internacionais. Além disso, uma inadequada infraestrutura, com um elevado custo de seus serviços, desestimula a entrada de investimento direto que, ao seu turno, desdobra-se negativamente na taxa de inversão e no crescimento econômico (ROZAS & SÁNCHEZ, 2004).

Conforme Calderón e Servén (2004), no que diz respeito aos impactos da qualidade dos serviços de infraestrutura no crescimento econômico, o mesmo não pode ser citado, posto que não foi possível constatar impactos dessas variáveis. De acordo com Calderón e Servén

23 Em vista disso, as respostas das pressões públicas às instituições responsáveis pelo CFS serão relevantes, posto que a implementação de CFS situa-se em sua incumbência.

24 Segundo Fleury (2009), os efeitos positivos dos investimentos em infraestrutura no crescimento de longo prazo do produto ocorrem sobretudo nos países em desenvolvimento.

(2014), dentre os diversos estudos empíricos que contemplam este tema, três problemas emergem: a identificação; a mensuração e a heterogeneidade. No caso da identificação, o impacto da expansão da oferta dos serviços de infraestrutura no produto pode ser confundido com a elevação da demanda por estes serviços em virtude de elevações do nível de renda, levando à superestimação dos impactos, visto que este não foi desmembrado. No caso da mensuração, muitos estudos utilizam um único indicador (teledensidade25) como proxy do setor de infraestrutura, entretanto, a infraestrutura desdobra-se de forma multidimensional, ocasionando omissões de variáveis importantes no modelo. E, por fim, a heterogeneidade desse setor entre os países, sendo esta, para o autor, a principal adversidade. Diversos estudos utilizam amostras de vários países, tornando-se um problema, por haver limitações na disponibilidade de dados do setor (tanto em quantidade como em qualidade).

No que concerne à importância atribuída à infraestrutura no Brasil, Bielschowsky (2013) é um dos autores mais enfáticos na sua relevância, incluindo-a como um dos três motores para o desenvolvimento brasileiro que retém, como os demais motores, um imenso mercado interno de consumo de massa, que pode ser amplificado com a atenuação da desigualdade de renda e o abundante volume de recursos naturais de que o país dispõe26. Outro ponto fundamental de sua abordagem é que os motores podem ser “turbinados” (potencializados) por inovações tecnológicas e pelo fortalecimento e recuperação de encadeamentos produtivos, os quais vêm sendo fragilizados desde o fim de 1980. Caso os motores e seus turbinados sejam utilizados corretamente, viabilizariam impulsos na demanda agregada e, principalmente, no investimento. O Brasil poderia adentrar, assim, num ciclo virtuoso de desenvolvimento.

As razões para que os investimentos em infraestrutura sejam um motor do desenvolvimento, advêm de sua capacidade de mobilização de uma imensa quantidade de recursos e de emprego e promover externalidades positivas por toda a economia, especialmente na iniciativa privada, acarretando estímulos ao investimento privado. A relevância dos investimentos em infraestrutura desdobra-se muito além de prestações de serviços para a atividade econômica. De fato, os investimentos em infraestrutura demandam serviços e produtos (gerando encadeamentos para trás e para frente) e inovações dos setores ao seu entorno, sendo que essas atividades podem ser sofisticadas ou não. Portanto, são o seu

25 Teledensidade é o número de linhas telefônicas por cada cem habitantes. 26

O autor deixa claro que as exportações não podem ser um motor do desenvolvimento, atuando como um complemento da demanda agregada, visto que grande maioria das empresas formulam suas decisões de investimento com base no mercado interno.

poder de arrasto e penetração nas demais atividades que definem a sua potência como motor do desenvolvimento. Essas definições fazem alusões às concepções de Hirschman (1958), isto é, de seus encadeamentos e à sua função fundamental para superação do subdesenvolvimento.

Essa perspectiva não se limita a Bielschowsky (2013). Há outros autores com diretrizes semelhantes. Em conformidade com Rozas e Sánchez (2004), o setor de infraestrutura impacta diversas dimensões. A expansão dos seus serviços impacta diretamente o PIB por compô-lo, ou seja, a ampliação dos investimentos em infraestrutura promove elevações da demanda, externalidades positivas nas demais atividades econômicas e no patamar de investimento agregado, acelerando o crescimento a longo prazo. Por fomentar e sustentar o investimento privado e a acumulação de capital, os investimentos em infraestrutura se apresentam como um instrumento vital para o desenvolvimento e crescimento dos países, sobretudo nas suas regiões atrasadas. O investimento discricionário em infraestrutura possibilita a atenuação e as disparidades entre as regiões e uma maior integração entre estas, atenuando a heterogeneidade estrutural e ampliando os encadeamentos produtivos e as potencialidades de geração de renda e de emprego (HIRSCHMAN, 1958; ROZAS & SÁNCHEZ, 2004).

Os investimentos em infraestrutura definem e ordenam o território economicamente e socialmente (ROZAS & SÁNCHEZ, 2004). Segundo os autores, as discrepâncias dos patamares de investimento em infraestrutura explanam significantemente as distintas taxas de crescimento entre os espaços regionais. Nota-se que a infraestrutura não se restringe apenas a expandir o produto potencial, pois propaga-se em distintas dimensões. Destarte, como a ampliação do setor de infraestrutura é um elemento chave para o atingimento do crescimento e desenvolvimento econômico27, compreender as características e o seu dinamismo de propagação para a atividade econômica é fundamental.