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INTERSECÇÕES ENTRE A ESCOLA E A FAMÍLIA

3.4 P OSSÍVEIS CAMINHOS PARA O ESTUDO DA RELAÇÃO F AMÍLIA E SCOLA

3.4.1 A V ISÃO DA E SCOLA SOBRE A R ELAÇÃO F AMÍLIA E SCOLA

Uma das possibilidades bastante utilizadas para se estudar o tema da relação família-escola tem sido conhecer as concepções de professores a respeito das famílias de seus alunos. Nesse sentido, Tancredi e Reali (2001) realizaram uma pesquisa com professores da Educação Infantil, em uma escola do interior paulista, que parece refletir a realidade de muitas outras escolas brasileiras. A partir da análise de entrevistas feitas com os professores, as autoras apontam que sua visão sugere um desconhecimento das características das famílias atendidas, ou uma imagem estereotipada das mesmas, uma vez que as descrições feitas estão carregadas de conotações negativas e preconceituosas.

De acordo com a pesquisa das autoras, na visão de alguns professores a família é aquela que acompanha e sustenta o ser humano em todos os seus projetos, dentro ou fora da sala de aula. O modelo de família que se configura é uma família idealizada, que oferece suporte, aconchego e que tem funções diferentes para cada fase da vida (Oliveira, 2002).

A comunicação entre escola e família passa pela intermediação da criança, sendo esta comunicação aparentemente de mão única, por haver pouco espaço institucional para a

manifestação das famílias. A partir de pesquisa realizada junto a professores, Oliveira (2002) percebe que a ação das famílias é limitada e determinada de acordo com os interesses da escola. A esse respeito a autora diz que

num primeiro momento, defende-se uma participação ampla dos pais na escola, mas o que se verifica é uma participação que tem a ver com o fato de conhecer o trabalho da escola. Se, em alguma instância, se cogita uma participação pedagógica, esta só pode acontecer por parte de pais especializados, que tenham uma formação pedagógica, ou mediante um canal demarcado institucionalmente, que é via coordenador. (Oliveira, 2002, p. 105).

Quanto ao tipo de interação estabelecido entre professores e famílias, Tancredi e Reali (2001) apontam que, “além de dar uma falsa aparência de intimidade, dá ao professor o controle do ‘diálogo’ mantido” (p. 12), já que as famílias são recebidas nos portões da escola ou na porta da sala de aula, a partir da reinvidicação das próprias famílias, e pouco tempo é dedicado a esta interação. Posto desta forma “a situação sugere que a escola não vai até os pais, estes são, por concessão, recebidos pela escola” (p. 12), o que traz, como provável reflexo, imagens nem sempre fiéis à realidade.

Outro reflexo decorrente deste padrão de interação e da falta de abertura para uma aproximação verdadeira é o fato de que as famílias podem ficar com a impressão de que suas opiniões e seus conhecimentos são indesejados e não valorizados, favorecendo seu afastamento das escolas. A esse respeito Reali e Tancredi (2002) apontam que

contrapondo as informações obtidas através de professores com as oferecidas pelas famílias é possível constatar que a escola desconhece as características reais das famílias dos alunos, o que pode dificultar que interações mais favoráveis à participação dos pais na escola possam ocorrer. (p. 82).

As famílias não são vistas pelos professores como parceiras que têm objetivos comuns, apesar de estas se mostrarem conscientes do importante papel da escolarização na vida dos filhos, e de estarem dispostas a contribuir com a escola. Segundo os relatos de Reali e Tancredi (2002) houve, inclusive, manifestação de surpresa por parte dos professores ao saberem que os pais desejavam participar ativamente do planejamento da escola e que tinham interesse em se envolver em diferentes atividades na escola. As autoras concluem, então, que apesar do fato de que a integração desejável deva ser de mão dupla,

a iniciativa da interação deveria partir mesmo da escola, dada a sua especificidade como agência educativa e deveria contemplar não apenas problemas escolares mas abranger o modo de ser e de viver da própria criança, sem, entretanto, impor padrões de pensamento, comportamento, cultura. (Tancredi & Reali, 2001, p. 14). Entretanto, envolver a família na educação escolar pode representar uma ameaça para alguns professores por sentirem-se destituídos de sua competência e de seu papel de ensinar (Tancredi & Reali, 2001). Por outro lado, as autoras apontam acertadamente que “a presença e participação dos pais na escola não pode e não deve siginificar uma desresponsabilização dos professores para com a aprendizagem dos alunos e do governo com o financiamento da educação” (p. 4).

