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1 2º Distrito e Polo

Mapa 2.15 – Evolução da malha urbana de Votuporanga – Década de

2.4.4 Diretrizes para o Plano Diretor de

Os processos de interiorização da indústria e dos fluxos migratórios advindos da metrópole paulistana contribuem para o desenvolvimento da indústria42 que se tornou, a partir dos anos 1980, a principal atividade econômica de Votuporanga.

Dentre os elementos mais importantes no desencadeamento do processo de interiorização da indústria assumem destaque as deseconomias de aglomeração, especialmente os custos do sistema de transporte de cargas e de passageiros, e os custos de infraestrutura urbana, além das políticas restritivas à instalação de empreendimentos industriais na Região Metropolitana de São Paulo.

As políticas de desestímulo à implantação de empreendimentos industriais na capital e no seu entorno mais imediato, especialmente no tocante ao uso de recursos hídricos e aos custos dos sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo, aliado ao desemprego, alta rotatividade da força de trabalho e deterioração dos principais indicadores de qualidade de vida, parecem ter funcionado como importante mola propulsora da interiorização da indústria no Estado de São Paulo, especialmente daquelas potencialmente mais nocivas ao meio ambiente. (SEADE, 1993, NEGRI, 1996) 43

Rodrigues (2006ª), ao analisar dados da Seade (1993), coloca que:

[...] durante os anos 80 assistimos a um esforço do governo do Estado de São Paulo em melhorar as condições das estradas estaduais [...] através dos serviços de manutenção, duplicação, implantação de terceiras faixas e obras de arte, além da pavimentação de dezenas de estradas vicinais beneficiando o escoamento da produção agrícola para os centros distribuidores ou agroindustriais de processamento. [...]. Esse esforço acabou por se traduzir, na década de 1980, em elevado crescimento da indústria interiorizada, que passou a apresentar participações crescentes no total da indústria e no valor de transformação industrial (VTI), enquanto a indústria da Região Metropolitana declinava suas participações. (RODRIGUES, 2006ª, p. 65).

O processo econômico estadual contribui para a determinação da estruturação urbana do município, ao estimular os vetores de expansão urbana para a zona norte, atrelando a formação de territórios populares ao primeiro distrito industrial, forçando uma proximidade entre oferta de emprego e mão de obra, contribuindo desta forma, para uma nova conformação do perímetro urbano.

Com a instituição do primeiro distrito industrial na zona norte da cidade, superando inclusive os princípios do PDI-1971 que indicava que o perímetro urbano do município não ultrapassaria os eixos rodoviários constituídos a oeste pela Rodovia Péricles Belini – SP 461 e a norte pela Rodovia Euclides da Cunha-SP320, que, aliados à linha férrea localizada na porção sul de Votuporanga, formavam a conformação triangular da área urbana, “não transponível”, defendida pelo PDI-1971:

O primeiro distrito atraiu moradias populares, cujo direcionamento buscou a proximidade com o parque industrial direcionou as localizações das classes populares, conforme ora mencionado. Na

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Após 1978, o município já contava com dois distritos (Primeiro Distrito e Polo Comercial e Industrial) respectivamente implantados na zona de expansão norte e noroeste do perímetro urbano e assim no início dos anos de 1980, Votuporanga era considerada um dos principais polos indústrias de móveis do Estado de São Paulo.

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década de 1980 todo o parque industrial de Votuporanga entra em declínio e com isso a classe trabalhadora, comprometida e impulsionada pelas constantes pressões do capital imobiliário, não mais consegue custear seus gastos com moradia, iniciando novos deslocamentos espaciais buscando por habitação e espaço, em áreas intra e periurbanas, ajustando novos contornos ao perímetro urbano e reforçando fisicamente a lógica do capital imobiliário.

Mapa 2.16 – Evolução da malha urbana de Votuporanga – Década de 1990

Fonte: Mapa base do PDP-2007 e Banco de dados da Prefeitura Municipal de Votuporanga (2013) e Lista de aprovação de loteamentos (anexo) PLHIS-2010 – Elaboração Própria

Junto às alterações do perímetro urbano, nota-se também que o zoneamento municipal sofreu modificações em áreas já constituídas, além de novas inserções em áreas expandidas, reforçando a premissa de que apesar dos conflitos então vivenciados, buscavam-se caminhos através do planejamento municipal para um possível direcionamento físico e territorial de forma mais centralizada, através da elaboração do PDM-1996 que instituía condições para o parcelamento, uso e ocupação do solo no município.

