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CAPÍTULO 1 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO EM

1. O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO EM VOTUPORANGA/SP DÉCADAS DE 1930-

Este capítulo analisa o processo de urbanização e evolução urbana de Votuporanga, com foco no desenvolvimento econômico, como um processo em que a demanda por terras e a luta pela sua posse tornam a região oeste paulista alvo da busca por oportunidades de desenvolvimento e reprodução do capital, em que a ocupação modifica profundamente a paisagem. Aqui a análise do espaço busca compreender as influências sociais que contribuem para a sua formação e reprodução, entendendo a reorganização física e social da cidade como a reorganização do próprio espaço.

A paisagem nada tem de fixo, nada tem de imóvel. Cada vez que a sociedade passa por um processo de mudança, a economia, as relações sociais e políticas também mudam, em ritmos e intensidades variados. A mesma coisa acontece em relação ao espaço e à paisagem que se transforma para se adaptar às novas necessidades da sociedade. (SANTOS, 2009, p. 54).

Para endossar esta compreensão foram utilizadas como recursos metodológicos as abordagens feitas por alguns teóricos e historiadores que estudam os processos de formação do espaço e território, os fluxos migratórios e a evolução econômica no Brasil no interior paulista, com destaque para Pierre Monbeig (1984), utilizando ainda as reflexões teóricas de Henri Lefebvre (2006, 2001) em relação ao espaço, ao sistema econômico capitalista e o papel do urbanismo.

Utilizou-se também das análises presentes em Milton Santos (1965, 1988, 2009), quando analisa o espaço e sua transformação e organização, e Paul Singer (1979) sobre a dinâmica e lógica do capitalismo.

As análises remontam às primeiras décadas do século XX, momento em que o sistema cafeeiro estruturava economicamente o país. A crise de 1929 fez com que se buscasse um quadro de estabilidade econômica através da implantação de políticas de sustentação do preço do café. Esse processo fomentou a procura e a ocupação de terras férteis e virgens, para investimento do cultivo do café e da atividade pecuária, promovendo, assim, a abertura para a inserção de uma nova base econômica, contribuindo para a ocupação de zonas pioneiras, como é o caso do Oeste Paulista.

Nessa região começou a se formar uma nova zona de investimentos econômicos, promotores de transformações físicas, sociais e também urbanas, uma vez que o território, até então sem incentivos e investimentos, começou a “gerar” pequenas ocupações, vilarejos, novos traçados que caracterizava este “pedaço” de terras do Oeste, formador de uma nova rede, que se urbanizava num ritmo próspero e contínuo, preenchendo o que outrora era apenas sertão.

Processos importantes, como aqueles ligados às atividades de cunho rural e posteriormente agroindustrial fazem parte do embate que desencadeou o processo de produção e reprodução no espaço intraurbano de Votuporanga; porém, foi a alta mobilidade da classe trabalhadora operária quem

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mais contribuiu para a configuração sócio espacial atual da cidade. A movimentação dos fluxos migratórios constantes, a chegada e a partida de trabalhadores, a ascensão de contingentes populacionais pobres às faixas de renda mais altas, vão formando e transformando os bairros da periferia, vão dando forma e conteúdo à paisagem urbana.

Desta forma, paralelamente ao desenvolvimento da indústria metropolitana paulistana, o interior paulista, nas primeiras décadas do século XX, também despontava como um forte ponto de geração de emprego e renda que, a princípio, foi exclusivamente de caráter agrícola. Nesse período, conduzido pela iniciativa privada, o processo de ocupação do Oeste Paulista se configura no interior de um cenário de expansão de capitais a princípio agrícolas (cafeeiro), passando a incorporar atividades mercantis, ferroviárias e imobiliárias na direção de terras virgens localizadas na porção mais ocidental do estado de São Paulo. (MONBEIG, 1984).