Ainda hoje, entre as dificuldades encontradas no estabelecimento de relações harmoniosas, pode-se citar a forma que a escola adota, geralmente, para estabelecer contato com as famílias, a qual é unidirecional (parte da escola para a família) e motivada por situações de baixo rendimento escolar e de mal comportamento dos alunos (Bhering, 2003). Uma possível razão para a ocorrência deste padrão é a de que os professores pensam que lhes cabe ensinar e que às famílias compete solucionar as dificuldades que enfrentam em sala de aula com os alunos, independentemente de se referirem à sua aprendizagem ou às suas atitudes. E os próprios pais, apesar de se mostrarem interessados

no processo de aprendizagem, dizem que não querem compartilhar com os professores as responsabilidades no que diz respeito ao ensino (Bhering, 2003).

Sobre a compreensão dos professores de que os pais devem colaborar com o processo de ensino, os dados de Bhering (2003) corroboram esta necessidade ao apontarem que todos as informações extraídas junto aos professores se referem ao apoio que os pais podem dar aos professores, sendo que este “apoio se limita a reforçar aquilo que o professor realiza e pede às crianças, ao invés de sugerir que os pais poderiam se envolver mais com questões escolares de maneira mais participativa e recíproca” (p. 499).

Em pesquisa realizada junto a diretores e professores de Campinas/SP, Hernández (1995) também identificou que tanto os professores quanto os diretores apontam que o principal aspecto positivo ou vantagem da aproximação da família com a escola, é o envolvimento dos pais na educação dos filhos. Este envolvimento diz respeito “a atitudes de co-responsabilidade e interesse dos pais com o processo de ensino-aprendizagem incluindo a participação ou colaboração em atividades, em eventos ou solicitações propostas pela escola” (Hernández, 1995, p. 59-60).

Por esta razão é que, provavelmente, Bhering (2003) destacou que em seu estudo “os professores se referiam mais aos pais como parceiros que adotam suas instruções do que parceiros que trocam informações, opiniões, idéias e experiências” (p.507).

Outro membro da comunidade escolar que também está envolvido nas relações entre família e escola é o psicólogo escolar, portanto, ainda dentro da visão da escola sobre esta relação tem-se as concepções dos psicólogos escolares. Nesta perspectiva, a pesquisa realizada por Leal (1998) junto a 15 psicólogas escolares na região de Campinas/SP buscou caracterizar algumas das condições de trabalho dessas profissionais para conhecer suas percepções sobre o papel que assumem na mediação entre os sistemas família e escola.

De acordo com os resultados obtidos, Leal (1998) aponta que a freqüência de oportunidades de contato entre família e escola é satisfatória e que a escola é que determina os tipos e a freqüência das oportunidades de participação dos pais. A responsabilidade pelo sucesso ou pelo fracasso da relação é atribuída pelas psicólogas a ambos os sistemas envolvidos, família e escola. Quanto à qualidade da relação família-escola as participantes apresentam diferentes opiniões, mas tendem a responsabilizar mais a família que a escola pela insuficiência e obstáculos encontrados nesse intercâmbio.

Para as psicólogas pesquisadas, promover a integração e orientar a família são maneiras importantes de mediar a relação família-escola. Sendo que há uma “clara tendência dessas psicólogas em se envolver mais na orientação de pais e em reunião de pais, despendendo mais tempo e oferecendo com maior freqüência, o serviço de orientação” (Leal, 1998, p. 96). Assim sendo, a atuação das psicólogas nesta temática restringe-se principalmente à orientação de pais. Por essa razão é que Leal (1998) já dizia que

as vias de contato entre família e escola são bastante padronizadas e em pequena variedade, o que indica não estar havendo desenvolvimento de variadas estratégias de intervenção. Ou seja, o psicólogo parece não estar investindo em inovações para possibilitar ou mesmo incrementar essa relação. (p. 97).

Por essa razão, reitera-se, novamente, a importância de conhecer a atuação destes profissionais e oportunizar a reflexão e implementação de novas possibilidades de intervenção, por parte da Psicologia Escolar, que promovam mudanças significativas na relação família-escola.