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A luta pela liberdade em Palmares

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 108-113)

Ao tratarmos de resistências, em geral, das fugas e sobretudo dos quilombos, não poderíamos deixar de fazer uma breve apreciação ao mais conhecido quilombo da história do Brasil. Incrustado no seio da sociedade escravista luso-brasileira por praticamente todo o século 17, Palmares, um conjunto de comunidades autônomas levantadas por cativos

fugidos na vasta região de densa mata nativa entre os atuais estados das Alagoas e de Pernambuco, chegou a ser habitado por milhares de homens, mulheres e crianças então livres do escravismo colonial. Formado em sua maioria por cativos fugidos das plantagens açucareiras do nordeste, o quilombo também contou com forte presença de nativos, principalmente as mulheres, das quais teriam nascido filhos mestiços, e de brancos pobres com problemas na Justiça colonial. Há uma grande indicação de que africanos de origem

banto

angolana tivessem papel determinante na influência étnico e cultural de Palmares. O desequilíbrio entre homens e mulheres fez com que nativas americanas em boa quantidade se somassem aos homens, em relações poligâmicas e mesmo polândricas. Fatores estes que, dentre outros, teriam influenciando também na cultura, costumes e linguagem palmarina, como tem sido constatado em urnas funerárias e demais objetos de cerâmica (realizada principalmente por mulheres) encontrados em recentes descobertas arqueológicas. [LOPES: 2005, 33]

No fim do século 16, a região, uma espécie de fortaleza natural devido a vegetação e terrenos íngremes, servia de refúgio aos seus primeiros cativos fugidos dos engenhos escravistas próximos. Mas ao longo do século 17, Palmares foi tornando-se uma grande confederação de aldeias semi-autônomas e interligadas, centralizadas pela liderança de

Ganga Zumba

, a partir da sua cidadela principal,

Macaco

. Foi principalmente a conquista da região pelos holandeses, em 1630, quando muitos escravizadores proprietários de engenhos tiveram que abandonar suas terras, que proporcionou a maior quantidade de fugas de trabalhadores escravizados para a região, ampliando sua população.

A princípio, em suas aldeias autônomas os palmarinos pareciam querer buscar criar uma vida mais próxima possível da havida na África. Mas tinham de viver a realidade da região, que era totalmente nova. Pescando, caçando, coletando, plantando e até escambando os produtos de seu trabalho com moradores das vilas vizinhas, seu objetivo principal tornou-se levar uma vida livre dos ditames do escravismo colonial. Criaram em plena sociedade escravista uma alternativa afro-americana, tornando-se, desde os primeiros anos de organização, uma preocupação cada vez maior aos escravizadores. Periodicamente, os palmarinos também invadiam engenhos para libertar cativos, roubar comida e armas, seqüestrar mulheres, etc. A fama que Palmares vinha ganhando entre a população escravizada das regiões próximas também servia de estímulo para mais fugas dos engenhos

escravistas. Já em 1602, o então Governador Geral do Brasil, Diogo Botelho, mandava uma primeira expedição militar para pôr fim aqueles quilombos. Seria a primeira tentativa de destruição de Palmares e reescravização de seus habitantes, de outras quarentas ou até sessenta tentativas mais ao longo do século, cada vez maiores e mais poderosas. [GENOVESE: 1983; FUNARI & CARVALHO: 2005]

Muito do que se sabe hoje sobre a história de Palmares foi extraído de documentos e demais registros oficiais, produzidos por aqueles que o combateram e destruíram. São muitas as incertezas e controvérsias sobre diversas questões ainda sob pesquisa. Não se pode afirmar com certeza, por exemplo, o próprio nome de seu último e mais famoso general,

