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1 2º Distrito e Polo

Mapa 2.4 Junção dos mapas 04 (zoneamento de uso e divisão territorial de áreas integradas) e 06 (Proposta de áreas para

2.2.1 A Lei Federal de Uso e Ocupação do Solo n 6.766/

“O traçado é um dos elementos mais claramente identificáveis tanto na forma de uma cidade, quanto como no gesto de a projectar”. (LAMAS, 2011, p. 98).

“O traçado estabelece a relação mais directa de assentamento entre a cidade e o território”. (LAMAS, 2011, p. 100).

A abertura de loteamentos é a forma de urbanização mais corriqueira e significativa de nosso país. As cidades brasileiras se expandem pela produção de lotes, numa constante transformação de áreas rurais em urbanas. É nestes lotes, sejam regulares ou não, infraestruturados ou precários, que a casa brasileira se edifica. (LEONELLI, 2010, p. 29).

Até fins de 1979 dispunha-se, em termos de controle do parcelamento do solo urbano no nível federal, de alguns decretos que regulavam, sem maior aprofundamento técnico, o parcelamento do

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solo. De acordo com estudo realizado por Bonduki (2007) e também analisado por Leonelli (2010, p.38), sobre a periodização da legislação do parcelamento do solo, observa-se uma ordem cronológica que se inicia com o decreto Lei n. 58 de 10/12/1937, no governo de Getúlio Vargas, que obrigava os proprietários de terrenos urbanos a aprovar o projeto na prefeitura e registra-lo em cartório, antes de anunciar as vendas. Como o Decreto não estabelecia nenhum tipo de sanção para o loteador que não cumprisse com as determinações, grande parte dos loteamentos foram processados à margem dos dispositivos legais vigentes (OSÓRIO, 2003, p: 100).

Na década de 1930, era um momento em que a legislação objetivava a garantia do adquirente do lote à prestação:

Art. 1º Os proprietários ou co-proprietários de terras rurais ou terrenos urbanos, que pretendam vendê-los, divididos em lotes e por oferta pública, mediante pagamento do preço a prazo em prestações sucessivas e periódicas, são obrigados, antes de anunciar a venda, a depositar no cartório do registro de imóveis da circunscrição respectiva (D.O.U - Lei n. 58/1937).

Além disso, era um momento do início da expansão urbana pelo padrão periférico (Santos 1980), por meio da disseminação de inúmeras parcelas fundiárias, ou seja, do lote. Para Votuporanga, era um momento em que a cidade se expandia a partir do seu centro tradicional, conformando uma malha retangular, legalmente estabelecida, vindo apenas a receber ocupações irregulares a partir da década de 1970. (VILLAÇA, 2001). Compete aqui lembrar que o Decreto Lei n. 58/1937, não tinha como foco nem o combate da ilegalidade, tampouco a qualidade urbanística.

O entrevistado 4, sobre o processo e aprovação dos loteamentos em Votuporanga ao longo se sua história assim nos coloca:

Votuporanga, foi fundada no ano de 1937, por coincidência o mesmo ano em que ocorreu a edição do Decreto Lei 58/37, que tornou-se a primeira legislação sobre o parcelamento do solo, posto que o Código Civil de 1916, que vigorou até 2002, nada dispunha a respeito. Assim, todo o parcelamento da área central de nossa cidade, tida como Patrimônio Velho, que abrangia mais ou menos um retângulo, tendo ao Norte a rua Guaporé, ao Sul a Itacolomi, a leste a rua Sergipe e a Oeste a rua Minas Gerais, foi retalhada em datas de terreno, a grosso modo em quarteirões que mediam 100x100 metros, sendo para as ruas que faziam frente para as ruas Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Amazonas, Pernambuco e Sergipe, as datas tinham 20x40 metros, enquanto que paras as ruas que seguiam o sentido leste/oeste essas datas tinham as medidas de 20x50 metros. Assim, de uma forma geral, cada quarteirão tinha 5 datas para a rua Amazonas, 5 datas para a rua São Paulo, duas datas para a rua Rio de Janeiro e duas datas para a rua Paraíba. As datas de 20x50 eram no meio dos quarteirões, e faziam fundos entre si, e pelas laterais confrontavam com as datas de 20x40 metros. Fechavam assim as quadras de 10.000 m2, praxe de todo o plano de retalhamento. Observo que nada disso foi registrado em cartório, pois conforme já disse acima, não existia, ainda, o regramento definido pelo Decreto Lei 58/37. Esse plano inicial executado pela Theodor Wille, empresa alemã que fundou Votuporanga, teve algumas modificações, posto que adquirentes de glebas maiores, dentro desse retângulo original, desmembraram com algumas modificações o projeto original. Cito como exemplo do Bairro Boa Vista, onde está a Praça Santa Luzia (Gisela Kinker Wehinger), a Vila Sá (Antonio Sá), Vila Dutra (José Dutra da Silva e Abílio Dutra da Silva), Vila Mata (Manoel Ramalho Mata), estas três últimas entre as ruas Pernambuco e Sergipe, nas imediações da Faculdade. Vieram depois outros parcelamentos vizinhos (Vila Marin, que vai da rua Amazonas até a Oiapoc), Vila Budin (João Batista Budin), Vila Hercília (também

