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1.2. As distintas teorias de crescimento e a centralidade do investimento

1.2.2. A teoria cepalina

O modelo analítico da CEPAL utiliza um método histórico-estrutural, focalizando, dessa forma, as características produtivas, institucionais e sociais, e a inserção no cenário internacional dos países da América Latina e Caribe que, por sua vez, são considerados periféricos em relação ao centro10. Essa perspectiva estruturalista desenvolvida inicialmente por Prebisch (1949) explana que, a adversidade ao crescimento dos países latino americanos fundamenta-se em uma relação desigual entre os países periféricos e os países centrais, visto que, enquanto os países centrais apresentam uma estrutura produtiva diversificada e integrada, com níveis de renda mais elevados e homogêneos, os países periféricos, no caso os da América Latina, demonstram peculiaridades que atenuam o seu potencial. Essas peculiaridades podem ser elencadas da seguinte forma: (i) uma baixa diversidade produtiva e pouquíssimo integrada; (ii) especialização na produção e exportação de produtos primários (commodities); (iii) a coexistência de setores de distintas produtividades, retratando a dualidade vivenciada nesses países, ou seja, a presença de uma intensa heterogeneidade estrutural; (iv) uma estrutura institucional inadequada e fracamente direcionada para a promoção de investimentos e progresso técnico (BIELSCHOWSKY, 2009 e 2010). Dessa forma, antagonicamente aos países centrais que já haviam perpassado por um processo de industrialização, os países periféricos ainda estavam iniciando ou transcorrendo por este.

Tal conjuntura dos países periféricos é retratada por Furtado (1961) por meio de um exercício da seguinte forma. No caso de um processo de crescimento impulsionado no setor externo, como os constatados nas economias periféricas previamente ao processo de industrialização, o fluxo de renda gerado se traduz quase em sua totalidade em lucros. Na hipótese de uma contínua demanda externa, esses lucros serão reinvestidos, promovendo a continuidade do ciclo e a elevação da acumulação de capital. O aumento da demanda por mão-de-obra e a intensificação do processo de crescimento proporcionam uma elevação dos salários reais que, por sua vez, elevam e diversificam a demanda dos consumidores, o que acarreta pressões de preços em certos setores, gerando nos últimos, estímulos para novas inversões. Tais inversões, relacionadas tanto ao setor externo como ao mercado interno,

10 Faz-se fundamental ressaltar que, antagonicamente às demais teorias, na abordagem estruturalista, o subdesenvolvimento não é uma etapa a ser superada para o atingimento do desenvolvimento, mas sim um processo histórico autônomo, a qual as economias desenvolvidas não percorreram necessariamente. Esse processo possui suas próprias características, apresentando-se em diversas formas e distintos estágios, desde o mais simples ao mais complexo. Assim, mesmo que certos países periféricos demonstrem peculiaridades semelhantes no fenômeno do subdesenvolvimento, estes não podem ser enquadrados de maneira generalizada por uma teoria, muito menos podendo ser comparados às trajetórias dos países centrais, visto que cada um retém um processo histórico próprio (FURTADO, 1961).

desdobram-se em elevações de produtividade e em novas pressões a outros setores, proporcionando a sucessão das repercussões anteriores.

Todavia, verifica-se em certas economias subdesenvolvidas que o aumento da renda advinda do setor externo se concentra em pequenos grupos que importam grande parte de seu consumo, o que, por sua vez, atenua fortemente os encadeamentos citados previamente e a intensificação do crescimento. O estímulo do setor externo não se transfigura em fortalecimento do mercado interno e elevações das inversões vinculadas a esse setor. De acordo com Furtado (1961), tal cenário se demonstra mais propício em economias subdesenvolvidas com elevado excedente de mão-de-obra e um estímulo externo débil. Por conseguinte, “A forma como evolui a procura é, portanto, fator fundamental na orientação das novas inversões. ” (FURTADO, 1961, p .91).

No decorrer do processo de desenvolvimento, a elevação do salário real médio ocasiona a alteração da demanda, tornando-a mais diversificada, perpassando de uma procura pautada em alimentos, para uma calcada em bens industriais. Dessa forma, a demanda dos países subdesenvolvidos se apresenta mais diversificada e complexa no decorrer do processo de desenvolvimento. Como o investimento é extremamente baseado na procura futura, as transformações desta última acarretam uma tendência de modificação da estrutura produtiva no transcorrer das fases do desenvolvimento.

Essa diferenciação da procura tende a traduzir-se em idêntica diferenciação na estrutura da produção à medida que a economia alcança níveis superiores de desenvolvimento. Por mais aberta que seja uma economia, existe sempre uma grande quantidade de bens e serviços que não é possível importar. Explica-se, assim, que, mesmo aquelas economias que evolveram no sentido de uma crescente integração no comercio internacional, hajam diversificado progressivamente sua estrutura produtiva. (FURTADO, 1961, p .92).

