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O auge e o declínio dos investimentos em infraestrutura no Brasil (1950-1989)

Capítulo 3 – A dinâmica dos investimentos em infraestrutura no Brasil

3.1. O auge e o declínio dos investimentos em infraestrutura no Brasil (1950-1989)

Com o processo de industrialização a pleno vapor no decorrer de 1950, a concretização de obras de infraestrutura se tornava um requisito básico para enfrentar-se os estrangulamentos estruturais do país. De fato, de acordo com Ferreira e Malliagros (1999), isso pode ser visualizado através do Plano de Metas que deteve volumosos montantes de recursos destinados para as áreas de energia e transporte (71,3%). Um importante pretexto para a elevada participação desses nos investimentos era: um significativo controle das tarifas nos serviços de utilidade pública e um alto risco de investimento. Esse contexto acarretava um desencorajamento ao investimento privado, recaindo-se, assim, um papel cada vez maior para o setor público como provedor de capital fixo social (infraestrutura) na tentativa de se atenuar as deficiências existentes na sociedade. Anteriormente a década de 1950, as empresas que compunham o setor de infraestrutura eram majoritariamente privadas66. No que diz respeito às fontes de financiamento dos investimentos em infraestrutura, durante o Plano de Metas, além da grande importância do BNDE, a SUMOC 113 e o financiamento inflacionário tinham elevada relevância no processo de financiamento.

As instabilidades políticas nos anos 1960 levaram a quedas no investimento e das suas fontes de financiamento no início da década. Todavia, essa tendên cia seria modificada com a implementação das reformas estruturais pelo PAEG. O aparato institucional construído nas reformas pós-64 fundamentou as bases do setor produtivo estatal, no qual os setores de infraestrutura detinham relevante importância. A criação de fundos e destinação de receitas, bem como o uso do BNDE para o financiamento das estatais, permitiram a efetuação do elevado montante de investimentos (LOPREATO, 2013). Ademais, a elevação das tarifas

públicas, que estavam defasadas, possibilitou que as empresas estatais pudessem recorrer ao financiamento próprio. Tal prática se demonstrou duradoura até 197567.

A criação de empresas estatais como a Rede de Ferrovias Federais (RFFSA) em 1957, Eletrobrás em 1962 e Telebrás em 1972 permitiu uma maior capacidade de atuação do Estado no sistema produtivo. Tanto a Eletrobrás como a Telebrás possuíam a diretriz de captar recursos financeiros para a expansão do setor e, ainda, planejar e coordenar os seus respectivos segmentos. Em ambos os setores se observou a ascensão da participação estatal, dada a baixa qualidade dos serviços e do volume de investimento realizado pelas empresas privadas. Dessa forma, no final da década de 1960 e no decorrer de 1970, o governo apresentou um nível de investimento elevado, principalmente no setor de infraestrutura. Os investimentos na atividade resultaram encadeamentos para a economia, fomentando o desenvolvimento do setor de bens de capital e transformação. Essa conjuntura é retratada pela expansão da FBCF em relação ao PIB e do elevado dinamismo da economia brasileira, que vivenciou um período único em sua história, o denominado Milagre Econômico (FERREIRA & MALLIAGROS, 1999)

Tabela 3: Investimentos em infraestrutura por segmento nos anos selecionados (em % do PIB)

Setores 1971-1980 1981-1989 Energia elétrica 2,13 1,47 Telecomunicações 0,80 0,43 Transportes 2,03 1,48 Saneamento 0,46 0,24 Total 5,42 3,62 Fonte: Bielschowsky (2002)

Por meio do II PND o Brasil tentou prosseguir em uma trajetória de elevado patamar de investimentos e crescimento econômico. O programa visava intensificar os investimentos, como os em infraestrutura, sendo que especialmente os setores de energia e de transporte (Tabela 3). Tanto que no decorrer da década de 70, criaram-se grandes hidroelétricas como Itaipu, Tucuruí e Ilha Solteira sob a direção da Eletrobrás, conservando um forte encadeamento com o setor de Construção Civil, o que impulsionou um grande crescimento (FERREIRA & MALLIAGROS, 1999). Para o caso do setor de telecomunicações, entre

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Conforme Ferreira e Malliagros (1999, p. 7), “De 1965 a 1975, essa participação oscilou de 40 a 60% do total de recursos. Em 1973-74, o grau de autofinanciamento dessas empresas era de aproximadamente de 45%. Em 1975 situa-se em 39 %”.

