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INTERSECÇÕES ENTRE A ESCOLA E A FAMÍLIA

3.2 A ESPECIFICIDADE DA ESCOLA E A INTERDEPENDÊNCIA DOS SISTEMAS FAMÍLIA E ESCOLA

3.2.1 C ONCEPÇÕES ACERCA DA RELAÇÃO F AMÍLIA E SCOLA

Tendo como pano de fundo a divisão de responsabilidades no que concerne à educação e socialização de crianças e jovens e a relação que se estabelece entre as instituições familiares e escolares, pesquisas e levantamentos acerca desta relação passam a ser objeto de estudo de diversas áreas do conhecimento, como por exemplo da Psicologia, da Sociologia, da Educação, entre outras.

Considerando as várias perspectivas e abordagens relativas ao tema, Oliveira (2002) opta por organizar os trabalhos, pesquisas e textos sobre a temática da relação família-

escola em dois grandes grupos, denominados de enfoque sociológico e enfoque psicológico.

No enfoque sociológico a relação família-escola é vista em função de determinantes ambientais e culturais. O universo em questão está matizado pela relação educação-classe social e o que se mostra é um certo conflito entre as finalidade socializadoras da escola (valores coletivos) e a educação doméstica (valores individuais), ou seja, entre a organização da família e os objetivos da escola, entre o espaço público e o privado. As famílias que não se enquadram no suposto modelo desejado pela escola são consideradas as grandes responsáveis pelas disparidades escolares. Faz-se necessário, para o bom funcionamento da escola, que as famílias adotem as mesmas estratégias de socilização por elas utilizadas. Assim, a representação de certo/correto modelo familiar ganha projeção e se naturaliza. A própria escola dissemina a idéia de que algumas famílias operam de modo diverso do seu objetivo e as estratégias de socilização das famílias passam a ser a preocupação da escola, visto que nem sempre elas são fiéis ao que delas se espera.

Na perpesctiva sociológica, o trabalho da escola resume-se, portanto, em regenerar a sociedade e em democratizar o ensino, fato que leva a escola a ampliar seus âmbitos de ação, tentando assumir ou tentando substituir a família em sua ampla missão socializadora. Para Oliveira (2002), há uma intenção que passa muitas vezes despercebida nessa tentativa de aproximação e colaboração, que é a de promover uma educação para essas famílias tidas como “desestruturadas”. A aproximação pretendida entre a escola e a família parece dirigir-se de uma forma bastante unilateral, onde o ambiente escolar exerce um poder de orientação sobre os pais para que estes possam educar melhor os filhos e estes, por sua vez, possam freqüentar a escola (Oliveira, 2002).

Ainda dentro do enfoque sociológico, insere-se a teoria da carência cultural, conforme descrita por Patto (1999), que se refere à compreensão de que o ambiente cultural em que as crianças das classes média e baixa se desenvolviam era responsável por seu fracasso escolar. Postulava-se, dessa forma, que “a pobreza ambiental nas classes baixas produz deficiências no desenvolvimento psicológico infantil que seriam a causa de suas dificuldades de aprendizagem e de adaptação escolar” (Patto, 1999, p. 124). Segundo esta concepção, as dificuldades de aprendizagem da criança pobre eram decorrentes, somente, de suas condições de vida, isto é, da pobreza material de sua família, excluindo- se as questões escolares.

Enquanto no enfoque sociológico a família é responsabilizada pela formação social e moral do indivíduo, no enfoque psicológico ela é responsabilizada pela formação psicológica. A idéia de que a família é a referência de vida da criança – o locus afetivo e condição sine qua non de seu desenvolvimento posterior – será utilizada para manter certa ligação entre o rendimento escolar do aluno e sua dinâmica familiar, colocando, mais uma vez, a família no lugar de desqualificada (Oliveira, 2002).

Nesse enfoque, as razões de ordem emocional e afetiva ganham um colorido permanente quanto ao entendimento da relação escola-família e da ocorrência do fracasso escolar. A figura do psicólogo escolar – como um especialista sempre munido de conhecimentos e técnicas de investigação do psiquismo – ganha espaço de atuação nas escolas. Esse novo personagem, instalado na cena escolar, pode entrar, com permissão do seu arcabouço teórico, na intimidade de cada família e extrair dela dados que justifiquem o “bom” desempenho ou o “fracasso” de determinado aluno. Ganha status natural a crença de que uma “boa” dinâmica familiar é responsável pelo “bom” desempenho do aluno. As descrições centradas no plano afetivo ganham a atenção dos professores que, com algum

conhecimento da Psicologia, levam esse discruso para dentro da sala de aula e passam, num processo naturalizado por todos, a avaliar e analisar o comportamento dos alunos.

Posto dessa forma, nota-se que o enfoque sociológico aborda os determinantes ambientais e culturais presentes na relação família-escola, destacando que cabe à escola cumprir as exigências sociais, enquanto o enfoque psicológico considera os determinantes psicológicos presentes na estrutura familiar como os grandes responsáveis pelo desencontro entre objetivos e valores nas duas instituições. Assim, numa espécie de complementaridade, encontra-se um velado enfrentamento da escola com a família, aparentemente diluído nos grandes projetos de participação e de parceria entre essas duas instâncias, podendo-se afirmar que em ambos os enfoques destacam-se dois aspectos principais: 1) a incapacidade da família para a tarefa de educar os filhos e 2) a entrada da escola para subsidiar essa tarefa, principalmente quando se trata do campo moral (Oliveira, 2002).

Os problemas de desenvolvimento do aluno, observados durante o processo de escolarização são resolvidos através de informação aos pais e encaminhamento para soluções, geralmente fora das escolas. Mesmo avaliando a importância das relações familiares no processo de crescimento de seus alunos, são raras as instituições de ensino particulares, que se propõem, sistematicamente, a integrar as famílias em programas de participação família-escola. (Guzzo, 1990, p. 136). Ao se deter ao relato dos trabalhos que se dedicaram à interação família-escola, realizados por pesquisadores nas décadas de 70 e 80, Guzzo (1990) mostra que o foco de intervenção referia-se aos pais, como forma de promover a relação família-escola e, conseqüentemente, de promover o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos:

Nestes programas, pais foram treinados em atividades específicas de desenvolvimento, com vistas a torná-los facilitadores do crescimento de seus filhos.

Além destes objetivos, a melhoria da coesão familiar e a promoção de estratégias que enriquecem as interações entre pais e filhos, foram também aspectos ressaltados como positivos em programas especiais. (Guzzo, 1990, p. 138).

A partir destas colocações vê-se que a relação família-escola está permeada por um movimento de culpabilização e não de responsabilização compartilhada, e mais, está marcada pela existência de uma forte atenção da escola dirigida à instrumentalização dos pais para a ação educacional, por se acreditar que a participação da família é condição necessária para o sucesso escolar (Oliveira, 2002). Mas cabe, ainda, entender os fatores e razões que levam a escola e seus atores a atribuir importância fundamental a esta relação, o que pode ser feito a partir do levantamento de pesquisas científicas realizadas sobre esta temática. Com este intuito, opta-se por priorizar os trabalhos desenvolvidos no contexto brasileiro, por acreditar que, apesar de pouco conclusivos, sejam mais representativos da atual situação brasileira do que os trabalhos desenvolvidos em outros países e, portanto, vivenciados em outra realidade.