de João Batista Budin) (imediações do Estádio Plínio Marin até o início da Avenida Antônio augusto Paes, Patrimônio Novo (da rua Itacolomi até a Maranhão). Vila São Vicente - da rua Pernambuco até o Estádio Plinio Marin, este da família Lupo. Estava formada a área central da cidade, sem qualquer planejamento registrado no cartório. As vendas eram feitas mediante escrituras, amparadas no título aquisitivo dos proprietários (mais ou menos como um Banco desconta o cheque, desde que o emitente tenha saldo) e em certidão emitida pela Prefeitura, certificando a existência daquela data, ou lote. Ainda foram criados e averbados em cartório outros loteamentos, sem obediência às regras da lei, mesmo posteriores ao Decreto Lei 58, porém já com plantas arquivadas em cartório.

Esses loteamentos eram feitos “por averbações” na matrícula da gleba de origem, porém já com plantas e documentos essenciais arquivados no Registro de Imóveis. Cito como exemplo a Vila América (Mario Pozzobon), Jardim São Paulo (José Passos Correa), Parque Brasília (Willian Pereira de Figueiredo), Bairro Nova Boa Vista (Gisele Kinker Wehinger), Vila Santo Antonio, Vila Zan (Albino Zan), Parque 8 de Agosto (Mario Pozzobon), Vila Iolanda (Takuso Okimoto), Vila Lions, [...] Jardim São Judas Tadeu (Willian Pereira de Figueiredo e outros). Vieram grandes loteamentos registrados de acordo com o Decreto Lei 58: Bairro São João (Paul Alfred Richter), Bairro Cidade Nova (Companhia Melhoramentos de Votuporanga - empresa que adquiriu a sobra de toda a área rural deixada pela Theodor Wille, ‘encampada’ pelo Governo Federal na época da Segunda Guerra Mundial, por se tratar de empresa alemã. Vieram ainda devidamente regularizados os loteamentos da Vila Paes (Antonio Augusto Paes), Jardim Alvorada (Christovam De Haro, Gabriel Jabur, Waldevir de Oliveira Guena e José Passos Correa), Vila Guerche. Esse foi o início de Votuporanga. A partir da Lei 6.766/79, os loteamentos urbanos ganharam a legislação que permanece até a presente data que busca, em resumo, garantir ao comprador, ou compromissário comprador, do lote da idoneidade do empreendimento, evitando assim que seu dinheiro seja aplicado em empreendimentos inidôneos. (Entrevistado 4, CRIA, 2014).

Destaca-se que o novo ciclo de institucionalização do urbanismo e do planejamento urbano no Brasil marca os anos 1930 e faz emergir órgãos administrativos municipais direcionados a implantação do urbanismo nestas administrações, conforme já estudado por Feldman (2005a).

À medida que a população urbana crescia no Brasil, tornava-se mais evidente a necessidade de se estabelecer um controle mais eficaz sobre os loteamentos (OSÓRIO 2003, p: 100). Assim em 1949, no governo de Eurico Gaspar Dutra, o Decreto lei n. 58/37 foi alterado pela Lei n. 649 (altera o art. 22 do referido decreto) que “Autoriza o Poder Executivo a dar nova redação ao artigo 22, do Decreto-lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, que dispõe sobre as escrituras de compromisso de compra e venda de imóveis loteados”. (Lei n. 649/1949).

Apenas em 1967 é que a legislação avançou no assunto e inclusive detalha as formas de parcelamento do solo, além do loteamento ainda dispõe sobre o desmembramento e zona urbana, ao editar o Decreto Lei Federal n. 271 de 28 de fevereiro de 1967:

[...] Art. 1º O loteamento urbano rege-se por êste decreto-lei.