Zumbi

. Ele poderia ter chamado-se

Zambi

, que seria um título e não um nome. O certo é que foi em 1670, em relatório militar da capitania de Pernambuco que seu nome apareceu pela primeira vez. O documento atribuía a derrota de uma expedição reescravizadora fracassada graças às habilidades de um grupo de guerreiros liderados por Zumbi. Nos demais documentos da época, geralmente ele era descrito como bravo chefe guerreiro e difícil de ser vencido Tratavam-se de relatos militares, escritos por chefes de militares. Outro documento que também destacou sua bravura foi o do militar Manuel Lopes Galvão, que sugeriu ter o líder palmarino levado um tiro na perna durante um dos combates. O tiro o deixara manco, porém não o impedindo de continuar lutando. Também não há certeza se Zumbi teria sido um africano trazido à colônia lusitana ou se nascera livre em Palmares. Essa última alternativa tem sido a mais aceita, já que Zumbi era muito próximo, talvez parente, do líder Ganga Zumba, e muitos foram os homens e mulheres nascidos livres na região. [LOPES: 2005, 34]

Acredita-se que Zumbi teria nascido em 1655, um ano depois de os holandeses terem sido holandeses derrotados e expulsos do Brasil. Com a retomada do controle da região, escravizadores luso-brasileiros passaram a assediar Palmares com maior intensidade. O uso pelas milícias imperiais de armas de fogo e de artilharia, assim como a capacidade de abastecer rapidamente seus soldados brancos, nativos, mestiços e até mesmo negros livres e cativos, assinalava maior nível de desenvolvimento das forças produtivas materiais da formação escravista contra a resistência palmarina. Em 1675, Palmares foi atacada mais uma vez. Após sangrenta batalha, os agressores viram-se obrigados a se retirar para o Recife. Três anos depois, o governador da província de Pernambuco propôs acordo

com Ganga Zumba, garantindo liberdade aos nascidos em Palmares, direito à terra, comerciar livremente com as cidades vizinhas e inclusive títulos de vassalos do rei. Em troca, Ganga Zumba deveria partir com seus soldados para outra região, o Cucaú, e entregar parte da população palmarina aos seus antigos escravizadores. Ganga Zumba aceitou o acordo, mas Zumbi não, declarando-se o novo líder de Palmares e rompendo com o antigo líder. Ganga Zumba morreu logo depois de partir, por causas não bem esclarecidas. Segundo especulações, Zumbi teria mandado envenená-lo. Certo foi que todos que acompanharam Ganga Zumba ao destino acordado, confiando nas promessas do governo, foram traídos e reescravizados. [MAESTRI: 2006]

Em 1690, o bandeirante Domingos Jorge Velho [1641-1705], conhecido por seus métodos violentos de caçar, capturar e torturar nativos ou africanos fugidos, foi chamado para liderar um exército de nove mil homens e acabar com Palmares. Para se ter idéia da violência dos combates e da resistência palmarina, em 1692, durante batalha de três semanas ininterruptas, Domingos Jorge Velho viu uma de suas colunas de mil homens ser reduzida pela metade, tendo que fugir para salvar a própria vida. Aos poucos, porém, as aldeias quilombolas foram derrotadas pelas armas mais sofisticadas dos agressores. Macaco foi a última grande fortificação de resistência estática de Palmares. [FREITAS: 1984]

A revolta de Espártaco, seus gladiadores e demais trabalhadores escravizados da Antigüidade que fizeram estremecer os pilares do escravismo em Roma durou aproximadamente três anos. No Brasil, Palmares foi por quase um século o refúgio de homens e mulheres livres, em plena sociedade escravista. Resistência que só foi vencida com a morte de seu último general, Zumbi, em 20 de novembro de 1695. Um de seus soldados, Antônio Soares, após ser capturado e seviciado, teria traído o chefe guerreiro com uma punhalada nas costas. De posse de seu corpo, os mercenários do governo o mutilaram. Cortaram uma de suas mãos e seu órgão genital, pondo-o em sua boca. Sua cabeça foi decepada, salgada e enviada a Recife para apodrecer em praça pública e servir de exemplo aos demais cativos que ousassem desafiar os donos do poder. Era uma amostra da política altamente repressiva das classes dominantes na época aos subalternizados. Ainda assim não impediram o surgimento de milhares de outras fugas e formações de quilombos.

