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Escravidão antiga, resistência e repressão

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 57-60)

A convivência dos escravizadores com a resistência dos escravizados em Roma era permanente. Resistência que se apresentou nas mais diversas formas, como através do roubo, fugas individuais ou coletivas, insurreições, banditismo, atos de sangue diversos, negação ao trabalho, etc. Cativos rebelados se refugiavam nas montanhas ou onde pudessem; controlavam parcialmente alguns territórios; organizavam bandos de assaltantes; saqueavam vilas próximas de Roma e aterrorizavam seus moradores ou viajantes que, por sua vez, solicitavam proteção às autoridades. Formas de repressão violentíssimas foram aplicadas contra eles, concomitante um conjunto enorme de

políticas de compensação

.

O ditador Lucius Sulla [138-78 a.n.e.] esmagou em banho de sangue a rebelião dos aguerridos cativos da Sicília, porém centenas de outras revoltas explodiam por todos os cantos do império. Às vezes escravizadores cediam alguns anéis para salvar os dedos, distribuindo trigo à plebe e libertando alguns cativos. Na sua conhecida política romana de

pão e circo

, escravizados de várias regiões conquistadas eram trazidos para combater entre si ou contra feras nos pequenos ou grandes estádios. Lutavam

ad gladium

(homem contra homem) ou

ad bestiarium

(contra tigres, leões, leopardos, ursos, touros ou cães selvagens). Eram os chamados gladiadores, eternizados na historiografia por Plutarco, na literatura por Arthur Koestler e no cinema por Stanley Kubrick. [PLUTARCO: s.d; KOESTLER: 2006]

Dentre os gladiadores surgiram os rebeldes que se juntaram a Espártaco [113-71 a.C.], numa das maiores rebeliões que a Antiguidade conheceu. Nascido na Trácia, no nordeste grego, Espártaco foi pastor e soldado romano, mas desertou e formou uma quadrilha de assaltantes de viajantes. Em 73 a.C. foi preso e vendido para o dono de uma mina em Cápua, no sul da península Itálica. Segundo Plutarco, Espártaco foi comprado dessa mina por um

lanista

(negociante e treinador de gladiadores), mas durantes os treinamentos militares se rebelou e fugiu com outros cativos. A notícia da rebelião dos gladiadores que se refugiaram no monte Vesúvio, em Nápoles, enfrentando e derrotando as tropas reescravizadoras romanas se espalhou rapidamente entre vários outros cativos e plebeus que a eles resolveram se unir. O governo enviou três mil soldados para cercar a região e matá-los de fome, mas os rebeldes atacaram e mais uma vez saíram vencedores. [KOESTLER: 2006, 53-66]

A cada vitória contra a repressão, recebiam a adesão de mais cativos, agricultores pobres e membros da camada subalternizada romana, inclusive homens e mulheres livres. Em um ano de rebelião, formavam um exército de cem mil rebeldes. Marcharam do norte ao sul da Itália, evitando apenas a capital e derrotando as legiões romanas para chegar a Trácia. A marcha fez Roma estremecer, abalando sua produção escravista. Finalmente derrotados por tropas unidas de todo o Império, os seis mil combatentes restantes foram crucificados ao longo de duzentos quilômetros da via Ápia, que ia de Nápoles aos portões de Roma. Com isso, os escravizadores romanos procuravam atemorizar os demais cativos, tentando impedi-los de qualquer movimento rebelde. [PLUTARCO: s.d., 105-7]