Destarte, por meio deste exemplo constata-se que, independentemente do padrão de crescimento adotado, a diversificação e sofisticação da estrutura produtiva são fatores necessários para o processo de crescimento dos países periféricos. Constata-se, também, as teses fundamentais que norteiam a teoria estruturalista, como a tendência à deterioração dos termos de intercâmbio, o desequilíbrio estrutural da balança de pagamentos e a baixa propensão a poupar e a investir, resultando na insuficiente acumulação de capital e de progresso técnico, provocado, essencialmente, por um consumo supérfluo da classe dominante. Independentemente de o estímulo inicial ao crescimento ser oriundo do setor interno ou externo, a elevação do salário real ocasionará um aumento das importações de bens manufaturados por causa de uma acentuada elasticidade-renda das importações que os países

periféricos apresentam no decorrer do processo de desenvolvimento, opostamente à demanda mundial por exportações de commodities. É desse cenário que deriva a tendência da deterioração dos termos de troca, conceito amplamente difundido na literatura econômica, que, por sua vez, acarretaria o desequilíbrio estrutural da balança de pagamentos e, também, uma inflação estrutural. Consequências estas que seriam agravadas por uma taxa de inversão inadequada, incapaz de realizar uma transformação da estrutura produtiva nacional e, portanto, de produzir bens industriais, para a atenuação e superação da vulnerabilidade externa que assola os países periféricos (PREBISCH, 1950; NOYOLA-VASQUEZ, 1957; BIELSCHOWSKY, 2010).

Ademais, como retratado previamente, essas economias apresentam elevada heterogeneidade estrutural, isto é, grandes discrepâncias de produtividade entres os setores e departamentos que podem se agravar no decorrer do processo de crescimento (PINTO, 2000), tornando-se possível conciliar um cenário de crescimento do setor industrial e elevação da renda per capita, com uma modificação vagarosa da estrutura ocupacional. Segundo Furtado (1961), nesse estágio a economia apresenta três setores: um exportador; um de subsistência; e um núcleo industrial relacionado ao mercado interno, sendo este núcleo, relativamente diversificado, produzindo certa gama de bens de capitais requisitados pelo crescimento. Esse núcleo apresenta uma estrutura de certa forma semelhante ao dos países avançados, possuindo a capacidade de produzir artigos similares e competir no mercado internacional. A composição setorial do investimento e as suas respectivas escolhas tecnológicas estão calcadas na concentração da renda e da riqueza. Por consequência de tal fato, a parcela moderna da estrutura produtiva na América Latina possui uma intensidade de capital semelhante a dos países desenvolvidos (FURTADO, 1961). Todavia, antagonicamente a estes países, essa tecnologia empregada não acarreta contribuições para o atingimento do pleno emprego, uma vez que a existente dicotomia (heterogeneidade) na estrutura produtiva latino americana é inadequada para o aumento dos salários e a absorção da mão-de-obra abundante. “Este padrão de investimento supõe a manutenção do desemprego, dos baixos salários e da concentração da renda, o que, por sua vez, num círculo vicioso, fortalece a inadequada composição dos investimentos. ” (BIELSCHOWSKY, 2010, p. 186).

A ampliação e diversificação da estrutura produtiva, a qual atinge patamares parecidos ao dos países desenvolvidos, não é capaz de proporcionar a transformação no setor de subsistência que acomoda o maior contingente populacional. Em outras palavras, a taxa de inversão pode ser capaz de promover a elevação da renda per capita, mas é insuficiente para

aumentar a relevância do setor desenvolvido (exportador e industrial). Portanto, em conformidade com Furtado (1961, p.174), “o grau de subdesenvolvimento está dado pela importância relativa do departamento atrasado, e a taxa de crescimento é função do aumento da importância relativa do departamento desenvolvido”, o que perpetua a persistência do subemprego e uma distribuição de renda desigual nas economias periféricas no longo prazo 11.

Em outros termos, o crescimento desses setores modernos não proporcionaria transbordamentos aos demais setores. A dificuldade de absorção da oferta abundante de mão- de-obra, mesmo com um crescimento sustentado, acarreta a estagnação e perpetuação de uma heterogeneidade estrutural, visto que o crescimento dos setores modernos não ocasionaria a elevação e a convergência da produtividade entre os diversos segmentos produtivos. Isso posto, torna-se possível a coexistência de um crescimento duradouro concomitante a: manutenção do desemprego e do subemprego; heterogeneidade estrutural; concentração de renda e de riqueza; e a injustiça social (FURTADO, 1961).