No cenário nacional, vivenciava-se o desenvolvimento industrial que, mesmo sendo iniciado no final do século XIX3, apenas no primeiro governo de Vargas (1930-1945) teve grande impulso. As cidades não estavam preparadas para receber os fluxos migratórios advindos do campo, descontentes com a nova política agrária, com modernização e dispensa de mão de obra, e atraídos pelas novas oportunidades de emprego oferecidas pela economia industrial.4

Enquanto no cenário nacional a industrialização era incorporada nos grandes centros, no oeste paulista vivenciava-se o início ou abertura de uma nova fronteira, inclusive motivada pela interiorização de um contingente populacional que trabalhava na indústria paulistana. A abertura de novas fronteiras agrícolas trazia novas oportunidades para reaquecer a economia agrária, e posteriormente agroindustrial, especialmente as manufatureiras de café e algodão. As políticas que subsidiavam as lavouras do café e a crescente industrialização da capital paulista fomentaram a procura de terras virgens localizadas nas zonas pioneiras no oeste do estado, desencadeando aí um processo de diversificação econômica.

Foi a partir da década de 1930 que o mercado nacional se redireciona para a passagem de um Brasil agrário-exportador para um país urbano-industrial. As cidades não estavam preparadas para receber os fluxos migratórios advindos do campo e eram ocupadas principalmente por aqueles que não se adaptavam à nova política agrária de modernização. Outro fator que muito contribuiu para o deslocamento rural-urbano nos anos 1930 foram as novas oportunidades possibilitadas pela economia industrial.

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Principalmente quando muitos cafeicultores passaram a parte dos lucros, obtidos com a exportação do café, para o estabelecimento de indústrias.

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Em 1934, no governo Vargas, foi promulgada a Constituição de 1934, que já trazia em seus textos incentivos à propriedade especialmente no âmbito do interesse social, sobretudo dando aporte as condições de trabalho no campo e na cidade, sendo este último, o cenário da reprodução da força de trabalho na indústria. Na Constituição Federal de 1934 (Cap. II, art. 113, §17) “É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar”.

O interior paulista ia, dessa forma, passando pelo processo de urbanização, atraindo mais investimentos com ampliação e diversificação de atividades.

A relação cidade-campo se transforma, aspecto importante de uma mutação geral. Nos países industriais, a velha exploração do campo circundante pela cidade, centro de acumulação do capital, cede lugar a formas mais sutis de dominação e exploração, tornando-se a cidade um centro de decisão e aparentemente de associação. (LEFEBVRE, 2001, p. 68).

Foi a expansão das fronteiras agrícolas e da rede ferroviária - Extensão dos trilhos da Linha Férrea Araraquarense - que motivou tanto a formação quanto o desenvolvimento de núcleos urbanos, com características iniciais essencialmente agrícolas. Na década de 1940, a Ferrovia Araraquarense5 expandia seus trilhos e contribuía sobremaneira para o acelerado desenvolvimento urbano da região do Noroeste Paulista.

Nesse sentido, a ação de especulação imobiliária já mostrava sua face perante a valorização e o potencial produtivo (rural e urbano) das terras recém ocupadas. Aliava-se ao quadro de desenvolvimento a chegada da ferrovia, ora como forma de potencializar o que se havia instalado até então em termos de evolução fundiária e urbana, ora como instrumento que precedia este feito. Cabe ressaltar que, “as ferrovias contribuíram, também, para elevar economicamente a produtividade física do café”. (CANO, 1988, p. 21).

Gonçalves (1998) analisa a expansão da ferrovia como estruturadora da ocupação do território e orientadora dos processos de transformação da terra em propriedade:

Tal transformação foi operada pela associação entre ferrovia e agentes sociais originados nesse próprio processo: empreendedores imobiliários, personificados ou proprietários já estabelecidos por indivíduos com tino empresarial que antevendo a oportunidade de lucro pela expansão das ferrovias para o oeste anteciparam-se em comprar terras para revendê-las no momento oportuno. (GONÇALVES, 1998, p. 180).

