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Escravismo e classes sociais

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 92-95)

Obviamente, escravizadores e escravizados se diferenciavam primeiro e fundamentalmente pelo lugar e função sócioeconômica que ocupavam no sistema escravista, no papel exercido entre ambos na produção e na disposição da riqueza produzida. Pertenciam, portanto, a classes sociais definidas, distintas e antagônicas. Proprietários das plantagens se apropriavam da riqueza do trabalho dos demais graças à posse da terra, dos meios de produção, de coerção política e do próprio trabalhador adquirido e mantido escravizado. Fundamentalmente econômica, a divisão categorial de classes se torna mais complexa ao estendermos sua noção aos demais setores envolvidos

em toda a trama social do escravismo colonial.

Um ex-cativo, então alforriado e libertado, ainda assim apresentava peculiaridades da classe dos trabalhadores escravizados de onde havia saído. Já os poucos trabalhadores livres das plantagens não eram donos dos meios de produção e, portanto, precisavam vender sua força de trabalho ao proprietário da plantagem em troca de pagamento. Eram, portanto, também trabalhadores. Mas se trabalhadores cativos, libertos e juridicamente livres tinham posição mais clara na estrutura econômica vigente, a dos escravizadores podia não ser. Ao mesmo tempo trabalhadores livres, alguns libertados e, até mesmo muito excepcionalmente alguns poucos cativos possuíam outros cativos, assumindo assim, paradoxalmente, também o papel de escravizadores.

Cativos muitas vezes assimilavam os valores das classes dominantes no escravismo e quiseram eles mesmos se tornar escravizadores. Deixemos claro, porém, que

escravizados

que escravizaram

eram uma pequena exceção, representando minoria no escravismo brasileiro. O clássico instituto do

peculium

, que garantiu aos cativos greco-romanos a posse de outros cativos, no Brasil só foi tardiamente reconhecido em 1871, no crepúsculo do sistema. Após o fim do tráfico negreiro internacional, o preço do trabalhador escravizado disparou, tornando-o ainda mais caro. Cativos que conseguiram juntar dinheiro para comprar suas alforrias foram uns poucos. Menos ainda foram aqueles que conseguiram comprar outros cativos. [PENA: 2001, 12, 67-8]

Na ideologia dominante do escravismo colonial, o trabalho em si era mal visto e tido como atividade destinada aos pobres e sobretudo aos cativos, como na Antiguidade. No Brasil escravista, este menosprezo ao trabalho e aos trabalhadores foi acrescido por um racismo sobre a cor da pele dos africanos e seus descendentes. As duras condições de vida nas colônias e o baixíssimo valor do trabalho não-especializado e semi-especializado fazia com que os que pudessem comprar cativos, vigiá-los e mantê-los, buscassem deixar de trabalhar e viver do trabalho alheio e escravizado.

3.3. Escravidão, classes e luta de classes

Mesmo estrangeiros pobres, marinheiros, caixeiros, naturalistas, estudantes, médicos, religiosos, etc., que vinham ao Brasil para trabalhar, encontravam estrutura social

tão rígida que logo que podiam se tornavam também escravizadores. Marinheiros escoceses, galeses, britânicos ou irlandeses que se estabeleceram na Bahia do século 19, todos generalizados pela população local na época como

ingleses

, se tornavam proprietários de cativos uma vez que não encontravam trabalho remunerado condignamente. Muitos tinham recém desembarcado dos navios da marinha real britânica, que no mar dava combate aos navios negreiros. [GLEDHILL: 2006]

Escravizadores muitas vezes armavam alguns de seus cativos para reprimir e mesmo recapturar outros cativos rebelados ou fugitivos. Trabalhadores escravizados podiam se rebelar ou apresentar as mais diversas formas de resistência individual ou coletiva, aguerridas ou

pacíficas

, contra seus escravizadores. Não poucas vezes dentre os próprios trabalhadores escravizados se cooptava os soldados, cabos, tenentes e capitães-do-mato, feitores, capatazes, enfim, aqueles que se ocupariam das tarefas repressivas e de vigilância nas plantagens. Importa-nos saber que não houve comportamento homogêneo e absoluto, mas fortíssima determinação tendencial ensejada pelas condições socioeconômicas aos indivíduos, grupos e classes, escravizadoras e escravizadas, enquanto perdurou o escravismo colonial. Os primeiros trabalhadores no Brasil eram seres humanos oprimidos por um dos mais duros regimes de exploração que a história conheceu. Assim, não puderam escapar ilesos às degradações impostas por aquele sistema. Enfrentaram-no ora com humor, solidariedade, coragem e astúcia; ora com egoísmo, covardia e perversidade.

Uma classe não desenvolve a consciência de classe

para si

senão pelas experiências historicamente acumuladas. E para os trabalhadores escravizados modernos, a acumulação dessas experiências se dava sob um processo muito mais penoso que para os demais trabalhadores oprimidos juridicamente livres. Os cativos modernos nas Américas, em geral, e no Brasil, em especial, se defrontavam com enormes dificuldades estruturais para formar consciência coletiva que transcendesse a rebeldia individual ou, no máximo, grupal e assim buscassem a derrubada do sistema escravista como um todo. Pela posição social em que forçadamente se encontravam, geralmente não conseguiam formular mais que uma consciência

oposicionista

ao escravismo. [GORENDER: 1991, 122-3]

Alguns trabalhadores juridicamente livres defenderam interesses dos grandes escravizadores. Alguns outros, não. Algo que se tornou mais comum com o crescimento dos setores urbanizados. O racismo criado em cima da cor mais ou menos escura das

diversas etnias africanas ou de seus descendentes dividiam os trabalhadores em geral. Na África, as várias etnias de onde provinham os trabalhadores escravizados ao Brasil eram muitas vezes rivais. Conscientes disso, os escravizadores atiçavam as rivalidades, misturando cativos de

nações

diferentes, estranhas ou opostas entre si e politicamente divididas. A questão encontrada por alguns estudiosos na identificação das classes havidas no escravismo colonial não se limitou ao fator econômico apenas, mas também em

como

cada indivíduo se posicionou objetiva e subjetivamente nos interesses e conflitos havidos durante o escravismo colonial. [GUIMARÃES: 1996, 145-7]

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 92-95)