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Riqueza e decadência

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 83-86)

Segundo especulou o historiador inglês Cyril Lionel Robert James, se não tivesse sido a poderosa marinha britânica, juntamente com os exércitos de Napoleão e a armada espanhola, derrotadas pela resistência haitiana, que na virada do século 18 para o 19 era a mais rica colônia açucareira das Américas, talvez os ingleses também quisessem a manutenção da escravidão por mais algum tempo ainda. Suas pequenas e escravistas colônias caribenhas não conseguiam concorrer com as demais, como Cuba e Brasil, que remanesciam como grandes produtores escravistas americanos. [JAMES: 2000]

O tráfico transatlântico só veio a ser efetivamente abolido no Brasil com a lei Eusébio de Queirós, em 1851. E o fim desse comércio exerceu profundas mudanças no escravismo brasileiro, embora ainda houvesse o tráfico inter-provincial para o Sudeste cafeeiro, região do principal produto nacional na época.

Nos EUA, com os avanços da revolução industrial de um lado e questões políticas de outro, o abolicionismo tinha virado um dos pivôs da guerra civil. A vitória do Norte industrializado sobre o Sul escravista encerrou a questão servil naquele país. No Brasil, por sua vez, a abolição assumiu caráter de uma revolução social, no último bastião americano do escravismo moderno. No momento, nos resta ressaltar a indignação, rancor e ressentimento de alguns enriquecidos negreiros frente ao fim de seus negócios. O lendário general confederado Nathan Bedford Forrest [1821-1877], que havia acumulado fortuna traficando africanos escravizados para os EUA e também ficado famoso por massacrar soldados

negros

yankes durante a Guerra de Secessão, era chamado por seus companheiros de causa derrotada a presidir a primeira versão da Ku Klux Klan, em 1867, onde iniciaram uma série atentados, perseguições, assassinatos e demais horrores contra homens, mulheres e crianças afro-americanas recém saídos da escravidão. [BLANRUE: 2005]

Numa espécie de mitologia teológico-racista, membros da KKK diziam que

deus

“os elevara acima do nível ordinário dos demais humanos” e sobre “as raças inferiores”. Atacavam pequenos proprietários recém-saídos da escravidão sob a alegação de que eles não poderiam jamais prosperar, pois “eram preguiçosos, inconstantes e economicamente incapazes por natureza”. Atentavam contra médicos, políticos, professores e demais cidadãos estadunidenses brancos que se envolvessem na “causa dos negros”. Como observou Paul-Eric Blanrue, a violência da KKK contra a instrução escolar dos trabalhadores recém libertados ou seus descendentes desmascarava a doutrina mitológica klanista sobre sua pretensa

inferioridade

. Temer e tentar impedir sua instrução era “admitir, no fundo, que [afro-americanos] tinham as mesmas capacidades” dos demais estadunidenses. [BLANRUE: 2005, 56-8]

Na província do Rio de Janeiro, capital do Império, o comendador José Joaquim de Souza Breves [1804-1889] e seus familiares foram provavelmente os mais ricos entre todos os escravizadores da história do Brasil. Traficantes transatlânticos e interprovincianos de cativos, os Breves iniciaram sua riqueza com pequenas embarcações. Nos últimos anos do tráfico, porém, chegaram a possuir grandes navios negreiros a vapor. Tornaram-se também donos de imensos latifúndios, nos quais produziam principalmente o café. Nas mais de quarenta propriedades da família Breves, estima-se que tenham sido feitorizados ao longo do escravismo mais de dez mil cativos. Uma das fazendas dos Breves era tão grande que seus proprietários se gabavam de poder cavalgá-la “do litoral do Rio de Janeiro até Minas Gerais sem passar por terras alheias”. Escravistas ferrenhos, consideraram uma “traição da princesa Isabel” o fim oficial da escravidão, em 1888. Armando Breves, historiador da família, registrou um diálogo carregado de rancor e racismo de seus avós sobre os então novos acontecimentos, responsáveis pelo início da decadência econômica daqueles escravistas: “O governo devia embarcá-los de volta para a África: que adianta um escravo sem escravidão? [...] Isso mesmo: para que serve a bosta se acabaram com o uso do esterco”. [FERREIRA: 2004, 4]

3.2. Escravidão colonial americana: um novo modo de produção

não apresentavam a princípio as riquezas minerais preciosas ambicionadas pelo mercantilismo. Eram terras ricas em recursos

naturais

, como o pau-brasil, e também de braços nativos para se catequizar e sujeitar. Porém, se o vasto território, nos primeiros trinta anos de sua

descoberta

, pouco importava a Portugal, que estava voltado para as Índias, os interesses de outras nações européias faziam procurar e firmar na região seus domínios. Franceses, por exemplo, freqüentavam seu litoral e desenvolviam escambo com seus habitantes.

Foi a descoberta de prata em abundância nas possessões espanholas que fizeram a ocupação do continente pelos portugueses assumir outras dimensões. Manter o domínio sobre o Brasil se tornou uma preocupação, mesmo representando uma difícil empreitada econômica. A prosperidade das feitorias lusitanas

orientais

se mostraram ilusórias. Era preciso explorar novas fontes de riqueza, e a solução encontrada foi a de organizar uma exploração agrícola rentável. Desde o século 15, portugueses dominavam a produção do açúcar, especiaria que alcançava altos preços e dispunha de mercado em expansão. De produto medicinal na Idade Média, o açúcar passou lentamente a gênero de primeira necessidade. Portugal possuía experiência em sua produção; dispunha de contatos comerciais do produto no mercado europeu; de financiamento genovês e flamengo; e, por fim, a colônia americana apresentou capacidade para produzi-lo em larga escala. [FERLINI: 1998, 15-7]

É preciso primeiramente levar-se em conta alguns fatores centrais para entendermos o funcionamento do modo de produção escravista colonial no Brasil, com seu caráter periférico, subordinado, dependente e tendo a escravidão, vista em seu funcionamento econômico, como fundamento de suas estruturas sociais. O Brasil, em especial, se formou sobre este modo de produção que historicamente lhe determinou

leis

tendenciais, características específicas, superações próprias e ao mesmo tempo muito semelhantes aos demais países e colônias americanas. Aqui, como em demais lugares da América escravista, possibilitou-se apenas um mercado interno estreito, praticamente inelástico e inadequado aos fins de produção mercantis especializados. Um problema solucionado com a criação das plantagens coloniais, cuja produção de gêneros tropicais escoava ao mercado externo europeu já existente e em ampliação. O escravismo colonial, portanto, foi um modo de produção dependente do mercado metropolitano europeu. Esta conceituação complementar

sua - a

colonial -

tem caráter

econômico

, já que designa inclusive alguns Estados

politicamente independentes

, como o do Império do Brasil. Do ponto de vista econômico, a periodização histórica (

Brasil colonial

ou

imperial

) não altera sua essência. Baseado na escravidão, este moderno modo de produção se compatibilizou com a finalidade mercantil, ao qual se conjugou sem se desagregar. [CARDOSO: 1975, 110; GORENDER: 1980, 169- 71]

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 83-86)