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P SICOLOGIA E E DUCAÇÃO : CONSTRUINDO E RECONSTRUINDO ESSA RELAÇÃO

ARTICULAÇÕES ENTRE A PSICOLOGIA E A EDUCAÇÃO: A CONSOLIDAÇÃO DA PSICOLOGIA ESCOLAR

2.2 P SICOLOGIA E E DUCAÇÃO : CONSTRUINDO E RECONSTRUINDO ESSA RELAÇÃO

A partir da emergência da Psicologia, enquanto campo de formação e atuação profissional, a Psicologia aplicada à Educação passou a se configurar como uma das áreas de atuação dos psicólogos, apesar de pouco escolhida pelos profissionais, os quais se detiveram, historicamente, mais ao psicodiagnóstico e à avaliação psicológica (Cruces, 2003). A inserção da Psicologia nas escolas foi marcada por objetivos fortemente adaptacionistas, nos quais predominava a necessidade de corrigir e adaptar à escola o aluno portador de um problema de aprendizagem (Correia & Campos, 2004; Tanamachi, 2000). Esta adaptação se realizava, no passado, a partir de recursos psicométricos, entendidos como função do psicólogo.

Sobre o uso destes recursos, Cruces (2003) lembra que o psicodiagnóstico e a avaliação psicológica, dotados de aplicações e técnicas próprias, foram atividades consideradas inerentes e exclusivas do psicólogo, prevalecendo nos seus diversos contextos de atuação, inclusive no educacional. Assim sendo, Campos e Jucá (2003) afirmam que

a adoção dos instrumentos psicológicos de classificação no interior das instituições educativas se encontra, no nosso país, na origem do que se conhece como a

Psicologia Escolar e Educacional. Tais procedimentos refletiam a migração, para o interior da escola, do modelo clínico de atuação e do seu instrumental. (p. 39). Emerge, portanto, nesse contexto adaptacionista e de correção, a figura do psicólogo escolar ou psicólogo educacional, convocado à escola para resolver problemas que surgem neste espaço de formação. Ao psicólogo escolar cabia classificar os alunos com dificuldades escolares e propor métodos especiais de educação, tentando ajustá-los aos padrões de normalidade aceitos socialmente.

No entanto, entende-se que a aplicação desse modelo médico de intervenção na escola conduziu à patologização e psicologização do espaço escolar por atribuir ao próprio aluno a culpa por suas dificuldades de aprendizagem e por isentar outras instâncias das suas responsabilidades educativas (Campos & Jucá, 2003; Neves, 2001; Neves & Almeida, 2003; Yazlle, 1997).

Em virtude dessa postura adaptacionista na qual os profissionais da Psicologia, munidos de seus instrumentos e teorias, diziam quais os problemas e quais as soluções a serem tomadas diante dos ‘problemas educacionais’, diz-se que a relação que se construiu entre a Psicologia e a Educação foi de caráter assimétrico, em função da autoridade e competência atribuída à Psicologia, e em detrimento do conhecimento da Pedagogia (Lima, 1990). Todavia, a autoridade assumida pela Psicologia ultrapassou suas competências e fez com que a Educação buscasse apoio em outras áreas de conhecimento para dar conta do fenômeno educativo.

De acordo com o levantamento histórico realizado por Yazlle (1997) acerca da atuação do psicólogo escolar, constata-se que

a psicologia, enquanto instrumento aplicado às práticas educacionais, se origina justamente no final do século XIX, com o empenho de educadores e cientistas do comportamento em classificarem crianças com dificuldades escolares e proporem

às mesmas métodos especiais de educação, a fim de ajustá-las aos padrões de normalidade definidos pela sociedade. (p. 15).

Com o passar dos anos e com a revisão crítica acerca da formação e atuação do psicólogo, reformulações e avanços foram dando contorno a uma nova formação e atuação profissional. Os profissionais da área procuraram não mais se coadunar “à descontextualização e fragmentação do indivíduo, à naturalização dos fenômenos do desenvolvimento humano, à negação do caráter histórico-cultural da subjetividade, à tentativa de ‘psicologização’ no cenário educacional” (Araújo, 2003, p. 9). Os psicólogos de uma forma geral e especialmente àqueles envolvidos com o espaço educativo, passaram a buscar uma atuação menos ligada aos processos de marginalização e de exclusão. Estes processos se referem ao fato dos alunos ‘problemas’ serem deixados de lado e não receberem, da escola e dos professores, as intervenções adequadas e necessárias ao seu desenvolvimento e aprendizagem.