§ 1º Considera-se loteamento urbano a subdivisão de área em lotes destinados à edificação de qualquer natureza que não se enquadre no disposto no § 2º dêste artigo.

§ 2º Considera-se desmembramento a subdivisão de área urbana em lotes para edificação na qual seja aproveitado o sistema viário oficial da cidade ou vila sem que se abram novas vias ou logradouros públicos e sem que se prolonguem ou se modifiquem os existentes.

§ 3º Considera-se zona urbana, para os fins dêste decreto-lei, a da edificação contínua das povoações, as partes adjacentes e as áreas que, a critério dos Municípios, possivelmente venham a ser ocupadas por edificações contínuas dentro dos seguintes 10 (dez) anos. [...] (Decreto-lei n 271/1967 - Publicado no DOU de 28.2.1967).

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De acordo com o funcionário do Cartório de Registro de Imóveis e Anexo- C.R.I.A. de Votuporanga, o entrevistado 4, até 1978 utilizava-se respectivamente o Decreto-Lei nº 58/1937 e após 1967 a lei n. 271/1967.

“A aprovação era feita em regime de averbação em escritura. Os Bairros São João, Cidade nova e jardim Alvorada, são exemplos de bairros aprovados pelo Decreto-Lei 58/1937 [...]. A prefeitura aprovava e o Cartório procedia com a averbação”. (Entrevistado 4, em entrevista à autora em 17/07/2014).

Somam-se um total de 71 loteamentos aprovados no município até 1978, antes de lei n. 6.766/1979, sendo que 48 foram aprovados entre os anos de 1960 e 1978, 67,06% a mais que o total de loteamentos aprovados entre os anos 1937e 1959.

De acordo com o entrevistado 2, muitas vezes a planta do loteamento era assinada pelo prefeito já que não havia técnico (arquiteto ou engenheiro) especializado para proceder com o processo de aprovação, conforme já observamos: “O prefeito carimbava e assinava as plantas que posteriormente eram encaminhadas para o Cartório de Registro”. (Entrevistado 2 em entrevista concedida à autora em 09/06/2014).

Já na década de 1970, “o foco da legislação era o controle do loteamento clandestino e garantia da qualidade urbanística com exigências de implantação de infraestrutura e doação de áreas públicas”. (LEONELLI, 2010, p. 38). Além de definir as tipologias de parcelamento (loteamentos, desmembramento, desdobramento) permitidas no país, a Lei n. 6.766 aprovada em 1979 define também as regras, critérios e exigências para se aprovar o parcelamento do solo para que as cidades brasileiras se expandam legal e regularmente. À margem, de tais regras, estaria a ilegal e irregular. É a partir da referência da Lei Federal n. 6.766/1979 que, uma vez não respeitados seus critérios e exigências, os parcelamentos são considerados irregulares ou ilegais. (LEONELLI, 2010, p. 30). A aprovação da Lei n. 6.766/1979 sobre os loteamentos, os loteadores que não atendiam aos padrões mínimos de implantação de loteamentos, seriam criminalizados.

Ressalta-se aqui que Leonelli (2010, p. 39-40) defende a tese de que mesmo sendo o debate jurídico-urbanístico para a formulação de uma lei federal de parcelamento do solo, já se fazia presente desde o início do século XX. A primeira vez que o termo “loteamento” entra para o cenário legal, foi a partir de 1937 através do decreto Lei 58/1937, já referenciado: “Dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações” (Decreto Lei 58 de 10/12/1937). Anterior a este período, a legislação que regulavam a produção de lotes, usavam o termo arruamento, licenças para arruar ou ainda a “divisão de lotes”.

Ao consultar o CRIA de Votuporanga sobre a planta do primeiro “loteamento” implantado fisicamente implantado no município em 1937, para compor este trabalho, obteve-se a informação de que, como no momento Votuporanga pertencia a Comarca de Monte Aprazível/SP e, posteriormente, a

Tanabi/SP, provavelmente a planta estivesse em algum destes cartórios e assim, ambos foram consultados. Funcionários do Cartório de Tanabi/SP afirmaram não existir qualquer documento que remetesse às informações desejadas. Mas em Votuporanga, a informação do escrevente foi que: “Temos uma Planta geral. Não temos a planta do loteamento. Os lotes aprovados individualmente, de proprietários, transcrições e matriculas diferentes. Mas a Planta geral que temos é uma somatória destes lotes aprovados” (Entrevistado 15 do CRIA Monte Aprazível em 09/09/2012 e 17/07/2014). Era um período em que a regulação dos lotes era de responsabilidade ou controlada pela administração municipal.