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1.2 1930 a 1964 Fundação, Ferrovia e Início da Regulação Urbana no Território

Mapa 1.10 Mapa de Pierre Monbeig para os limites e fazendas da Alta Araraquarense

Fonte: Monbeig (1984, p: 217) - s/escala- Com intervenção da autora

A empresa era dirigida pelos alemães Guilherme Von Trumbach e Karl Hellwig. Theodor Wille teria vindo ao Brasil em 1838 e trabalhado em empresas alemãs até fundar as firmas Wille, Schimillinski e Cia. (no Rio de Janeiro) e Theodor Wille & Cia. (em Santos). Theodor Wille & Cia. ficou conhecida por exportar a primeira saca de café da província de São Paulo para a Europa. Monbeig ao analisar a formação do oeste pioneiro, já mostrava a importância das empresas no processo de demarcação dos novos territórios: “obra verdadeiramente colonizadora, só fazem as grandes empresas”. (MONBEIG, 1984, p. 147).

A área da gleba Marinheiro de Cima pertencia a Francisco Schimidt, um grande fazendeiro, na época conhecido como “Rei do Café”. A fazenda Marinheiro de Cima constituía uma imensa gleba de terras, tomada por mata fechada, e fora adquirida no início do século anterior pelo fazendeiro Schimidt.

Em 1936 o café não atingiu o preço suficiente para que Schimidt quitasse um empréstimo feito para custear a lavoura e, por causa das dívidas, foi obrigado a entregar as terras à empresa Theodor Wille.

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Figura 1.1 - Capa da escritura de doação em pagamento passando as terras do Sr. Schimidt

para a Theodor Wille, em 28 de dezembro de 1936, Lv.510, Fl 042.

Fonte Secretaria Municipal de Cultura da PMV em 12/02/2014. Com intervenção da autora

Em 1936, Francisco Schimidt, que residia em Ribeirão Preto, em saldo da dívida contraída, transferiu a propriedade de suas terras para a empresa alemã Theodor Wille, onde existia a intenção de retalhar a imensa área em pequenas propriedades agrícolas. Para desenvolver o parcelamento da gleba, contrataram os serviços da Companhia Retalhadora de Terras, com sede na cidade de São Paulo e com escritório regional em São José do Rio Preto, sob a orientação do topógrafo Otávio Rittel e contando com a participação dos agrimensores alemães Guilherme Von Trumbach e Karl Hellving. “O primeiro passo foi aproveitar a sede existente no coração da gleba (da fazenda Marinheiro de Cima), construída de pau-a-pique, quase abandonada e fincar ali a bandeira nazista”. (SOUZA, 2007, p. 71).

Figura 1.2 - Sede da empresa Alemã Theodor Wille

Fonte: Secretaria Municipal de Cultura e Turismo da PMV (fornecida a autora em 07/08/2013).

Na tentativa de compreender o passado, o processo de colonização da região de Votuporanga e a forma como seu primeiro núcleo urbano se formou, foram utilizadas as informações contidas no livro “Subsídios para a história de Tanabi”, de autoria de Sebastião Almeida de Oliveira, escrivão do cartório de Tanabi que compareceu ao povoado de Votuporanga, no final da década de 1930, para regularizar as primeiras porções de terra desmembradas.

Não se sabe como os alemães se fortaleceram enquanto “retalhadores” diretos e indiretos das terras do sertão Paulista, mas é provável que o cerne desta questão esteja na herança de suas origens já que, no final do se XIX e início do XX, a Alemanha, ao lado de outros países europeus, como a França e a Inglaterra, juntamente aos Estados Unidos da América, estavam estruturalmente avançados do ponto de vista urbanístico. Acredita-se que, da mesma forma que existia importação/exportação de produtos e matérias primas, o mesmo ocorria com conhecimento e mão de obra. Cabe destacar aqui que até a Constituição de 1891, o Brasil tinha suas raízes comerciais cravadas na Europa.

Em 14 de março de 1937, dois engenheiros alemães, Guilherme Von Trumbach e Karl Hellwig, juntamente com Sebastião Braga, Pascoal Albanese e Demetrio Acácio de Lima (moradores das fazendas das imediações), para determinar o exato local onde seria implantado o centro do vilarejo, levaram em conta a altitude e a proximidade com a sede da Fazenda Marinheiro de Cima, que estava a aproximadamente dois quilômetros. “Assim, o centro foi construído na parte mais alta da gleba. Foi então se formando um núcleo de casas ao longo de uma estrada aberta de forma rudimentar, que mais tarde se transformaria na atual Rua Amazonas em Votuporanga, a mais importante da cidade”. (SOUZA, 2007, p. 81). Na ocasião, fora contratado um engenheiro (alemão), chamado Otoo Rittil, para supervisionar os trabalhos de retalhar a grande área verde e demarcar ruas, que inicialmente

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instalou-se no estado do Paraná (Ponta Grossa), e posteriormente tomou seu rumo definitivo em direção às terras do oeste paulista: “o objetivo da contratação do engenheiro alemão Otto Rittil pela firma Theodor era abrir clareiras, criar ruas e preparar a gleba para ser comercializada [...] pouco a pouco o lugar tomava status de povoado”. (SOUZA, 2007, p. 88).

A Companhia Retalhadora de Terras, (“Empreza Paulista de Retalhar Terras”) era uma companhia subsidiária da firma Theodor Wille, encarregada do loteamento e comercialização de terras de propriedade da Theodor Wille7. (REVISTA COMEMORATIVA DO JUBILEU DE PRATA, 1962, p. 13; RODRIGUES, 2006a, p. 28).