1973-1977, a Telebrás realizou volumosos investimentos no setor com o propósito de comprar empresas ineficientes e melhorar a qualidade do sistema. No período subsequente, 1977-1982, a qualidade do serviço prestado continuou a demonstrar melhoras, mesmo com investimentos menores que no período anterior.

No que se refere ao setor de saneamento, de acordo com Bielschowsky (2002), a década de 1970 representa o momento histórico de maior volume de investimentos e expansão dos serviços do setor (abastecimento de água e esgoto sanitário). Por sua vez, no caso do setor de transporte, embora essa matriz brasileira sempre fosse altamente concentrada no modal rodoviário, a escolha realizada por Kubitschek acentuou ainda mais essa participação. Uma demonstração desse fato é o percentual de carga total transportada por esse meio: 49,6%, já em 1950. Essa participação se elevaria mais ainda, tendo o ápice no ano de 1970, com cerca de 69,8% da carga. Apenas a partir de 1975 outros modais apresentariam uma certa evolução nesse quesito68 (FERREIRA & MALLIAGROS, 1999). Em outros termos, os elevados investimentos no setor de transporte nas décadas de 1960 e, principalmente de 1970, concentram-se no modal rodoviário, o que gerava índices negativos nos demais modais, como no ferroviário e no hidroviário. As tarifas defasadas no setor ferroviário impactavam negativamente os investimentos nesse modal, fazendo com que essa tendência de substituição perdurasse até 1973. Essa alteração ocorre com a elevação das cargas transportadas pelas ferrovias, principalmente por causa da exportação de commodities (minério de ferro, primeiramente). A Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) e a ferrovia de Carajás são grandes exemplos dessa situação. O setor hidroviário vivenciou situação semelhante ao elevar sua participação na carga transportada na década de 1980, graças ao impulso exportador.

É interessante notar que a elevação da importância dos demais modais decorre das elevadíssimas adversidades que o país enfrentou no decorrer da década de 1980. Essa década simbolizou o fim da fase áurea do período desenvolvimentista brasileiro e, consequentemente, da expansão dos serviços de infraestrutura. Os choques do petróleo, concomitantes a certos fatores internos da economia brasileira (composição da dívida, privada e pública), deram fim ao ciclo de investimentos elevados. Esse período pode ser caracterizado por um agravamento do processo inflacionário, do endividamento público e a interrupção dos fluxos de capitais com a moratória do México em 1982. Toda essa conjuntura provocou abruptos cortes de investimento público, especialmente no setor de infraestrutura. Na década de 1980 o nível de

68 Essa trajetória permanece nas décadas subsequentes, fazendo com que a parcela do setor rodoviário caísse para 56,1% em 1994.

investimento apresentou quedas acentuadas, principalmente devido ao elevado endividamento público, congelamento das tarifas públicas e os fracassos dos planos de estabilização. Isso é evidenciado por Ferreira e Malliagros (1999, p. 6):

A partir da segunda metade da década de 80 sucessivos planos foram elaborados para tentar controlar a inflação (plano Cruzado, Cruzado II, Bresser, etc) sem qualquer êxito. A falta de sucesso no combate à inflação juntamente com a estagnação prolongada, as incertezas quanto às negociações externas, o agravamento do desequilíbrio fiscal e as indefinições da política industrial criaram um clima pouco propício à retomada do investimento. Os investimentos públicos foram drasticamente cortados e o congelamento de preços tornava difícil a geração interna de fundos para financiamento de despesas de investimento.

Tal trajetória foi acentuada com a Constituição de 1988, posto que tributos vinculados a infraestrutura foram extintos, ocasionando maiores entraves para as inversões requeridas pelo setor69. Destarte, com a perda da capacidade de o Estado atuar como agente fomentador e empreendedor, e o desmantelamento do aparato institucional implementado anteriormente, observou-se tanto uma deterioração da capacidade instalada no país, como uma queda da qualidade dos serviços prestados durante o início da década de 1990. Para reverter esse cenário o governo implementou um amplo pacote de privatizações (FERREIRA & MALLIAGROS, 1999).