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Cientificismo racista no Brasil

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 162-165)

Como vimos no capítulo quatro, uma também forma de racismo no Brasil pôde ser encontrado desde os primeiros escritos coloniais. Mesmo no período imperial, as idéias de Carlos Augusto Taunay já procuraram mostrar uma pretensa

inferioridade

do trabalhador escravizado, reforçando assim os mitos que justificavam sua subalternização e a desejada eternização do escravismo colonial.

Ao fim do século 19, o moderno cientificismo racista europeu teve no Brasil papel semelhante ao da Ilustração na Europa do século 18. Com essas idéias importadas e adaptadas ao contexto local, se procurou produzir no país um saber secular e temporal que se afastasse das concepções tradicionais ainda vigentes. As convicções biologizantes e evolucionistas do cientificismo racista no Brasil eram arremetidas contra um providencialismo religioso ainda dominante. Em certo sentido, sua adoção pela intelectualidade local se associava à expectativa de que a ciência talvez pudesse fundar outro tipo de autoridade, mais

racional

e

civilizada

, destacada por seu mérito intelectual. Com as terminologias científicas mais em voga na época, se anunciava uma ruptura e se

prometia substituir mecanismos da velha elite escravista, cada vez mais tida por atrasada e decadente, por uma pretensamente mais intelectualmente merecedora. [BOTELHO: 2007]

Desde pelo menos 1870, a chamada

geração modernista

(não confundir com a de 1920) passou a representar certa atualização do pensamento brasileiro à determinada vertente científica e filosófica européia, adotando e acomodando seus discursos explicativos. No entanto, tal modernização, ao invés de ser empregada como justificação do colonialismo, como ocorria na Europa, se dava no Brasil em detrimento ao debate sobre questões sociais, em tempos de desagregação do escravismo. Implicou também em um tipo de

naturalização

da estrutura socioeconômica por sua classe dominante, saídas de quase quatro séculos de escravidão.

A idéia de que uma

mestiçagem

constituísse a

base

da formação social brasileira existia há algum tempo, remontando-se pelo menos desde aos anos da publicação de

Como

se deve escrever a história do Brasil

, do naturalista bávaro Carl Friedrich Philipp von Martius [1794–1868], texto vencedor do concurso de “melhor plano para a história do Brasil”, promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1840. Com influência do romantismo sobre esse autor, a definição de

brasileiro

dizia dever partir da fusão das

três

diferentes

raças

aqui encontradas: “Qualquer que se encarregar de escrever a História do Brasil, país que tanto promete, jamais deverá perder de vista quais os elementos que aí concorrerão para o desenvolvimento do homem. São, porém, estes elementos de natureza muito diversa, tendo para a formação do homem convergido de um modo particular três raças, a saber: a de cor cobre ou americana, a branca ou caucasiana, e enfim a preta ou etiópica. Do encontro, da mescla das relações mútuas e mudanças dessas três raças, formou-se a atual população, cuja história por isso mesmo tem um cunho muito particular”. [MARTIUS: 1982, 87; MOREIRA: 1991]

Contudo, até o final do século 19, a proposta de von Martius não encontrava muitos seguidores, sequer no âmbito do IHGB. A orientação predominante centrava-se ainda em posições mais aproximadas a de outros destacados historiadores da instituição, como as de Francisco Adolfo de Varnhagen [1816–1878]. Considerado pelo dicionário Larousse como o

pai da História no Brasil

, Varnhagen publicou mais de cem títulos, que incluíam estudos sobre cultura medieval portuguesa, viagens de Américo Vespúcio, peças de ficção e sua mais conhecida obra, a

História geral do Brasil

, publicada em 1857. [VARNHAGEN:

1981; COELHO: 1981, 10-12]

Varnhagem era um firme defensor de sua classe social. Ele próprio possuía títulos nobiliárquicos, como o de barão e depois visconde de Porto Seguro. Politicamente, defendeu e exaltou a “aristocracia de nascimento e de sangue”. Sua abordagem historiográfica era

providencialista

: elogiava

figuras ilustres

do passado, como Mem de Sá, Domingos Jorge Velho, os padres Vieira e Nóbrega, dom João VI e Pedro I, vistos como construtores da história do Brasil. Defendeu abertamente a escravidão do nativo, ainda se valendo das velhas justificativas da “guerra justa”. Considerou terem os escravizadores preferido o “braço preto” do africano por melhor identificá-los em sua cor. Criticou as agruras do tráfico negreiro e responsabilizou a “catinga” dos cativos embarcados como uma das principais causas de sua mortandade. Saudou a “heróica” repressão feita a “Zombi”, em Palmares. Enfim, elogiou as classes dominantes e, quando raramente tratou dos subalternizados, foi para relegar-lhes o papel secundário e de mero pano de fundo aos representantes das classes dominantes. [FIGUEIREDO: 2004, 61, 63, 70, 72; MOURA: 1990, 31-4]

5.2. O Brasil e o século 20: liberalismo, desenvolvimentismo, ditadura e

neoliberalismo

Desde a era napoleônica, a Europa conhecia a intranqüilidade das lutas sociais internas ou dos conflitos entre nações, e nos primeiros anos do século 20 mantinha-se ainda conturbado o velho continente. Com os choques de interesses entre os países europeus, sobretudo os mais envolvidos em disputas colonialistas, as grandes potências industrializadas buscavam por todos os meios dificultar a expansão econômica das demais concorrentes. Disputavam entre si por novos mercados para a produção e o controle das fontes fornecedoras de suas matérias-prima. Em diversas regiões dominadas, porém, surgiam movimentos nacionalistas. Diante de inevitáveis disputas e desacordos, começavam as grandes potências industriais a se preparar para o pior, formando alianças e se armando para as inevitáveis guerras mundiais que marcariam o século 20, a era plena do capitalismo. [SADER: 2000]

República Velha

ou

Oligárquica

. Findado o escravismo colonial, não havia mais razões para se sustentar um governo monárquico e centralizador. Os grandes proprietários de terras do país, sobretudo os fazendeiros do café da região Sudeste, desejavam o federalismo como regime político mais coerente aos seus desígnios e poderes locais. Os militares do Exército, braço armado da implantação republicana, por sua vez, desejavam maiores chances de ascensão social, algo não obtido a contento no período imperial. O clero, ao seu modo, se adaptava à situação diante dessas mudanças estruturais. [LOPEZ: 1997, 22]

Um dos pontos nodais da construção do Estado republicano foi o aperfeiçoamento dos mecanismos que garantissem simultaneamente a ampliação formal da participação política e a exclusão de fato dos setores subalternizados, mantidos à margem da tão propagada e pouco praticada

cidadania

. Na economia, vigorava doutrinariamente pressupostos liberais, cuja crença se centrava na defesa da produção primária como fator de desenvolvimento nacional, consubstanciadas principalmente nas teses de Eugênio Gudin [1886–1986]. [MANTEGA: 1995]

Na política, se implementou um sistema sufragista, restrito aos homens maiores de idade, alfabetizados e vigiados pelo cabresto das oligarquias regionais. Cada estado poderia agora contrair empréstimos no exterior e criar seus impostos, desde que não ameaçassem o novo

establishment

, os acordos e necessidades das classes sociais dos estados hegemônicos. Caso alguma liderança local se dispusesse a fazê-lo, havia presente a possibilidade de sua derrubada pelo poder central. Para cumprir sua função, contraditoriamente o governo federal se apoiava nas oligarquias regionais, tanto no aspecto financeiro quanto no coercitivo. [MENDONÇA: 1990, 316-8]

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 162-165)