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Capítulo 3 – A dinâmica dos investimentos em infraestrutura no Brasil

3.2. As privatizações no setor de infraestrutura (1990-2002)

3.2.3. Transporte

Os investimentos no setor de transporte iniciaram os anos de 1990 em uma trajetória de queda até meados da década, apresentando ligeira elevação no final, com as privatizações e as concessões no setor. Contudo, esses investimentos se encontravam a um patamar muito abaixo aos da década de 1970 e 1980 (BIELSCHOWSKY, 2002). A escassez de investimentos no setor, por sua vez, impactou negativamente a qualidade dos serviços de transporte e a competitividade brasileira no mercado internacional, uma vez que a falta de uma provisão adequada desses serviços eleva os custos da cadeia produtiva. Essa deficiência nos serviços de logística se apresentavam em todos os modais.

Sobre as privatizações e concessões no setor, a implementação da Lei de Concessões em 1995 estabeleceu um marco legal neste processo. No que concerne ao setor ferroviário75, esse processo originou-se do Programa Nacional de Desestatização, com o início das licitações e a divisão da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) em sete malhas regionais. A desestatização das principais malhas ferroviárias ocorreu entre 1996 e 1997, sendo estas, licitadas separadamente. Por sua vez, as privatizações no modal rodoviário passaram a transcorrer em 1993, ou seja, previamente à Lei de Concessões. Já a privatização no setor portuário instaurou-se de forma paulatina, a partir de 1995, apresentando como núcleo um amplo processo de modernização, desestatização e descentralização das operações (BIELSCHOWSKY, 2002).

A implementação da Lei de Modernização dos Portos em 1993, em conjunto com outros instrumentos legais, permitiu a elevação da entrada do capital privado e da inversão no setor e auxiliou no processo de modernização portuária. No que se refere às características desses novos investimentos, estes priorizam a modernização da capacidade já instalada. O país já dispõe, na sua extensão marítima, de uma relevante gama de instalações, mas era necessário incrementar os equipamentos, para um desempenho operacional mais eficiente. Registra-se que a fundamental adversidade no sistema portuária, a qual as privatizações procuraram combater, refere-se à sua gestão e operação. A gestão ineficiente acarretou graves distorções76, como, por exemplo, uma política tarifária complexa que proporcionava entraves ao financiamento do setor.

Ressalta-se, no entanto, que essa ampliação dos investimentos advém de uma crescente expansão da contratação de serviços dos próprios agentes privados. Verificava-se uma situação semelhante com as privatizações no modal ferroviário. As empresas privadas, que anteriormente eram contratantes dos serviços portuários e ferroviários, internalizaram esses custos à sua cadeia produtiva. O grande problema dessa tendência é um atendimento estritamente direcionado a apenas alguns segmentos produtivos (como minério de ferro, por exemplo), ocasionando detrimento dos serviços prestados às demais atividades econômicas (BIELSCHOWSKY, 2002).

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Os investimentos no setor ferroviário entre 1980-1984,1985-1989 e 1990-1994 foram de 0,25%, 012% e 0,3% do PIB, respectivamente. Por sua vez, os investimentos portuários nesses mesmos períodos foram de 0,7%, 0,5 e 0,2% do PIB.

76 Esse cenário se intensificou com crise fiscal em 1980 e, desse modo, com investimentos aquém dos necessários, as deficiências de integração intermodal se elevaram, bem como no sistema operacional portuário. Consequentemente, a eficiência portuária se deteriorou; tal fato é constatado por meio de comparações internacionais do custo da movimentação de um container.

Outro agravante do modal ferroviário são seus extensos problemas estruturais. Mesmo com o processo de privatização concluído em 1997 e dos progressos moderados dos investimentos de 1997 a 2001, que se configuraram em investimentos na otimização e na restauração de equipamento e material rodante, a competividade do setor decaiu. Esses investimentos pontuais procuravam maximizar a rentabilidade e a produtividade do serviço e atenuar seus custos. Em outros termos, tais investimentos se destinaram a cumprir os interesses das empresas privadas, que internalizaram seus serviços. Um projeto de maior integração nacional não fez parte das diretrizes das privatizações. Dessa forma, o possível esgotamento dos investimentos no setor para o período subsequente, conforme conjecturado por Bielschowsky (2002), concretizou-se. A existência de um estoque físico de capital obsoleto, e uma integração intermodal inexistente elevaram os custos logísticos77. “Isso torna intrinsicamente limitado o investimento ferroviário em curso, especialmente quando se considera que o país corresponde a um continente em parte ainda inexplorado.” (BIELSCHOWSKY, 2002, p.115). Tal conjuntura do modal ferroviário ao longo das décadas (Plano de Metas) o relegou a um papel completamente secundário na matriz de transportes brasileira, de custos elevados e baixa eficiência de seus serviços.

Para o caso das rodovias, as privatizações e um maior volume de recursos das esferas governamentais são os principais fatores para o crescimento razoável dos investimentos em meados da década de 1990. Todavia, esses investimentos ficaram aquém do requisitado. Embora as privatizações tenham expandido os investimentos, seus impactos são limitados no modal rodoviário, uma vez que apenas uma pequena parcela dos trechos possui a atratividade necessária para a iniciativa privada. A grande maioria dos trechos mais atrativos já havia sido privatizada nesse período, o que reduziu ainda mais a possibilidade da expansão do capital privado (MONTES e REIS, 2011). A existência de fortes incertezas e de riscos que permeiam a atividade, uma rentabilidade baixa, e a presença de um trade-off entre a maximização da exigência de investimento nos leilões/processos licitatórios e a maximização da receita fiscal, proveniente das privatizações/concessões, fez com que os investimentos privados sejam desestimulados. Ademais, verificava-se alguns entraves no marco regulatório, sobretudo na questão das parcerias público-privada, que proporcionam desdobramentos negativos sobre as

77 Verificam-se diversos atenuantes para o bom desempenho do setor ferroviário, como no caso da RFFSA, o qual não permite locomoção a velocidades satisfatórias, devido a curvas agudas e rampas de alta inclinação. No caso da Fepasa, houve entraves para a movimentação de cargas pesadas por causa dos trilhos leves, impossibilitando um transporte eficiente.

metas a serem cumpridas, a qualidade do serviço e a fiscalização do sistema (BIELSCHOWSKY, 2002).

Portanto, a participação privada se deu em níveis distintos perante os modais, visto que sua relevância é diferente de um para o outro. Para as rodovias, sua participação é limitada, não existindo muitos caminhos para sua atuação. No caso das ferrovias, mesmo com um aporte inicial do capital privado para a expansão do setor, tal conjuntura foi modificada, recaindo novamente no setor público, pelo financiamento direto ou por investidores “institucionais” (fundo de pensões estatais). Quanto ao sistema portuário, as parcerias público-privadas eram promissoras, ocasionando uma elevação da eficiência operacional com os investimentos pontuais de modernização no setor. No que concerne à efetivação de órgãos e mecanismos de regulação e fiscalização das concessões, verifica-se que sua realização no processo das reformas foi deficiente, não se comparando as práticas realizadas no setor de telecomunicações.