Nesse mesmo sentido, Cruces (2005) aponta que se encontram, cada vez mais, relatos de experiências de psicólogos que se preocupam em não culpabilizar o aluno pelas dificuldades que enfrenta e tentam conscientizar os demais profissionais de que a problemática do aluno está inserida em uma gama maior de determinantes que não apenas as individuais, as familiares ou as psico-afetivos. Pode-se até dizer que o processo de não mais culpabilizar o aluno caminha junto com outras revisões: a do equívoco gerado pelo isolamento da Psicologia em relação às outras áreas do conhecimento e também a necessidade de os profissionais desta área estabelecerem relações interdisciplinares com o objetivo de obter uma melhor compreensão do ser humano (Lima, 1990).

Vê-se, portanto, que o vínculo inicial da relação entre a Psicologia e a Educação, caracterizado pela aplicação das teorias psicológicas às questões educacionais, não se manteve ao longo da história da relação entre esses dois campos científicos. A

aplicabilidade da Psicologia à Educação é criticada atualmente, pois não se vê mais, a partir das críticas da década de 90, a Psicologia como uma área aplicada e nem a Educação como um espaço de aplicação de teorias de outros campos do saber. A relação entre essas áreas é vista, atualmente, como interdependência de produção de conhecimentos.

Diversas áreas de conhecimento, em sua especificidade, têm como objeto de estudo o homem. Todavia, é o trabalho conjunto destas áreas, em termos de discussão e reflexão articuladas, que pode trazer a compreensão global do ser humano, ou pelo menos o entendimento mais amplo. E é imersa nesse contexto de transformações que se constrói, a cada dia, uma prática psicológica interligada à educação, diferente daquela que marcou, há tempos, a inserção da Psicologia na área educacional. Esta prática, por sua vez, vem contribuindo para a definição do papel do psicólogo escolar e de suas atribuições, as quais estão aos poucos se desvinculando do caráter adaptacionista.

Por fim, partindo da concepção de que a Psicologia pode contribuir para que a escola seja um local que promova a saúde mental e não o sofrimento e a exclusão, Neves e Almeida (2003) relatam um exemplo contemporâneo de atuação em Psicologia Escolar, que traz um novo olhar sobre as queixas escolares, tópico sempre presente na atuação do psicólogo escolar. O trabalho desenvolveu-se junto a psicólogos escolares que atuam em equipes de atendimento psicopedagógico, buscando modificar algumas práticas dos profissionais e integrar o professor como co-participante do processo de atendimento aos alunos. Para isso, teve-se como objetivo construir um trabalho em que se pudesse oferecer atendimento diferenciado aos alunos que apresentavam queixas escolares.

O novo modelo proposto ofereceria atendimento personalizado ao aluno, em virtude da natureza das possíveis queixas escolares, mas buscava, também, “integrar e ampliar essa atuação às estratégias que possibilitem entender as causas das dificuldades na aprendizagem escolar, tanto como expressão de aspectos inerentes aos alunos, como,

também, de aspectos relativos aos contextos escolar e social” (Neves & Almeida, 2003, p. 85). Vê-se, por esse exemplo, que não se trata apenas de abandonar um modelo que focaliza o problema no aluno, mas trata-se de integrar outras modalidades de trabalho que ampliem as possibilidades de sucesso dos atores envolvidos, superando as práticas psicológicas que tratam a dificuldade de aprendizagem ou o fracasso escolar como um problema individual ou de seu meio familiar.

Vê-se, dessa forma, que o caminho trilhado pela Psicologia junto à Educação tem favorecido o estabelecimento de uma atuação diferenciada da Psicologia, a qual não mais se detém à identificação e ao tratamento das dificuldades e problemas vivenciados no contexto escolar. A relação entre a Psicologia e a Educação, contemporaneamente, vem se consolidando enquanto um campo de troca e interlocução, onde cada área contribui para o entendimento e a transformação dos fenômenos.