Figura 1.3 - Carta de nomeação do Sr. Pascoal Albanese, para “retalhar” e vender as terras da Fazenda

Marinheiro de cima- (Cópia do documento original) 1937.

Fonte: Secretaria Municipal de Cultura e Turismo da PMV (fornecida a autora em 12/02/2014).

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Em virtude da entrada do Brasil na II Guerra Mundial ao lado das potências aliadas, os bens da Companhia Theodor Wille, firma de origem alemã, foram confiscados pelo governo getulista e entregues a uma comissão liquidante do Banco do Brasil, sob a presidência do Ministro Ataulpho de Paiva (PONTES, 2001, p. 132-136; RODRIGUES, 2006, p. 39).

Figura 1.4 - Contrato de Compromisso de compra e venda da Empresa Paulista para retalhar terras, referente às terras da

Fazenda Marinheiro de cima- (Cópia do documento original) 1952.

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A incorporação capitalista do Oeste Pioneiro, especialmente do capital imobiliário, foi de suma importância formação da rede urbana do Oeste Paulista “inclusive a fundação do patrimônio de Votuporanga se deu por força da necessidade do capital imobiliário de atrair compradores para o loteamento recém-aberto da Fazenda Marinheiro de Cima”. (RODRIGUES, 2006a, p. 28).

Em 1936, Francisco Schmidt por convenção contratual e em saldo de uma dívida contraída, passou a propriedade da Fazenda Marinheiro, para a firma Theodor Wille, no valor de 720 contos. Após a transação, os representantes da firma adquirente, o barão Guilherme Von Trumbach, e Karl Helwig, resolveram fazer o retalhamento da gleba em pequenos lotes, vendáveis a prestações e a longo prazo por preços razoáveis. A concessionária desse serviço foi a Companhia Retalhadora de Terras [...] que fez a demarcação dos terrenos em retalhamento [...] O plano de loteamento foi acrescido de um importante detalhe: a fundação de um pequeno patrimônio para facilitar a venda das terras. (REVISTA COMEMORATIVA DO JUBILEU DE PRATA DE VOTUPORANGA, 1962, p. 10-11).

Os terrenos, então denominadas “datas”, foram demarcados e postos à venda por preços acessíveis e comercializados rapidamente. “As propriedades rurais eram oferecidas glebas de 5, 10, 20 e 50 alqueires” (SOUZA, 2007, p. 76). A fundação do patrimônio de Votuporanga se deu por força da necessidade do capital imobiliário de atrair compradores para o loteamento recém-aberto da Fazenda Marinheiro de Cima. Sob esta lógica de incorporação do capital imobiliário, passou a existir a necessidade de se criar um núcleo urbano, para dar suporte aos proprietários das glebas menores.

Importante fixar que não havia planejamento ou restrição legal que respaldasse o processo de ocupação e formação do oeste paulista (acrescenta-se aqui também a ocupação de franjas do norte do Paraná, também estudadas por Monbeig -1984). Contudo, não se pode ignorar o fato de que estes processos contribuíram para a configuração atual das cidades, sobretudo nas suas formas de estruturação física e social.

É ainda profundamente anárquica a colonização das zonas pioneiras dos planaltos ocidentais paulistas [...] cumpre não buscar nela plano algum de conjunto, visão alguma de longo alcance e sim nada mais do que o interesse imediato dos quadros dirigentes, fazendeiros e vendedores de terras. [...]. Ora, a marcha pioneira não conhece nem generais, nem estratégias, nem mapas. (MONBEIG, 1984, p. 162, 165).

Nas palavras de Villaça (2012 p. 91), o centro antecede a cidade: “O centro principal, forte ou fraco, sempre único é o mais importante elemento da estrutura urbana; é o único que existe em todas as cidades de todos os tamanhos e de qualquer período histórico”.

Aos 8 dias do mês de agosto de 1937 foi fundado esse núcleo que passou a receber obras de uso público como praça, vias, sendo parte das áreas da praçareservada à construção de uma igreja, já que “historicamente, os centros urbanos sempre exaltam Deus e o Estado” [...] “Há milênios, os centros das cidades foram construídos pela aglomeração de instituições de comando da sociedade” (VILLAÇA, 2012, p. 105).

Ainda de acordo com Villaça (2012, p. 101-102):

Sempre que um aglomerado formado por uma sociedade organizada começa a se constituir, começam a surgir também os deslocamentos espaciais humanos sistemáticos, e com eles, começa a se formar aquilo que se chama “o centro do aglomerado” [...] sua constituição organiza um espaço que otimiza os tempos gastos nos deslocamentos sistemáticos dos membros desta sociedade [...] ele começa a surgir a partir do momento em que há intercâmbio de produtos e trabalho, instituições coletivas, como o governo e a religião. Surgem então os locais que facilitam este intercâmbio (locais de acessibilidade ótima) e onde se localizam as estruturas que abrigam tais instituições (o templo, o palácio, o mercado). Estes espaços constituídos pela aglomeração das instituições de interesse coletivo tornam-se o centro da cidade.

A construção das benfeitorias atraiu um número cada vez maior de famílias que promoveram o crescimento do povoado. A área destinada ao núcleo urbano era de 30 alqueires e, no dia da inauguração, 10 alqueires já estavam prontos e definidos com ruas, lotes e praças: “[...] a 08 de agosto de 1937 inaugurou-se o patrimônio da cidade, dividindo-se em lotes e pondo-se à venda 72,6 hectares, onde a Companhia Retalhadora de Terras, proprietária da área e responsável pela iniciativa, demarcou ruas e praças”. (VOTUPORANGA, 1971, v. 1, p. 2).

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