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Aspectos político-institucionais que circundam os investimentos em infraestrutura

1.4. As características do setor de infraestrutura e de seus investimentos

1.4.2. Aspectos político-institucionais que circundam os investimentos em infraestrutura

Ao observarmos o patamar de inversões em infraestrutura verificamos que os aspectos institucionais exercem uma função central, não se restringindo ao seu financiamento e retornos adequados à atividade. Por exemplo: no período recente, a retomada dos investimentos em infraestrutura, por meio do PAC, foi marcada por atrasos, encarecimento de obras e, sobretudo, apresentando um significativo descompasso entre o comprometimento de recursos disponibilizados e a sua efetiva concretização. Essa situação demonstra que as adversidades presentes no processo de inversão não se resumem apenas à falta de financiamento e atratividade do setor de infraestrutura, mas também à de governança (GOMIDE & PEREIRA, 2018).

Coordenação e planejamento inadequados, que refletem a incapacidade técnica e gerencial por parte do Estado, são os fatores designados para o acontecimento desses problemas. Em conformidade com o Raiser et al. (2017), a incapacidade estatal para a efetuação do planejamento, seleção e orçamentação de projetos é o fator vital para a ineficiência dos gastos em infraestrutura. Gomide (2015) explana que a complexidade do

41 Nesse estudo os autores constatam uma relação robusta e negativa tanto do volume quanto da qualidade dos serviços de infraestrutura com a concentração de renda.

ambiente político e institucional brasileiro é o elemento preponderante neste cenário. As adversidades que permeiam esse sistema, caracterizado por um presidencialismo de coalizão, pela multiplicidade de controle sobre a administração pública, pela necessidade de coordenação federativa e pela institucionalização da participação da sociedade civil no processo decisório, acarretam diversos entraves ao setor de infraestrutura. Nesse sentido, nota-se que questões políticas e administrativas impactam diretamente os investimentos em infraestrutura, não se limitando aos aspectos fiscais. Ademais, como existem diversos atores atuantes no processo de coordenação, planejamento e efetuação de grandes projetos, sendo esses, dentro e fora do âmbito governamental, inseridos em contextos específicos e portando interesses distintos (sendo em alguns casos conflituosos), a complexidade desse sistema se intensifica (GOMIDE & PEREIRA, 2018, p. 14).

Portanto, como a governança representa um aspecto básico no processo de inversão em infraestrutura, torna-se fundamental compreender os aspectos de governança, isto é, de como esses atores interagem com sua dinâmica inserida nessa complexidade institucional. De acordo com Gomide e Pereira (2018, p.14), “define-se governança como o conjunto de atores estatais e não estatais interconectados por ligações formais e informais operando no processo de fazer políticas públicas e inseridos em cenários institucionais específicos”. Assim, partir da Constituição Federal de 1988 e de seus desdobramentos no processo decisório e de concretização das políticas públicas é essencial.

Indubitavelmente, a Constituição Federal de 1988 é um marco histórico na política brasileira, estendendo diversos direitos para os indivíduos, particularmente as minorias e, também, instaurando um sistema de governo presidencialista multipartidária. Entretanto, ampliou a complexidade da execução de políticas públicas no país. Os desdobramentos da Constituição de 1988, então, podem ser elencados da seguinte forma, conforme Gomide e Pereira (2018):

 A necessidade de uma construção de governabilidade por parte do Presidente da República, devido à relação entre os poderes Executivos e Legislativo, gera a distribuição de ministérios e cargos de comando pela lógica de coalizão partidária;

O fortalecimento e implementação de um sistema de accountability horizontal do Estado, por meio de instituições de fiscalização e controle (Tribunal de Contas da União Ministério Público), acarretaram restrições à ação do Poder Executivo;

 A implementação de um sistema federativo que reparte a competência entre os entes federativos, atribuindo uma maior autonomia política e administrativa aos municípios

e estados elevou a complexidade do setor, requerendo agora, uma maior coordenação intergovernamental;

 A inclusão de novos atores no processo decisório em virtude da institucionalização dos espaços de participação social nas economias públicas.

Perceba-se que os desdobramentos desse novo esquema político-institucional são diversos, impactando inúmeros segmentos. A título de exemplo, a ampliação e fragmentação do aparelho administrativo do Estado dificulta a sua coordenação e, como o sistema vigente é regido por um presidencialismo de coalizão, constata-se a nomeação política para cargos que requerem uma qualificação técnica, simbolizando o “dilema dos políticos” que intensificam os entraves de coordenação. Outro desdobramento é um possível viés de seleção de entrada de projetos, derivado da dinâmica entre políticos e empresas por meio do instrumento de financiamento de campanhas eleitorais, levando a trocas de favores entre eles. Os conflitos de interesses dos agentes produzem efeitos negativos sobre as inversões em infraestrutura. Tal fato decorre dos desdobramentos econômicos, sociais e políticos desse setor, especialmente por possuírem uma dotação de recursos limitados a ser distribuída, acirrando o enfrentamento de distintos interesses e dificultando a racionalização do processo decisório.

Por sua vez, o fortalecimento do sistema de accountability horizontal acarretou a ascensão das interferências dos processos decisórios, elevando a aversão ao risco dos gestores públicos. Essa interferência resulta diversas paralisações dos processos decisórios e dos empreendimentos, elevando os atrasos, custos e incertezas sobre as operações, que vão acumulando-se no decorrer do processo, amplificando as adversidades da implementação desses investimentos42. Isso se deve, em parte, à ausência de canais de participação e interação entre os agentes, ou seja, a reduzida transparência e participação da sociedade civil no processo decisório produz um cenário de intensas judicialização como efeito compensatório43.