Pode-se notar, então, que o principal problema exposto é o volume e a composição do investimento, fazendo-se necessário elencar os desdobramentos negativos dessa conjuntura, tanto no lado da demanda como no lado da oferta, em virtude de estes estarem correlacionados. Caso o investimento não se apresente em patamares e composições adequadas, especialmente nas últimas etapas do subdesenvolvimento em razão da maior diversificação da procura, a estrutura produtiva será insuficientemente diversificada e integrada para comportar a demanda e os estímulos provindos desta. Ademais, a estrutura produtiva vigente é determinada pela demanda efetiva passada, isto é, pelo investimento passado. Portanto, caso a geração da renda advinda das decisões de demanda não se converta em estímulos ao investimento, como o caso das importações de bens supérfluos dos capitalistas, os multiplicadores de renda e de emprego serão atenuados, não possibilitando a superação da heterogeneidade estrutural vigente, ou seja, do estágio de subdesenvolvimento.

Destarte, verifica-se que analisar como o lucro é empregado, isto é, o excedente de produção, torna-se vital para o processo de desenvolvimento. Na teoria estruturalista o princípio do excedente desempenha função relevante, visto que interfere no processo de

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De acordo com Bielschowsky (2010) esta é uma das três contribuições de Furtado para a teoria estruturalista. As suas três contribuições podem ser resumidas em: (i) o método histórico-estrutural; (ii) a interpretação de uma tendência de perpetuação do subdesenvolvimento na periferia latino-americana, em virtude das adversidades ocasionadas da inexistência de uma estrutura produtiva diversificada e do subemprego; (iii) a importância da composição da demanda para a determinação do investimento na periferia, que, por sua vez, inclina-se a preservar a concentração de renda e de riqueza.

acumulação. Esse termo é empregado em seu sentido clássico, significando apenas, em conformidade com Furtado (1961, p.106), “a diferença entre o produto bruto e as necessidades de vida de todos aqueles ligados à produção”. Dessa forma, a poupança gerada era um desdobramento do excedente de produção12, sendo considerado apenas um resíduo, bem como no PDE13.

A dinâmica do excedente de produção possui singular relevância para a atividade econômica, podendo ser detalhado em três etapas: da produção, com a criação do excedente; da distribuição, por meio da apropriação desse excedente por um grupo minoritário; da acumulação, com a inversão de parcela do excedente obtido na capacidade produtiva e, portanto, promovendo a elevação da produtividade. Essas três fases estão extremamente conectadas, sendo que em uma perspectiva temporal, a terceira fase se reencontra com a primeira. A elevação da produtividade, resultante dos investimentos realizados, possibilita a formalização de novos excedentes que permitem a continuidade desse ciclo.

Para Furtado (1961), os dois fatores vitais desse processo são a apropriação do excedente por um grupo minoritário e o incremento da produtividade, os quais possibilitam o crescimento. No caso desse excedente não se configurar em elevações das inversões e, consequentemente, da produtividade (ou se essa produtividade for distribuída para a população como um todo), o excedente gerado se transformaria em aumentos ocasionais ou permanentes do consumo. A economia apenas se deslocaria de uma posição estacionária para outra, não se estabelecendo um processo de crescimento. A dinâmica de acumulação que é gerada pelo excedente de produção, a qual é apropriado por um grupo minoritário, torna-se fundamental apenas quando transformado em capacidade produtiva.

Todavia, a necessidade de novas inversões em setores ainda inexplorados graças ao aumento da diversificação da demanda, no decorrer das fases do subdesenvolvimento, apresenta-se como uma adversidade a esse processo, sendo que a inexistente experiência empresarial em tais setores faz com que este entrave se acentue, visto que os novos investimentos possuem a tendência de se concentrar nos setores já existentes. O próprio

12 Previamente ao produto social ser categorizado em termos de custos de fatores e, por conseguinte, a poupança, o fruto de um ato de abstinência.

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Autores como Garegnani (1992) e Serrano e Medeiros (2004) propõem a conciliação do Princípio da Demanda Efetiva e do Princípio do Excedente, uma vez que estes se demonstram compatíveis e com a capacidade de fornecer uma teoria mais satisfatória que a teoria ortodoxa para a explanação da realidade.

sistema capitalista, por meio de mecanismos de mercado não é capaz de fornecer uma perspectiva segura da rentabilidade esperada, retratando uma incerteza intrínseca do sistema14.

Portanto, faz-se necessário orientação das inversões para a elevação da taxa de investimento. Caso a mesma não ocorra, provavelmente serão criados desequilíbrios internos entre a composição da demanda e a estrutura produtiva, acarretando déficits estruturais na balança de pagamentos e/ou o início de processos inflacionários. Para a superação desses problemas, é fundamental a reorientação dos investimentos para a ampliação da capacidade produtiva, reduzindo o coeficiente importado e o vazamento da demanda e, por conseguinte, atenuando as pressões, tanto no setor externo como no setor interno. Destarte, não se trata apenas de elevar o patamar de inversões, estas precisam, também, proporcionar as modificações estruturais requeridas pelo desenvolvimento. Recai ao Estado, por conseguinte, o papel de orientar inicialmente essas inversões, tendo em vistas as adversidades encontradas nos últimos estágios do subdesenvolvimento.