O plano de 1996 deixa espaços incontáveis para a elaboração de leis complementares, sob a ótica de um planejamento flexível às demandas do mercado imobiliário. Na visão de Villaça (1999, p. 221), “O plano de políticas e diretrizes gerais para posterior detalhamento é o plano predestinado à prateleira”. Esta permissividade de futuras redefinições de indicação de usos e parâmetros para o solo

urbano é prática recorrente no território de Votuporanga, que não se “cura” com o plano de 2007 analisado mais adiante neste trabalho.

No final da década de 1970 e início da década de 1980, a partir da expansão da zona norte de Votuporanga, observa-se também uma expansão do centro tradicional se contraponto à distensão da periferia urbana e, portanto, em Votuporanga, a clássica tensão centro-periferia é ampliada. Assim, o recorrente processo de periferização na direção da malha norte produziu e estimulou a valorização imobiliária da região central, após a década de 1970 (ao longo das décadas de 1980 e 1990), promovendo a verticalização transformando tal área como um local de domínio das camadas de alta renda, estando cada vez menos acessível aos pobres. Para Singer, a demanda por solo urbano também distingue vantagens locacionais, determinadas principalmente [...] pelo acesso aos serviços urbanos. A população pobre fica sujeita às zonas piores servidas e que, por isso, são mais baratas. Singer (1979 p. 27). Santos já faz uma abordagem mais voltada para a questão social do indivíduo: As desigualdades existentes nesta ou naquela região determinam essa desigualdade no valor de cada pessoa, tais distorções contribuindo para que o homem passe literalmente “a valer em função do lugar onde vive”. (SANTOS, 2007, p. 107).

As disputas entre indivíduos da camada de renda alta pelo centro tradicional são diretamente proporcionais à disputa da classe de baixa renda por localizações de moradia popular no entorno dos distritos industriais, que na sua concepção Villaça (2001, p. 23) aborda que “a acessibilidade é mais vital na produção de localizações do que a disponibilidade de infraestrutura”. Para Harvey (1982, p. 375 apud VILLAÇA, 2001, p. 22), “o espaço é um atributo material de todos os valores de uso”.

Os deslocamentos espaciais intraurbanos em Votuporanga contribuíram para a “conformação” das primeiras ocupações irregulares, que se disseminaram pelo tecido urbano e Votuporanga, sobretudo nas áreas de mananciais, ao longo de córregos e fundo de vale. Mais tarde, com a aprovação do PDM-1996, estas áreas restritas a este tipo de ocupação, tiveram atenção especial e foram instituídas como ZEP (Zona Especial de Preservação) sendo esta uma categoria da Zona Especial no município, que, embora apenas legalmente instituídas a partir do zoneamento municipal em 1996 através da aprovação do Plano Diretor Municipal de 1995, elas já haviam sido ocupadas na cidade acompanhando o direcionamento da classe trabalhadora (de baixa renda).

Villaça (2011, p. 27) entende este processo como a produção do espaço pelo trabalho do homem e neste conjunto estão incluídos a produção de edifícios, infraestrutura urbana, vias e praças. “Esses elementos são, cada um, produtos do trabalho imediato, que é apenas um grupo de pessoas, como o são quase todos os produtos”.

Assim, observa-se que a produção física e social do espaço intraurbano de Votuporanga se dá, sobretudo em função dos resultados das pressões econômicas e pela movimentação da população, de

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diferentes classes, no sentido da apropriação de porções do território, então favoráveis ao consumo e reprodução.