Emancipação x Abolição

Com o crescimento dos centros urbanos e do movimento abolicionista no país, as fugas, rebeliões e insurreições aumentaram. Jornais próximos ao ano de 1888 pareciam relatar uma verdadeira guerra civil. Cidades como Campinas, em São Paulo, Ouro Preto, em Minas, Porto Alegre ou Pelotas, no Rio Grande do Sul, entre outras, solicitavam reforços policiais devido aos levantes ou ciladas de cativos contra escravizadores, lutas de rua ou no campo e pela ameaça ou concretização de pequenas e grandes rebeliões. [SCHWARCZ: 1987]

Sociedades abolicionistas se multiplicavam e promoviam intensos debates. A defesa da abolição se tornava causa abraçada pelos ferroviários no Rio de Janeiro e em São Paulo, que ajudavam trabalhadores escravizados a fugir. Jangadeiros do Ceará também se recusaram a transportá-los em suas embarcações. Na estação de trem de Jabaquara, em São Paulo, mulheres abolicionistas impediram o desembarque de tropas repressoras de cativos rebelados, comemorando depois sua vitória sobre os escravizadores em grande festa popular. Diante dessa crescente pressão social, no Ceará, Amazonas ou em diversas cidades de outras províncias foram desenvolvidos movimentos na perspectiva de libertar todos os cativos, antes de 1888. Até oficiais abolicionistas do recém fundado Clube Militar encaminharam à princesa Isabel respeitoso requerimento que “suplicava” a não utilização do Exército como “capitães-do-mato” dos escravizadores diante das fugas em massa e inclusive resistência armada de alguns cativos rebelados. [MORAES: 2005, 83]

Emancipacionistas sugeriam o fim progressivo do sistema, indenizando o escravizador, enquanto abolicionistas radicalizados exigiam seu fim o mais breve possível. A Abolição da escravidão se fazia inevitável pela pressão e luta geral desses últimos, aliados a rebeldia cativa. A emancipação se tratou no fundo de uma forma de protelação ao máximo do sistema escravista, sugerindo sua extinção de forma legal, demorada, controlada e indenizada aos escravizadores. Em Pelotas, os barões escravistas do charque antecipavam a “libertação” de seus cativos anos antes de 1888, o que criou o mito de que eram progressistas. Na verdade, firmavam contratos onde os “libertos” deveriam trabalhar de graça para eles ainda por mais sete anos, até pagar os custos em “comida” e “habitação” que se “gastara” com eles. Desta forma, conseguiam manter a escravidão de fato até 1891.

[MAGALHÃES: 1999]

Grupos abolicionistas mais radicais, como os

Caifazes

, exigiam o fim imediato da escravidão, sem indenizações. O republicanismo crescia, mas nem todos os republicanos eram antiescravistas. A abolição da escravidão de 1888 foi até hoje a única revolução sócio-econômica havida na história do Brasil. O primeiro grande movimento de massas moderno vitorioso, promovido sobretudo pelos trabalhadores escravizados em aliança com libertos, livres e segmentos diversos da população. [COSTA: 1998, 389 e ss; CONRAD: 1975]

Ressalte-se que a grande maioria dos cativos não participou de levantes violentos, não cometeu atentados ou mesmo fugiu de seu escravizador, vivendo como podiam sob as condições do cativeiro. Isto não significa que trabalhadores escravizados

aceitaram

a escravidão. Se a aceitassem, o sistema sequer poderia ser considerado escravista. Eles se conduziram - isto sim - como todos aqueles humanos que na história necessitaram sobreviver em circunstâncias desfavoráveis, resistindo como podiam dentro de um quadro determinado por correlação de forças desiguais e impostas por uma classe dominante altamente opressora e com seus aparelhos repressores diversos. A resistência à escravidão, sob as mais diversas formas, inviabilizou e acabou influindo, com outros fatores internos e externos, no seu próprio fim do escravismo. Quando assinou a

Lei Áurea

, a princesa Isabel apenas escreveu seu nome no atestado de óbito de um sistema com mais de trezentos e cinqüenta anos, atirado ao chão por seus oprimidos. [GORENDER: 1991, 34, 40, 127]

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 108-113)