Por se basear fortemente no trabalho de cativos apreendidos das regiões conquistadas, a economia romana e sua produção destinavam-se ao comércio de longa distância com as demais províncias do Império. Porém, desde o início do período imperial, no século 3 a.C., as guerras de expansão e conquistas romanas esbarravam em seus limites estruturais e na resistência cada vez maior dos trabalhadores nos latifúndios, agravando sua crise. Nesse contexto, os proprietários viram o interesse em arrendar parcelas de suas terras aos chamados

colonos

, que poderiam ser ex-cativos, plebeus urbanos ou pequenos proprietários endividados. O

colonato

lentamente substituíu o escravismo. O processo de desescravização dos trabalhadores da Antigüidade se deu de forma tão lenta que já em pleno mundo medieval as classes camponesas permaneciam sob a denominação do cativo romano:

servus

= servo = da servidão da gleba, embora designassem trabalhadores distintos. [ANDERSON: 1980, 54; MAESTRI: 1993, 16]

O

status quo

medieval e seus mitos

Para alguns historiadores, em termos políticos a queda do último imperador romano, Rômulo Augustus, em 476, marcou o fim da Antigüidade e o início da Idade Média. Surgiram em torno do Mediterrâneo complexos civilizacionais como o Império Bizantino, originado do Império Romano do Oriente; o Império Islâmico, construído pelos árabes; o Carolíngio e Santo Império Romano Germânico, que se formaram na Europa a partir das conquistas desses povos. [CARMO: 1994, 135]

No reinado de Carlos Magno ampliou-se a antiga prática de conceder terras conquistadas dos romanos à

nobreza

guerreira. Ao recebê-las, os nobres juravam fidelidade ao imperador, do qual se tornavam vassalos. O

benefício

concedia-lhes o direito de administrar os territórios e submeter os camponeses ali instalados em uma infinidade de obrigações. Num processo de violentas lutas políticas intra e interclassistas, a repartição de mais terras entre outros nobres fazia surgir vassalos de vassalos. A posse dos territórios concedidos à nobreza se tornou hereditária e não retornava mais às mãos do imperador. [ANDERSON: 1980, 42]

Os camponeses ocupavam entre quarenta e cinqüenta por cento do

senhorio

, trabalhando neles sob um sistema de rodízio de culturas. Além das aldeias próximas aos castelos senhoriais, havia as terras comunais – bosques, prados e terrenos baldios, etc. A maioria dos camponeses compunha os servos da gleba, que, embora não fossem escravizados, não podiam abandonar seu lote de terra. Muitos desses camponeses descendiam dos antigos cativos romanos ou de pequenos proprietários. Por causa das constantes ameaças senhoriais e das guerras e invasões estrangeiras, a maioria desses camponeses acabava entregando

suas

terras a um nobre feudal ou a membros da Igreja, em troca de

proteção

. O

suserano

e sua nobreza eram

os senhores da terra

. A Igreja, além de também possuir terras,

era a senhora das almas

. A concessão de feudos aos altos dignitários do clero foi comum por toda a Idade Média. Sua função ideológica era a de ditar a moral, preservar os costumes e, portanto, defender o

status qüo

vigente. Pode-se dizer que a mentalidade dominante da Idade Média encontrava-se sobretudo na religião oficial, que perseguiu e puniu seus

hereges

. [NOVINSKY: 1990]

O feudo tinha um caráter tendencialmente auto-suficiente, predominando a agricultura na produção de cereais, carnes, leite, roupas e utensílios domésticos diversos. Somente alguns poucos produtos vinham de fora do feudo, como os metais utilizados na confecção de ferramentas ou produtos como o sal, entre outros. Os campos abertos eram terras de uso comum, onde os servos recolhiam madeira e podiam utilizar trechos para criar animais. Eram campos de posse de terra coletiva que compreendiam bosques e pastos. As

reservas senhoriais

pertenciam ao

senhor feudal

. Praticamente tudo que ali fosse produzido a ele pertencia. Havia também o

manso servil

ou

tenência

, que eram os trechos utilizados pelos servos para retirar seu sustento e recursos para cumprir com as obrigações. A

atividade comercial atrofiou, se tornando prática marginal e semiclandestina, geralmente destinada ao mercado árabe, judeu e sírio. [RIBEIRO: 1978: 115]

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 57-60)