Tal quadro levou os elaboradores do Plano Diretor de 1996 a estabelecerem diretrizes para a implantação de políticas de ‘Interesse Social’ para incentivar a política habitacional que atenderia à crescente demanda da camada popular, além de preencher áreas sob a custódia dos especuladores imobiliários e reter os vazios, especialmente os consideráveis vazios formados na zona leste da cidade. É notório que os problemas vivenciados pelos efeitos da crise no parque industrial alteravam a estrutura urbana do município. Inclusive tratava-se de uma nova fase no processo de inovações na regulamentação físico-territorial do município. Aprovava-se a Lei do Plano Diretor Municipal-PDM- 1996 cuja elaboração foi motivada, também como a utilização de um instrumento de superação da estagnação econômica e como parâmetro para superação do processo de urbanização limitada pela precariedade da infraestrutura, pelas más condições salariais da indústria moveleira. Pode ser considerado um marco de modernização regional nos conceitos de planejamento urbano, especialmente por amparar de forma instrumentalizada, a realidade local.

Nesse momento, no cenário nacional, intensificavam-se as discussões sobre a problemática urbana, a partir dos movimentos de reforma urbana e da construção da Constituição Federal em 1988. Como descreve Kowarick (1983) o processo de metropolização já mostrava a sua face cruel e os indícios de uma nova ordem urbana eram debatidos em todos os cantos. O Plano de 1996 em Votuporanga trouxe no seu texto diagnóstico os conteúdos dessa discussão e fomentava a necessidade de se considerar a função social da cidade.

Segundo seus operadores, tal plano reforçava a importância da equidade entre os custos e os benefícios dos investimentos públicos, balizando o direito de propriedade do solo e o direito de construir, reassumindo para a sociedade ou coletividade, parte do valor imobiliário decorrente da ação do Poder Público, a necessidade de se realizar a regularização fundiária, a produção de habitação de interesse social, as operações urbanas consorciadas, o imposto progressivo e outros temas contemporâneos.

O Plano de 1996 é gestado com olhares direcionados no Movimento Nacional pela Reforma Urbana, que proclama a luta pelo direito à cidade e à moradia, com serviços de infraestrutura urbana e equipamentos coletivos. A respeito deste assunto, Nelson Saule Junior (2009) aborda que:

Assume-se, portanto, a crítica e a denúncia do quadro de desigualdade social, considerando a dualidade vivida em uma mesma cidade: a cidade dos ricos e a cidade dos pobres; a cidade legal e a cidade ilegal. Condena a exclusão da maior parte dos habitantes da cidade determinada pela lógica da segregação espacial; pela cidade mercadoria; pela mercantilização do solo urbano e da valorização imobiliária; pela apropriação privada dos investimentos públicos em moradia, em transportes públicos, em equipamentos urbanos e em serviços públicos em geral. (SAULE JR., 2009, p. 2).

Os membros da equipe do novo Plano de 1996 eram militantes que compunham o grupo de esquerda tanto da administração local, quanto nacional. A nova lei defendia a participação popular já estimulada pelo processo Constituinte de 1988, como acesso direto ao direito às discussões e ao acesso democrático à cidade. O caráter político-ideológico do Plano visava atender às diretrizes da nova política urbana (Entrevistado 1 em entrevista concedida a autura em outubro/2013) que estava se esboçando já com as discussões do projeto de lei do Estatuto da Cidade. Embora elaborado e aprovado cinco anos antes da promulgação do Estatuto da Cidade, o Plano de 1996 sofreu forte influência do projeto de lei em discussão no país.

É possível que a influência possa ter sido motivada pela linha ideológica dos próprios integrantes44 da equipe, os quais tinham acesso direto às discussões que antecedem a elaboração e aprovação da Lei Federal n. 10.257/2001, do Estatuto da Cidade. O texto original da lei municipal de 1996 previa o IPTU Progressivo, as Operações Urbanas Consorciadas e Outorga Onerosa do Direito de Construir, dentre outros, porém todos estes instrumentos foram vetados pelo órgão jurídico municipal por serem compreendidos como inconstitucionais (Entrevistado 1, em entrevista concedida a autura em outubro/2013). “Embora originalmente inovadora, a Lei foi aprovada com uma diferente roupagem”.

A partir do Plano de 1996 se estabelecem diretrizes no sentido de orientar as políticas de Interesse Social no município, já que o Plano foi justamente pensado para mitigar os efeitos da crise da indústria local e atender à crescente demanda da camada popular. Sob esta égide, a lei de zoneamento estabelece parâmetros especiais para áreas destinadas ao interesse social.

