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A QUEM CABERIA A RESPONSABILIDADE DE CONSTRUIR A RELAÇÃO FAMÍLIA ESCOLA ?

INTERSECÇÕES ENTRE A ESCOLA E A FAMÍLIA

3.3 A QUEM CABERIA A RESPONSABILIDADE DE CONSTRUIR A RELAÇÃO FAMÍLIA ESCOLA ?

A partir do relato de muitos professores, Marques (1999) diz que, apesar de abrirem as portas da escola à participação dos pais, os professores continuam a afirmar que os pais são desinteressados em relação à educação dos filhos, na medida em que atribuem à escola toda a responsabilidade pela educação. O autor afirma, então, que esta argumentação dos professores “visa, apenas, culpar a vítima e é uma visão pessimista das relações escola/pais” (p. 15), a partir da qual não se consegue dar passos positivos para ultrapassar os obstáculos ao envolvimento.

Dessa forma, Marques (1999, p. 15) conclui que “os professores ficam de boa consciência ao saberem que a maioria dos pais dos seus alunos é difícil de alcançar”. Para este e outos autores, a expressão “pais difíceis de alcançar” é utilizada para se referir aos “pais que não se deslocam à escola, não contactam com os professores, não participam nas reuniões e não se envolvem nas Associações de Pais” (p. 84). Assim sendo, é mais fácil culpar os pais do que asumir que a escola não está fazendo o necessário para envolver os “pais difíceis” no processo educativo. Por essa razão, Marques (1999) acredita que esta situação ocorre porque poucos professores se fazem a pergunta necessária: em que é que a escola está a falhar? Segundo ele, para se resolver o problema do alheamento dos pais deve-se começar por deixar de chamá-los de “pais difíceis de alcançar”, pois tal designação

se sustenta no pressuposto de que “deverão ser os pais a percorrer o caminho que os separa da escola, quando deveria ser o contrário” (Marques, 1999, p. 11).

A esse respeito, Caetano (2004), Reali e Tancredi (2002) e Tancredi e Reali (2001) também acreditam que a construção da parceria entre escola e família é função inicial dos professores, pois esses são elementos chave no processo de aprendizagem. Dada a formação profissional específica que têm, as tentativas de aproximação e de melhoria das relações estabelecidas com as famílias devem partir, preferencialmente, da escola. “Transferir essa função à família somente reforça sentimentos de ansiedade, vergonha e incapacidade aos pais, uma vez que não são eles os especialistas em educação” (Caetano, 2004, p. 58).

Todavia, apesar desse discurso em que se fala que a escola é que deve ir às famílias, os modelos de envolvimento entre as famílias e a escola focalizam principalmente os pais. Os modelos propostos por Joyce Epstein, Don Davies e Owen Heleen (conforme citados por Marques, 1999), se referem pouco às ações dos professores e da escola na promoção da relação família-escola.

O modelo de Joyce Epstein (conforme citado por Marques, 1999) defende a existência de cinco tipos de envolvimento: a) Ajudar os filhos em casa, que diz respeito à função dos pais em atender as necessidades básicas dos filhos e em organizar a rotina familiar diária; b) Comunicar com os pais, que se refere à função da escola em informar os pais acerca do regulamento interno da escola, dos programas escolares e dos progressos e dificuldades dos filhos; c) Envolvimento dos pais na escola, apoiando voluntariamente na organização de festas e com alunos com dificuldades de aprendizagem; d) Envolvimento dos pais em atividades de aprendizagem, em casa, participando na realização de trabalhos, projetos e deveres de casa; e e) Envolvimento dos pais na direção das escolas, influenciando e participando na tomada de decisões, se possível.

O modelo de Don Davies (conforme citado por Marques, 1999) prevê quatro formas de envolvimento parental: a) Tomada de decisões; b) Co-produção, que se refere a diversas atividades na escola ou em casa em que os pais podem colaborar – ensino tutorial em casa, ajuda no dever de casa e outros; c) Defesas de pontos de vistas, que diz respeito às ações dos pais que visam influenciar nas tomadas de decisões; d) Escolha das escolas pelos pais, pois, em países como Portugal, os pais não escolhem a escola pública que os filhos estudam.

O último modelo, de Owen Heleen (conforme citado por Marques, 1999), também apresenta cinco níveis de envolvimento dos pais: a) Participação na tomada de decisões, onde os pais dispõem de poder deliberativo na escola; b) Co-produção, que diz respeito a todo tipo de atividade desenvolvida pelos pais na escola ou no ambiente familiar, para melhorar a aprendizagem dos alunos; c) Defesa de pontos de vistas, que refere-se à influência dos pais nas decisões da escola, principalmente por meio das Associações de Pais; d) Apoio às escolas, que pressupõe esforços conjuntos dos pais e dos professores para melhorar a escola e criar estruturas de apoio aos alunos; e e) Educação de pais, que se refere à educação de adultos e de pais.

