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1.3 1964-1971 A Nova Institucionalidade do Planejamento Urbano no Brasil e o Processo de Elaboração do PDI-1971 de Votuporanga

Mapa 1.22 Localização dos bairros da CECAP em Votuporanga

Fonte: Mapa da cidade ano/2012 com intervenção da autora

No seu primeiro período de atuação efetiva (de 1967 até 1983), a CECAP ainda foi responsável por construir em Votuporanga o CECAP II em 1981, na área oeste da cidade, onde se sentiam os impactos da industrialização.

1.3.1.1 O planejamento integrado

O final da década de 1960 marca o início da elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado Votuporanga, sob o efeito do início do governo militar ditatorial, da centralização política e do autoritarismo. Este também foi um período de quebra do padrão de planejamento urbano no Brasil que vinha se desenvolvendo: centrado no pensamento embelezador e higienista, direcionado à população de maiores renda e poder político.

A nova configuração na já citada distribuição espacial da população no espaço intraurbano de Votuporanga desencadeou algumas distensões nas formas de ocupação do espaço urbano que levou a uma redefinição do desenho urbano.

A ausência de leis de zoneamento e de um distrito industrial em 1970 desencadeou a instalação de algumas indústrias em áreas residenciais, causando incômodo à vizinhança e mesmo comprometendo a qualidade de vida da população. Assim, considerando a importância da indústria (agroindústria e indústria moveleira), para o município, na década de 1970, suscitou-se a instalação do I Distrito Industrial do município.

A questão é que mesmo na ausência de uma organização formal no âmbito municipal é certo que problemas já se exprimiam nas formas de ocupação e apropriação do espaço urbano. A “ausência de legislação urbana adequada” no município de Votuporanga foi um componente importante para algumas desarticulações do seu sistema urbano, até então formado. (VOTUPORANGA, 1971, v. 1, p 167). Apenas em 1976, com a aprovação da Lei Municipal nº 1534/1976, “abre crédito especial [...] para instalação do departamento de Serviços urbanos”, durante o mandato do Prefeito Luiz Garcia De Haro. (Lei 1534 de 23/03/1976- Banco de Dados da PMV)

Assim, não bastando o problema desencadeado pelas incorporações de pequenas indústrias em locais inadequados, a cidade também não estava preparada para receber os fluxos migratórios advindo do campo, descontentes com a nova política agrária de modernização e atraídos pelas novas oportunidades de emprego oferecidas pela economia industrial.

No final do governo JK, no início da década de 1960, com o aumento da inflação no país e a crise econômica que se intensificou, o otimismo em relação à economia nacional se perde e, em 1964, o golpe militar dá início a um período essencialmente autoritário e, de atrofia dos direitos constitucionais.

A constituição do regime político autoritário que se iniciou com o golpe militar de 1964 e se estendeu pelos 21 anos seguintes, dá início a um período marcado pelo planejamento urbano na lógica excludente e conservadora, que considerava a cidade um campo de ação meramente técnico. Com relação aos planos urbanísticos elaborados para impedir o agravamento das condições de vida nas cidades do país, “desde os anos de 1965/1970, [...] sua elaboração (era estabelecida) sob o rótulo pomposo de Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado e apresentados como panaceia de todos os males do país” (BOLAFFI, 1979, p. 41).

Segundo Negrelos (1998, p. 96): “[...] A partir da década de 60 e até o início dos 80, assistiu- se à elaboração de uma grande quantidade de planos, numa etapa tecnocrática do planejamento urbano. Foi o ‘boom’ dos planos diretores integrados e das leis de zoneamento”.

Nesta lógica, os PDDIs se disseminavam pelo territorio nacional, com o controle do Estado sobre os municípios que estavam muito longe de exercerem a autonomia. Sobre o impacto do regime militar, que ancorou a burocracia e tecnocracia do início dos anos 1970, os municípios não tinham autonomia para legislar sobre o solo urbano e os planos diretores foram instituídos como instrumentos de controle do solo urbano, geridos e controlados pelo Estado Nacional através do SERFHAU.

As disputas pelo território no espaço urbano de Votuporanga/SP – Contradições no zoneamento de Interesse Social (ZEIS), 1996-2012

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Neste cenário, Votuporanga tem seu primeiro plano diretor, sob o título de Plano Diretor Integrado (PDI) aprovado no ano de 1971. Elaborado em pleno regime militar, o PDI de Votuporanga se estabelece num cenário em que o papel do planejamento é aplicado na manutenção do regime político e do sistema econômico ao qual estava vinculado.