O novo Plano significava a esperança de novos negócios, desenvolvimento e progresso que buscou, através de uma inédita leitura de Votuporanga, dar nova dinâmica econômica ao município, cuja discussão pautou-se pela lógica do desenvolvimento econômico. Houve quem considerasse o Plano anterior (PDI-1971) obsoleto e ineficaz. Segundo Sant’Ana, ao pesquisar os planos de Votuporanga:

Depois de ser aprovado, o Plano de Desenvolvimento Integrado de Votuporanga, foi abandonado pela administração pública local e nunca foi realmente colocado em prática. Após 24 anos de esquecimento e obsolescência, voltou a ser discutido por ocasião de sua revisão que originou o Plano Diretor de Votuporanga- PDM de 1996. (SANT’ANA, 2007, p. 76). O Plano de 1995 pode ter sido o que obteve os melhores êxitos graças a vários aspectos, mas entre eles destaca-se a participação – ainda que aquém do esperado – da sociedade organizada e da forma como foram conduzidos os trabalhos técnicos, a metodologia de elaboração manteve o diálogo permanente com as representações da sociedade local como um todo (SANT’ANA; FAVA; BUENO; 2010, p. 15).

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Segundo entrevistado 10 em entrevista concedida a autora em 04/01/2015, O L’Habitat não participou oficialmente do PDM-1996 pois isso implicaria em um convênio entre a PUC-Campinas e a SEARVO (Sociedade do Engenheiros e Arquitetos da Região de Votuporanga (que organizou a elaboração do Plano). “A influência a qual o entrevistado 1 se refere está na colaboração informal, porém tecnicamente qualificada de pessoas que participaram de projetos no L’Habitat, e trabalhos feitos pelo laboratório. Especialmente o plano diretor de Pirassununga, na época uma referência, visto que os planos não haviam sido ainda regulamentados e nem haviam muitas metodologias participativas disponíveis.

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Diversas emendas e alterações foram realizadas nas Leis derivadas do PDM-1996 para atender às novas demandas locais, especialmente aquelas pautadas nas políticas públicas e ações do poder público local, restritas a grupos, cujos interesses específicos e particulares seguiram a lógica econômica ligada às necessidades imediatas, as quais tem se constituído em entraves sociais que tendem a ser solucionados por parâmetros econômicos, especialmente os vinculados aos interesses dos especuladores imobiliários.

Quanto à retenção dos imóveis urbanos para fins especulativos, hoje tratada no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001)45, o PDI-1971 já se manifestava contrastais práticas: “Pior ainda é permitir- se que a cidade transponha a rodovia e se acomode às duas margens”. (VOTUPORANGA, 1971, v. 1, p. 155). Embora não se manifeste de forma direta tal questão, pode-se afirmar que a orientação acima colocada pelo PDI-1971 é justificada pela quantidade de vazios urbanos existentes naquele momento, conformados para “dentro” dos limites dos eixos rodoviários (e consequentemente, da ferrovia): “Houve, no último período, uma exacerbação da prática de loteamentos, de outro modo não se constataria, para uma gleba loteada total de 618 há, uma área urbana efetivamente ocupada de 363 há”. (VOTUPORANGA, 1971, v. 1, p. 155).

Não apenas por áreas intensamente vazias, mas também pouco ocupadas é que se caracterizava o tecido urbano de Votuporanga no início dos anos de 1970:

[...] o processo de urbanização de Votuporanga caracteriza-se por uma grande defasagem entre a abertura de loteamentos e a sua ocupação efetiva. É bastante ilustrativo o loteamento realizado em 1952 de propriedade da CIA Melhoramentos de Votuporanga, e que ainda hoje se apresenta bastante rarefeito. (VOTUPORANGA, 1971, v. 1, p. 156).

Figura 2.11 – Avenida Prestes Maia- (indicada) década de 1950

Fonte: PMV- Secretaria Municipal de Cultura e Turismo em 07/08/2013

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Capítulo I, Art. 2º Item VI - ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: [...] e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização [...].