O aspecto mais comum entre estes três modelos refere-se ao fato de que em todos eles a ação dos pais é priorizada, seja diante de questões pedagógicas (ensino tutorial em casa ou na escola, trabalho voluntário dos pais na escola e na sala de aula, apoio na realização de tarefas, trabalhos e atividades de aprendizagem) ou de questões políticas (pais têm poder deliberativo na escola, participando e influenciando a tomada de decisões). Os modelos apresentados pouco se referem às ações da escola e dos professores, no sentido de promover a relação família-escola; tais ações são referidas somente nas ocasiões em que cabe à escola informar aos pais acerca do regulamento interno da escola, dos programas

escolares e progressos e dificuldades dos filhos (Epstein, conforme citado por Marques, 1999).

Ao listar as “16 maneiras de envolver os pais na escola”, Marques (1999) fez uma adaptação do trabalho de Joyce Epstein e elaborou uma lista de procedimentos que podem favorecer a aproximação das famílias. Entretanto, tal lista menciona, exclusivamente, ações a serem desencadeadas pelos pais no contexto familiar, sem haver menção à interação entre a família e a escola. Como exemplo, pode-se citar alguns dos procedimentos listados: “pedir aos pais que façam perguntas aos filhos sobre a escola; marcar um trabalho de casa que exija o diálogo com os pais; pedir aos pais que vejam programas educativos e os discutam com os filhos” (Marques, 1999, p. 21).

Além de tais ações referirem-se apenas a atitudes a serem adotadas pelos pais, fica explícita, entre as maneiras listadas, a crença existente acerca da necessidade de orientar e ensinar aos pais sobre como ensinar seus filhos: “explicar aos pais certas técnicas de ensino” ou “propor aos pais que treinem os filhos, ajudando-os a fazer exercícios de leitura, matemática, etc” (Marques, 1999, p. 21).

Esses modelos representam concepções unilaterais, nos quais a responsabilidade pela relação família-escola cabe a apenas uma das partes envolvidas na relação, na maioria das vezes à família. A esse respeito, Reali e Tancredi (2005) escrevem que “freqüentemente, as famílias são solicitadas a se envolverem em atividades escolares secundárias, tais como arrecadar dinheiro para a manutenção, na APM, controlar o comportamento dos filhos na escola, acompanhar seu aproveitamento, auxiliar nas tarefas de casa” (pp. 240-241). Para a escola, o envolvimento dos pais aparece relacionado à participação e colaboração nas atividades propostas pela escola e no interesse pelo desempenho de seus filhos. As expectativas quanto à participação dos pais envolvem

acompanhamento da tarefa de casa ou a formação do aluno em termos de disciplina, respeito e comportamento adequado (Hernández, 1995).

Vê-se, assim, que os pais são pouco convidados para participar do planejamento, elaboração e desenvolvimento dos projetos pedagógicos da escola e, assim, sua participação é secundária, limitando-se a referendar as decisões e ações da escola. Dessa forma, “parece que existe uma relação unilateral, ou seja, um caminho imaginário de mão única: da escola para a família” (Oliveira, 2002, p. 107).

Hernández (1995) também constatou, junto a diretores e professores, a pouca tendência da escola para buscar uma parceria. E, em decorrência deste fato, é interessante observar sua colocação acerca do posicionamento contraditório dos diretores e professores que, por um lado, “ao relatarem sobre as dificuldades de relacionamento, as escolas acusaram os pais de falta de compreensão ou aceitação dos problemas das crianças, e o pouco retorno de seus esforços para ajudá-los” (p. 107), mas por outro lado, se sentem invadidos pela presença dos pais, pois consideram que os pais não sabem participar numa relação de colaboração, mas sim de cobrança, uma vez que não entendem do processo de ensino-aprendizagem.

À família são impostos limites para entrar em questões próprias da escola, como no campo pedagógico. Mas o mesmo parece não acontecer com a escola em relação à sua entrada na família, pois aquela acredita estar autorizada a penetrar nos problemas domésticos e a lidar com eles, além de considerar-se apta a estabelecer os parâmetros para a participação e o envolvimento da família.

Sempre em nome de melhor compreender o aluno e de aperfeiçoar a ação pedagógica, é comum encontrar, atualmente, situações em que o educador, seja professor, orientador ou outro, busque e detenha informações sobre os acontecimentos mais íntimos da vida familiar do aluno (Nogueira, 1998). Assim, a escola estendeu sua área de atuação

para domínios antes reservados à socialização familiar (educação afetivo-sexual, drogas) o que provocou o aparecimento, no interior do sistema escolar, de todo um conjunto de serviços oferecidos por especialistas (psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, entre outros) para amparar as famílias, sendo que estes profissionais, por sua vez, também assumiram o papel de orientar e educar as famílias desqualificadas ou desestruturadas, repetindo o modelo que prevaleceu por muito tempo na relação da escola com as famílias.