1.3.2 Implicações e condicionantes para a reorganização territorial em Votuporanga –

agentes, regulação, novos loteamentos

1.3.2.1 O processo de elaboração e implantação do primeiro Plano Diretor de

Votuporanga: Plano de Desenvolvimento Integrado de 1971 - PDI-1971

“O planejamento é um processo contínuo que nunca se completa e que não termina com a elaboração dos planos, pois estes devem ser constantemente ajustados às transformações da vida dos grupos humanos a que se destinam”. (MELLO; MODESTO, 1965, p. 55).

Este item remonta ao processo de construção e implantação do Plano Diretor de Votuporanga/SP, que se dá a partir dos anos 1960 e utilizou a metodologia adotada pelo SERFHAU (Serviço Federal de Habitação e Urbanismo), que priorizava a coerência na elaboração do Plano e valorizava o diagnóstico dos problemas urbanos:

O Plano de Ação do Governo Municipal constitui-se num instrumento fundamental de política de desenvolvimento integrado de Votuporanga, desde que nele se consubstanciam as diretrizes básicas, extraídas do estudo da realidade local, e que deverão nortear a intervenção multilateral do poder público municipal, nessa mesma realidade [...]. (VOTUPORANGA, 1971, v. 2, p. 1).

O PDI de Votuporanga, assim como vários outros elaborados no mesmo período, foi subsidiado a partir das práticas e das proposições desenvolvidas na Prefeitura Municipal de Votuporanga, influenciados pelo IBAM.

Para efeito desta análise, é importante registrar a referência do caso de Franca/SP, através dos estudos de Ferreira (2007a), onde se buscou estabelecer um parâmetro para a compreensão do processo que contribui para a construção do PDI-1971 de Votuporanga e a influência da empresa privada de consultoria GPI também atuante em Franca, partir de 1967 e neste processo refletir dialeticamente sobre as propostas dos planos de ambos os municípios.

O GPI em Votuporanga, bem como em Franca, abrigava um corpo técnico multidisciplinar, e ambos os municípios tiveram seus planos financiados inicialmente, com recursos oriundos do FIPLAN- Fundo de Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local Integrado.

O franco desenvolvimento de Votuporanga em diversos setores econômicos e a inexistência de leis especificadas de regulação do espaço urbano levou os gestores públicos municipais a perceber a necessidade de direcionarem suas políticas públicas no sentido da promoção do planejamento físico do município. Assim, no final da década de 1960, precisamente em 1969, a prefeitura contratou a empresa de consultoria privada, a GPI para elaborar o Plano de Desenvolvimento Integrado (PDI- 1971). O GPI era liderado pelo engenheiro Sérgio Mota, e composto por um corpo técnico multidisciplinar formado por profissionais vinculados às organizações clandestinas de esquerda e de oposição ao regime militar, com uma posição crítica à tecnocracia, permitindo discutir as análises existentes sobre o período do SERFHAU e ao perfil tecnocrático do planejamento governamental. (FERREIRA, 2007b).

Para Feldman (2005b), a criação do SERFHAU representa a legitimação do urbanismo e da ideia de Plano de Desenvolvimento Local Integrado, e repercute na criação de órgãos de planejamento nas administrações municipais estruturados para desempenhar esta atividade, no entanto, sua atuação através da incorporação de possibilidades dos municípios contratarem a elaboração de planos, potencializa a pratica profissional fora das administrações e é neste vertente, fora da administração pública, que a partir dos anos de 1960, se constrói a pratica da elaboração de planos pelas mãos de equipes multidisciplinares.

O Plano de Votuporanga foi elaborado e implantado durante as reformas administrativas promovidas durante o mandato do Prefeito Municipal, o Sr. Ernani de Matos Nabuco, reeleito pela Arena, partido de suporte político do governo militar.

O primeiro mandato do Nabuco era o momento de ‘arrumar a casa’, especialmente entre os anos de 1960 e 1962. A cidade quase não era provida nem com pavimentação, nem com infraestrutura (esgoto e galerias pluviais). Contava, apenas, com serviço de água emergente, e as residências eram supridas com fossa embora a gestão anterior, sob o mandato do prefeito João Gonçalves leite, tivesse sido competente sob vários aspectos apesar da crise política que seu governo enfrentou. As verbas eram poucas e as poucas obras já feitas, não foram planejadas: um exemplo disso é a Avenida Brasil que fora pavimentada sem infraestrutura subterrânea. Várias erosões que margeavam os córregos da cidade e contribuíram para construção de avenidas: nós ganhamos grandes avenidas que serviram para sanar os problemas das erosões. Nabuco procurou cuidar dos aspectos urbanísticos de Votuporanga. Além de investir pesado em obras de infraestrutura, também construiu praças e o ‘teatro do povo’, assim denominado por ele, onde hoje é a concha acústica. [...]