No que concerne à interação entre os entes federativos e o volume de recursos alocados para efetuação de investimentos, embora os estados e municípios recebam cerca de 62% dos recursos no caso do PAC, estes foram pouco envolvidos nos processos decisórios das grandes obras. Os municípios tornaram-se meros repositórios de investimento, o que

42 Todavia, essas intervenções podem resultar em benefícios para a sociedade, atenuando em alguns casos os impactos negativos de obras com planejamento e execução inapropriadas.

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Nesse sentido, o Judiciário torna-se o espaço para apresentação e soluções de conflitos. Por exemplo, problemas sociais e ambientais entram no escopo da intervenção, uma vez que não são debatidas de forma ampla pela sociedade (GOMIDE & PEREIRA, 2018).

ocasionou projetos territorialmente “cegos” (GOMIDE & PEREIRA, 2018). O envolvimento dos estados e municípios ocorreu de maneira reativa, visto que os problemas são solucionados apenas no decorrer da implementação dos empreendimentos. Consequentemente, a necessidade de refinamento dos mecanismos de coordenação interfederativos é irrefutável, sendo uma medida imprescindível para atenuação de problemas durante todo o ciclo de vida do projeto, incorporando as peculiaridades locais no processo de seleção e planejamento. Entretanto, a existência de assimetrias de capacidade técnica entre os municípios proporciona dificuldades para a elaboração e execução de projetos. As regiões desfavorecidas e a incapacidade administrativa acabam impactando negativamente a realização de empreendimentos de infraestrutura (LOTTA & FAVARETO, 2016; GOMIDE & PEREIRA, 2018).

De acordo com Gomide et al. (2016), planejamento e seleção satisfatórios são os principais elementos para o sucesso da efetuação dos projetos de infraestrutura. A realização de um embasamento prévio e adequado sobre os possíveis desdobramentos das obras gera implementações mais efetiva destas, por reduzir a incidência de atrasos e de aumentos de custos; antagonicamente a estudos menos detalhados, com elevações de custos, atrasos e problemas ambientais44. Conforme Gomide e Pereira (2018), a efetuação de certas ações durante o planejamento e seleção dos projetos mitigam a ocorrência de eventos inesperados no decorrer de sua concretização, permitindo que, na maioria das ocasiões, o melhor projeto seja o escolhido. Essas ações são elencadas pelos autores da seguinte forma:

i) a elaboração de estudos formais de viabilidade que irão embasar a decisão final sobre o início das obras; ii) a comparação de possíveis projetos antes da escolha de um empreendimento específico; iii) a elaboração de projetos básicos de engenharia; iv) o mapeamento de riscos ambientais e sociais; v) a identificação de pontos necessários para desapropriação; e vi) o reconhecimento dos stakeholders – ou público estratégico. (GOMIDE & PEREIRA, 2018, p.20).

Assim, uma das soluções às ineficiências do setor público na execução e elaboração dos projetos de infraestrutura é a elevação da participação da iniciativa privada na governança do setor por meio de PPPs, o que reduziria custos e o tempo de realização dos empreendimentos. Essa foi a solução escolhida, no decorrer da década de 1990, com significante elevação da participação do setor privado na atividade e em seus investimentos com os projetos de privatização. Esse movimento de ampliação do setor privado, foi um

44 Consoante o autor, a Transnordestina é um exemplo desse problema. Ressalta-se, entretanto, que tais problemas não se delimitam ao caso brasileiro, sendo um fenômeno de escala mundial.

fenômeno mundial no decorrer das décadas de 1980 e 1990, não se delimitando ao Brasil, e nem ao setor de infraestrutura.

Apesar disso, essas modificações na dinâmica setorial não retiraram a importância do setor público no desenvolvimento do setor, posto que, sem sua participação no financiamento, regulação e coordenação dos agentes nos projetos, o investimento privado não se concretiza. Os resultados das PPPs, em termos nacionais e internacionais, não cumpriram as expectativas esperadas, tanto na questão do tempo, como dos custos (CRUZ & CRUZ, 2017). A inabilidade dos governos de coordenar, monitorar e fazer virar os contratos complexos estabelecidos é um dos motivos capitais. Assim, esses elementos são transladados em elevados custos de transação entre os agentes privados e públicos, sendo recorrentemente subestimados nos arranjos de governança das PPPs. Portanto, caso esses custos não sejam adequadamente gerenciados, eventuais economias advindas entre essa relação podem ser subjugadas, tornando-a impraticável. Isso posto, mesmo que o setor privado absorva a responsabilidade de apresentar e orientar os projetos, seja nas concessões e/ou PPPs, ainda seria necessário o aval do Estado, não sendo possível separar os entraves que permeiam o seu planejamento, posto que é ele quem avalia e verifica se tais projetos estão alinhados com suas diretrizes (CRUZ & CRUZ, 2017; GOMIDE & PEREIRA, 2018).

Desse modo, indiferentemente do caminho selecionado, seja liderado pelo investimento privado ou público, faz-se necessária a interação de ambos os agentes, especialmente em cenários liderados pelo setor privado, visto que seus investimentos não se concretizam sem a participação do Estado. Uma relação benéfica entre ambas as partes é o caminho mais viável por causa da importância de ambos e de suas aptidões de complementaridade, ampliando as capacidades de planejamento, seleção de projetos e coordenação no setor (GOMIDE & PEREIRA, 2018).