A ocupação e a urbanização centrada tanto na economia cafeeira quanto na expansão da linha férrea foram alavancadas pela intensa dinâmica da formação de loteamentos rurais e abertura de núcleos urbanos, fortalecendo-se até meadas dos anos 1950.

Buscou-se neste capítulo, estabelecer uma compreensão cronológica dos fundamentos históricos e teóricos que envolveram o processo de urbanização do município de Votuporanga e as articulações econômicas, políticas, físicas e sociais que contribuíram para a evolução de sua malha urbana, e o processo de planejamento ocorrido no período. De forma sistemática, trabalha-se uma periodização deste processo que tem início no findar da década de 1930 - em 08 de agosto de 1937 - com a fundação do patrimônio de Votuporanga (RODRIGUES, 2006a), (vinculado ao município de

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A Estrada de Ferro Araraquarense foi implantada para acompanhar a expansão cafeeira em fins do século XIX pela região do centro do estado de São Paulo. Assim, os fazendeiros daquela região, objetivando o escoamento do produto, fizeram construir uma nova estrada ligando municípios de médio porte localizados na Região Noroeste paulista.

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Tanabi e à Comarca de Monte Aprazível) e a implantação do Estado Novo, no primeiro período de governo de Getúlio Vargas, até o final da década de 1960, quando começa a se formar o pensamento do planejamento urbano em Votuporanga, através da elaboração do seu primeiro Plano Diretor - Plano de Desenvolvimento Integrado (PDI-1971), até sua aprovação, sob o regime militar, estudando inclusive, os debates realizados ao longo do período. Nesse sentido, analisa-se Votuporanga como um caso claro de cidade que se forma no interior do estado de São Paulo sob o amparo da economia cafeeira. Investiga-se também, a formação nuclear do município, com seu patrimônio - ou distrito -, já estruturado anteriormente à chegada do café, num momento de efervescência da expansão imobiliária, chamariz da artéria ferroviária (MONBEIG, 1984), fomentando, inclusive, o impulso demográfico, econômico e social do então chamado sertão paulista.

Para melhor compreender os processos que contribuíram para a formação de Votuporanga foi necessário fazer uma retrospectiva das ocorrências que antecederam este período de forma a analisar e compreender, sobretudo, as questões econômicas, sociais, políticas e estruturais que se estabeleciam nos cenários nacional e internacional e suas implicações sobre o oeste paulista.

Posteriormente busca-se trabalhar, através do auxílio de leitura e coleta de materiais que se reportavam ao período analisado, a questão da formação do núcleo urbano sobre a tutela do grupo do alemão Theodor Wille, que instituiu, em 1937, as primeiras “datas” da Fazenda Marinheiro de Cima, seguidas de ruas, serviços e praças.

No mesmo ano do estabelecimento da democracia no país e antes do fim da ditadura Vargas, em 1945, funda-se o município de Votuporanga, realizando-se a eleição para prefeito de João Gonçalves Leite, do partido político PSD (Partido Social Democrático), em função de sua proximidade com Juscelino Kubitschek6. Ainda na década de 1940, a estrada de ferro chega a Votuporanga, na sua porção sul, atraindo a expansão da malha urbana no sentido centro-sul e acelerando ainda mais o desenvolvimento urbano não apenas do município, mas também de toda a sua região.

Constituído de três distritos (Votuporanga, Igapira e Cardoso), o novo município foi instalado a 1º de janeiro de 1945 [...] A 13 de junho do mesmo ano instalou-se a Comarca. Em 1948 emanciparam-se os distritos de Igapira (hoje município de Álvares Florence) e Cardoso, que conservou a mesma denominação. Na mesma data foram criados dois outros distritos- Parisi e Simonsen. (VOTUPORANGA, 1971, v. 1, p. 2).