No segundo mandato, Nabuco disse: “a cidade está a tendida, agora vou priorizar o

município”. Com isso Nabuco pensava em trabalhar o território municipal. Naquele momento

a agricultura e pecuária estavam acontecendo de forma tímida no município. Nabuco pensava: que com atividade agrícola forte, a cidade também se fortalecia, e estimulava inclusive, o processo de urbanização que já estava em processo. (Entrevistado 5, em entrevista concedida à autora em 06/06/2014).

O PDI-1971 foi abrangente em várias dimensões que primam pelo desenvolvimento dos meios físico, territorial, social, econômico e cultural do município. No entanto, perceber a necessidade de

As disputas pelo território no espaço urbano de Votuporanga/SP – Contradições no zoneamento de Interesse Social (ZEIS), 1996-2012

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capitanear políticas públicas visando o planejamento do município não era o único motivo para a implantação do PDI-1971.

Tratava-se de um momento em que a “comercialização” dos Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado era intensa, sendo seus efeitos sobre o espaço urbano criticados por sua escassa eficácia. Na sua maioria, estes Planos trabalhavam com diagnósticos, muitas vezes irreais, especialmente pelo fato na sua grande maioria, serem elaborados a distância do município no qual seria implantado e representaram instrumentos de soluções práticas de problemas que necessitavam de resultados imediatos. Foi comum o fato de desconsiderarem condições urbanas e sociais locais, terem como pano de fundo a compreensão do “planejamento tecnocrático”, disseminada por setores do regime militar.

No caso de Votuporanga, o PDI-1971 há quem o considerou como obsoleto chegando a afirmar que o Plano “errou em quase tudo”, merecendo destaque as questões ligadas ao plano físico do município. (SANT’ANA, 2007).

Uma das questões que o Plano coloca, e que, no entanto, não foi obedecida, diz respeito ao crescimento da malha urbana de Votuporanga, transpondo o eixo rodoviário no sentido centro-norte, quando o PDI-1971 recomendava para a mesma área a expansão do setor agroindustrial, e apontava para a forte presença agropecuária, num momento simultâneo a chegada e consolidação da indústria moveleira no mesmo local.

É, contudo, no período de 1960 e 1968 que se dá um processo de alastramento horizontal apresentando aspectos deformadores e perigosos. [...] evidencia-se uma forte atração pela rodovia BR-33. Para o norte e para o leste surgem loteamentos ‘espichados’ para as margens da rodovia. [...] A técnica urbanística moderna trata de evitar o que se denomina conflito de usos, sobretudo quando se trata de conflito agudo com ameaça à integridade física do habitante. Uma rodovia de importância e porte da BR-33 não somente tem vocação para o adensamento de seu trafego como tende a ser alargada no futuro [...] Além do ruído crescente, dos gases de combustão e da necessidade de campo de visibilidade, deve permanecer livre de qualquer perturbação exógena. [...]. Permitir adensamentos de residências às margens de uma rodovia de tal porte, significa submeter uma parcela da comunidade a todos os inconvenientes citados (perigo de acidentes, ruído, gases de combustão, etc.). (VOTUPORANGA, 1971, v. 1, p. 155).

A partir de 1981, oficializa-se o acesso principal que liga a Zona Norte da cidade as demais localidades já consolidadas do município. Com a promulgação da Lei n. 1.817 de 12 de maio de 1981, “autoriza-se a Prefeitura Municipal de Votuporanga a celebrar convênio com a Secretaria de Obras e do Meio ambiente do Estado de São Paulo, com a concordância sobre a construção de viaduto sobre a rodovia Euclides da Cunha, na Ligação com a Av. Brasil. (Banco de dados da Prefeitura Municipal de Votuporanga - 2012” (Lei 1817 de 12/05/1981- Banco de Dados da PMV).

Tratava-se de um momento bastante emblemático para Votuporanga, que nos anos seguintes assistiria a força e os reflexos do setor industrial que começavam a se instalar na zona norte da cidade, reflexos estes que se centravam nos novos arranjos da estrutura urbana de Votuporanga e que também

estariam ligados ao adensamento populacional mais significativo que o município até então havia presenciado.

Tabela 1.7 - Evolução da População de Votuporanga de 1960 a 1970

Município