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Democracia e escravidão

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 48-51)

Em Atenas, metrópole do mundo Clássico, riqueza pressupunha riqueza agrícola. Grandes proprietários de terras possuíam propriedades de até cinqüenta hectares. Quem possuísse de três a cinco cativos era considerado um escravista remediado. Acima disso, um rico cidadão. Uma das formas comuns de exibicionismo de atenienses de elevado

status

social era caminhar pelas ruas, comércios, praças e demais locais públicos sendo seguidos por seus cativos. O trabalho e demais ofícios manuais eram desprezados pelo cidadão ateniense de posses, considerando-as tarefas

inferiores

e destinadas aos escravizados, estrangeiros ou pobres. Mesmo um proprietário de pequenas posses buscava adquirir cativos. Entretanto, era antieconômico para um cidadão pobre adquiri-los, mantê-los e vigiá-los. O mais comum era os cidadãos pobres e sem propriedades serem empregados como capatazes, supervisionando o trabalho dos cativos de um proprietário mais rico.

Na Ática, a produção agrícola não exigia força de trabalho muito numerosa e concentrada em propriedades das dimensões conhecidas pelo escravismo moderno americano, fator que exerceu tendências distintas entre a escravidão antiga e colonial, tanto na violência das relações de produção quanto na necessidade de vigilância dos trabalhadores por unidade produtiva. Outro ponto a se destacar era a importância política para um escravizador em possuir e manter cativos em Atenas, ou seja, no seu exercício da sua cidadania. Peter Jones lembra que a “participação do maior número possível de

cidadãos era essencial para a democracia ateniense”. Ressaltando, porém que por “cidadãos” entendia-se apenas os homens adultos, livres e proprietários nascidos de pai e mãe atenienses, o que excluía jovens, mulheres, estrangeiros e cativos, a maioria da população. Além do mais, eram sobretudo os escravizados que proporcionavam aos cidadãos gregos, ricos ou pobres, o “tempo livre” sem o qual a atividade política seria fisicamente impossível. Neste sentido, a democracia clássica ateniense se tratou de uma “democracia escravista”. [JONES: 1997, 180-1]

2.2. Os gregos e o mito da

escravidão natural

Pensador destacado e homem de posses entre os cidadãos da Grécia Clássica, o filósofo Aristóteles chegou a possuir treze

servos

, em sua maioria mulheres. Nascido e criado na sede da realeza macedônica, Aristóteles era filho de Nicômacos, médico e amigo pessoal do rei Amintas II. Ainda jovem, ingressou na escola de Platão [428-348 a.n.e.], em Atenas, onde permaneceu até a morte do mestre. Por desavenças filosóficas, abandonou-a depois com alguns outros colegas, partindo para a Mísia (Ásia Menor) a convite de Hermias, governante de Atarneus e Assos, onde fundou um pequeno

círculo platônico

, onde permaneceu até a morte do governador, amigo e colega acadêmico, casando-se com sua rica sobrinha. Em 343-42, o conquistador Felipe II [382-336 a.n.e.], rei da Macedônia, convidou Aristóteles para morar em seu palácio, em Pelas, e ser mestre de seu ainda jovem filho, Alexandre [353-323 a.C.]. Estima-se que Aristóteles tenha escrito mais de quatrocentas obras, das quais, hoje, restaram menos de cinqüenta. Mas foi sobretudo em

Política

, obra produzida em tom professoral e escrita para a educação de

Alexandre, o

Grande

, que Aristóteles sintetizou a ideologia dominante de sua época, admitindo, defendendo e justificando a escravidão. [ARISTÓTELES: 1997]

Aristóteles organizou

Política

em forma de apostilas divididas em oito partes. Afirmava que a política pertenceria ao grupo das “ciências práticas”, que buscavam o conhecimento como “um meio para a ação”, ao contrário das “ciências teóricas” (como a teologia e a metafísica), cujo conhecimento teria “um fim em si mesmo”. Na sua

zoologia

, o homem foi classificado como “um animal social por natureza”. E a “meta principal da política” seria descobrir primeiramente modo de viver que proporcionasse a “felicidade

humana”, garantida por formas de governo e suas instituições.

Política

tratou da escravidão logo no seu primeiro capítulo, mas falou específicamente dessas relações no segundo: “Os escravos; a escravidão é natural? Objeções à naturalidade da escravidão; a arte de comandar os escravos difere da arte de comandar pessoas livres”. [ARISTÓTELES: 1997, 17-22]

Ao iniciar seus ensinamentos falando das cidades-Estados, dos cidadãos e da vida comunitária em geral, Aristóteles entendia que os homens ao longo dos tempos estabeleceram

naturalmente

uma ordenação de mandantes e mandados: “As primeiras uniões entre pessoas, oriundas de uma necessidade natural, são aquelas entre seres incapazes de existir um sem o outro, ou seja a união da mulher e do homem para a perpetuação da espécie (isto não é o resultado de uma escolha, mas nas criaturas humanas, tal como nos outros animais e nas plantas, há um impulso natural no sentido de querer deixar depois de um indivíduo um outro ser da mesma espécie)”. Entre “comandantes e comandados”, fez a mesma naturalização que julgava ter como fim “a preservação recíproca” de ambos: “Quem pode usar seu espírito para prever é naturalmente um comandante e naturalmente um senhor, e quem pode usar seu corpo para prover é comandado e naturalmente escravo”. Assim, o filósofo concluiu que “o senhor e o escravo têm, portanto, os mesmos interesses”. Como veremos, esta visão mitológica da escravidão como de interesse geral foi assimilada e repetida por muitos escravizadores modernos. [ARISTÓTELES: 1997, 13]

Julgava o professor de Alexandre que “a natureza nada faz mesquinhamente [...], mas cria cada coisa com um único propósito: a perfeição”. Defendeu que cada “instrumento era feito com perfeição” e por isso julgou que a mulher se submetia ao matrimônio e o cativo ao trabalho. Já que entre alguns povos estrangeiros a hierarquia social e o modo de produção se davam sob outras formas, e em algumas inexistindo a escravidão, Aristóteles concluiu que “Helenos são senhores naturais de bárbaros”. Ou seja, os povos que por ventura não submetessem suas mulheres e seus trabalhadores a uma “classe de chefes naturais” seriam “naturalmente inferiores” aos helenos e, por isso, merecedores da escravidão. [ARISTÓTELES; 1997, 14]

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 48-51)