A partir da urbanização baseada na economia cafeeira, o município saltou para uma base econômica voltada para a agroindústria (sobretudo algodoeira), que, aliada à localização dos trilhos, reforça ainda mais a formação da malha urbana no sentido centro-sul. Num momento em que o planejamento ainda não estava institucionalizado no Brasil, porém num cenário de intensa discussão

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sobre as questões urbanas, em 1937, Votuporanga se forma ancorada na articulação entre as frentes de expansão do café, algodão e ferrovia. O território municipal continuou a se desenvolver no sentido da porção sul até os anos de 1960, período em que a economia do país se abria para o capital internacional como estratégia de Juscelino Kubitschek, atraindo indústrias de outros países para o território brasileiro. Com isso, e amparada pelas discussões que se disseminavam no âmbito nacional acerca dos processos de planejamento urbano, buscou-se trabalhar as análises do período que compreende as décadas de 1930 e 1950.

Entre as décadas de 1950 e 1960, observa-se que o cenário nacional assistia a uma sistematização ainda mais apurada sobre o planejamento físico e territorial, que já trazia, desde alguns anos antes, algumas formas legais de organização das cidades através de instrumentos já apontados pela Constituição Federal de 1946, com propostas de organização em nível regional e de formação de comissões para organizar cada um destes setores. Neste momento, porém, Votuporanga ainda não havia estruturado a organização de um setor de planejamento.

As mudanças estruturais ocorridas no país na década de 1930 se refletem nas cidades que, inclusive, ficam sujeitas ao boom imobiliário e passa-se a ter um incentivo específico para disponibilização de moradias. Sob estas implicações, em 1947 cria-se a SAGMACS - Sociedade para Análise Gráfica e Mecanográfica aplicada aos Complexos Sociais - em São Paulo e, mais tarde, em 1952, o IBAM - Instituto Brasileiro de Administração Municipal e o CEPEU - Centro de Pesquisas e Estudos Urbanísticos, em 1955, este último criado por Anhaia Melo, na FAU-USP. (FELDMAN, 2005; RAMOS, 2010).

Quanto aos anos 1960, a partir da reorganização institucional liderada pelo regime militar instalado em 1964, até o início dos 1970, assiste-se à inserção dos municípios, também os menores, no rol de oportunidades de organização legal, por meio da instituição dos Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado - PDDIs que se disseminaram, a partir da década de 1970, num período inclusive em que as zonas fronteiriças agrícolas paulistas passam a sofrer um esvaziamento demográfico sob a pressão dos deslocamentos populacionais das áreas rurais, com a intensificação do processo de urbanização no estado de São Paulo.

Nesse contexto ocorre a criação do SERFHAU - Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, vinculado ao Ministério do Interior e ao Banco Nacional da Habitação - BNH, de 1964, sendo regulamentado apenas em 1966 como órgão administrativo do governo federal, tornando-se responsável pela elaboração e coordenação da política nacional de planejamento local integrado e pela gestão do FIPLAN - Fundo de Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local Integrado, o primeiro fundo de financiamento a planos diretores criado na esfera federal. (FELDMAN, 2002). Enquanto se manteve ativo, o SERFHAU atuou diretamente nas administrações municipais e orientou

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a elaboração dos planos diretores de diversas cidades do estado de São Paulo, como ocorreu com Votuporanga.

1.1 O Município - Formação do território e das propriedades de Votuporanga

A cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras. (CALVINO, 1991, p. 14-15).

Atualmente, o núcleo urbano de Votuporanga ocupa uma área total de cerca de 35 km2, num município com 421 km2 e 84.692 habitantes (IBGE, 2010), tendendo a crescer mais fortemente ao longo dos eixos rodoviários, resistindo a ultrapassar o eixo ferroviário construído no espigão divisor da bacia hidrográfica Turvo/Grande que concentra 98% da área urbana e bacia hidrográfica São José dos Dourados, onde exceto a Vila Carvalho, todo o território permanece rural.