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Capítulo 3 – A dinâmica dos investimentos em infraestrutura no Brasil

3.2. As privatizações no setor de infraestrutura (1990-2002)

3.2.4. Saneamento

A trajetória dos investimentos em saneamento na década de 1990 se apresentou muito volátil. Após um início completamente pífio, que perdurou até 1994, os investimentos no setor tiveram uma contundente impulsão entre 1995 e 1998, alcançando, em 1998, um patamar elevado, posicionando-se abaixo da década de 1970, mas acima da de 1980. Nos anos subsequentes, tal tendência não se sustentou (1999-2001), embora tenha permanecido em um nível consideravelmente mais elevado que no início da década, mas abaixo dos investimentos nos anos 1980. Essa conjuntura já havia sido prevista anteriormente, teve como motores para esse acontecimento, de acordo com Bielschowsky (2002), os seguintes fatores: (i) restrições ao aumento tarifário; (ii) problemas institucionais; (iii) investimento privado insuficiente; (iv) restrições à oferta de credito ao setor público e reduzida capacidade de alavancagem das empresas estatais e outras organizações públicas prestadoras dos serviços.

O aparato institucional implementado nas reformas no final da década de 1960 foi somente alterado em 1995 com a Lei de Concessões. Todavia, essas mudanças não proporcionaram relevantes modificações na organização setorial, uma vez que as empresas estatais ainda detêm a maior participação nos serviços prestados no setor com as Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs). A iniciativa privada ainda demonstrava

participações embrionárias no cenário nacional78, sendo concentrada sua atuação nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. O impacto previsto pela implementação da Lei de Concessões em 1995 foi superestimado, visto que não ocorreu um relevante aumento das inversões privadas. Tal acontecimento se deve, em parte, pelas indefinições regulatórias e institucionais, acarretando uma elevação da incerteza do setor. Portanto, o processo de privatização no setor de saneamento foi ineficaz. O quadro prévio à sua efetuação não foi alterado, ficando as empresas estatais como responsáveis pelo aumento do investimento no período79, os quais posteriormente, seria desacelerado. Tal fato decorreu de as estatais estarem engessadas, sem capacidade de pagamento e endividamento, não injetando recursos para a efetuação dos investimentos requisitados pelo setor80. Os investimentos calcados nos recursos próprios haviam alcançado seu limite. Por haver a impossibilidade de um incremento da tarifário81 e elevados custos do setor a sua rentabilidade foi reduzida, por conseguinte, sua capacidade de financiamento próprio.

Ademais, o setor não apresentou uma modernização e uma elevação da eficiência de seus serviços que são extremamente benéficos à sociedade em virtude das externalidades positivas que ocasiona. A título de exemplo, a qualidade dos serviços prestados pelas CESBs era considerada insatisfatória em meio a uma demanda crescente e, conforme reiterado, como essas estatais eram os principais ofertantes dos serviços de saneamento, verifica-se uma insatisfação generalizada no setor. Outras críticas referentes ao modelo empregado pelas CESBs eram: a incapacidade da realização de investimentos em patamares satisfatórios; transferência de recursos auferidos de um município para outros; perda da participação no setor após a implementação da Constituição de 1988, o que iniciou um processo de maior autonomia municipal (BIELSCHOWSKY, 2002).

As adversidades enfrentadas no setor no decorrer da década são transmitidas para a evolução da oferta de serviços. Após um crescimento robusto nos anos 1970 e 1980, a década de 1990 é marcada por poucos avanços e alguns retrocessos. O estágio no qual o Brasil se encontrava era de fortes déficits estruturais e um longo caminho a ser percorrido para a

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Enfatiza-se que, das empresas privadas, as estrangeiras são aquelas que possuem uma maior parcela da população atendida, mesmo com um menor número de concessões.

79 As inversões dependiam essencialmente das condições nas quais o setor público se encontrava. Isso se deve a três motivos: a prestação de serviços de saneamento está predominantemente nas empresas públicas; o arcabouço institucional, no qual se situa a prestação de serviços está relacionado com o setor público; logo, os recursos que financiam os investimentos estavam sob a responsabilidade do Estado.

80 Além disso, elementos como a Lei de Responsabilidade Fiscal e outras normas federais atenuam a capacidade de endividamento das empresas públicas e, portanto, sua capacidade de investimento.

81 Conforme Bielschowsky (2002), os aumentos tarifários já haviam ocorrido em demasia na década de 1990, fazendo com que novos reajustes resultassem custos muito elevados aos consumidores.

obtenção da universalização do acesso à água e à coleta e tratamento de esgoto. Um agravante nesse contexto é a concentração dos serviços82 nas regiões mais ricas, retratando a norma das disparidades na história brasileira. Os municípios pequenos são os mais afligidos pelo déficit estrutural, em razão dos elevados custos médios dos serviços e uma capacidade de financiamento via tarifas menor, o que lhes conferem baixa atratividade do capital privado83, acarretando entraves para a concretização de inversões no setor. Essas características, portanto, resultam num vetor de investimento concentrado nas regiões de maior concentração populacional e de renda, dificultando o combate ao déficit estrutural e à alteração desse quadro.

A indefinição do marco regulatório permaneceu durante toda a década e também impactou negativamente o desempenho no setor. Opostamente aos demais serviços de utilidade pública (telecomunicações e energia elétrica), os serviços de saneamento não possuíam, nesse período, um ente federado explicitamente definido para sua prestação. Essa desorganização no setor não lhe permitiu o incremento da iniciativa privada. Em conformidade com Bielschowsky (2002), um marco regulatório que promovesse a delineação clara das responsabilidades e obrigações dos prestadores de serviços, um padrão de qualidade, o estímulo do investimento e o progresso técnico por meio de metas, possibilitariam um melhor desempenho do setor. Além do mais, a ineficácia dos investimentos e serviços eram amplificados devido aos impactos da Constituição de 1988. Pelo fato de o setor de saneamento não possuir um ente federado responsável pela prestação dos seus serviços, sua competência era descentralizada para os níveis subnacionais, recaindo majoritariamente a titularidade dos serviços aos municípios.

O interesse local, dessa forma, subjugava o interesse regional e nacional. Enquanto os municípios detêm a titularidade da competência dos serviços, o processo de urbanização e a formação das regiões metropolitanas, no decorrer das décadas, fez com recursos técnicos e hídricos pudessem ser compartilhados. Consequentemente, as prestadoras regionais ou intermunicipais apresentavam resultados de eficiência melhores, principalmente graças a questões de escala, em comparação com os prestadores de serviços municipais. Conforme Bielschowsky (2002), esse cenário ocasionava uma pulverização da prestação dos serviços e perdas de escala importantes para um setor já marcado por suas extensas deficiências em

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Especialmente nos serviços de coleta e tratamento de esgotos.

83 A iniciativa privada, além de ser incipiente no período, concentrava-se apenas nas regiões com maior poder aquisitivo.

demasiadas frentes. Exemplos disso: baixa produtividade; elevados custos; faturamento decadente; patamar elevado das tarifas. Portanto, uma reforma profunda da organização setorial era requisitada, visando implementar maior eficiência das empresas estatais e incentivar maiores inversões do setor privado para a superação dos entraves no setor.