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Escravidão africana

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 69-71)

A maior fonte da escravidão africana era a guerra, concentrada principalmente na região sahelo-sudanesa. Ali chegaram a se constituir alguns Estados militarizados, com a finalidade de cativar indivíduos de Estados rivais e se defender da escravização por outros Estados. Mesmo em outras sociedades, com Estados desenvolvidos e com hierarquização social mais demarcada, o cativeiro se restringia aos trabalhadores dos palácios imperiais ou das casas da nobreza. Cativos africanos trabalhavam nas plantações de cana no sul do Marrocos e do Egito, nas minas e lavouras do sul do atual Iraque, ou como serviçais domésticos, canoeiros, carregadores, nas plantações de sorgo e arroz da aristocracia africana. Muitas vezes, comunidades inteiras eram reduzidas em aldeias e obrigadas a pagar tributos ou serviços mais pesados que as demais comunidades de indivíduos livres. Em casos excepcionais, famílias muito empobrecidas vendiam um de seus membros a quem lhes pudesse pagar e quando encontravam comprador. Havia também a servidão por dívida ou por determinados crimes. Nesse último caso, a relação escravizador/cativo se apresentava de forma bem mais violenta, contrastando com as demais. Na região de Gambu e Benim, cativos eram castigados com espancamentos, podiam ter uma das orelhas cortada ou serem mortos. Existia a prática do comércio de africanos escravizados aos haréns árabes ou ao persistente escravismo doméstico mantido na Idade Média, sobretudo em países da Bacia do Mediterrâneo. Contudo, se tratou de comércio raquítico e muito restrito, nem de longe comparado ao que estava por se estabelecer com o tráfico negreiro, abordado mais adiante neste capítulo. [GORENDER: 1980, 134; SILVA: 1992, 627]

O cativo africano possuía

status

social subalternizado, porém mutável. Ao ser agregado a uma família, não podia ser vendido, a não ser em casos extraordinários.

Participava efetivamente do grupo familiar, tanto no trabalho como nas demais atividades sociais. O excedente por ele produzido e entregue ao patriarca era delimitado consuetudinariamente. Superficialmente, o cativeiro africano podia até lembrar à

morte

civil

da escravidão romana. Mas bem diferente daquela forma de escravidão, a condição do africano em cativeiro não era transmitida hereditariamente

ad eternum

aos seus descendentes. Em duas ou três gerações, seus descendentes evoluíam à

cidadania

plena, em igualdade aos demais descendentes de seu antigo dono. Uma ou mais

famílias extensas

constituíam uma comunidade aldeã de agricultores e artesãos. Diversas aldeias podiam formar uma pequena

chefia

, e esta o embrião de um Estado de pequeno, médio ou grande porte, onde até mesmo um outrora filho ou neto de cativo podia se tornar uma liderança política respeitada. [MAESTRI: 1993, 12-3]

Comunidades ainda com características aldeãs primitivas conviviam lado a lado com importantes reinos agrários, como o do Kongo ou Ndongo ao sul do rio Zaire. No século 16, o império de Songaí se estendia do litoral do atual Senegal aos territórios do atual Níger e controlava rico comércio transaariano internacional. No Sudão, Tombuctu (ou Timbucto), se destacava como uma de suas principais cidades, possuindo bibliotecas e escolas nas quais viajantes vinham de várias partes do continente ou mesmo de fora dele estudar ou lecionar o Alcorão. [HORTON & HORTON: 2005, 14-5]

O Kongo se tornou um dos mais fortes desses reinos. Através de conquistas ou alianças políticas, seu poder e influência se estendeu sobre as demais províncias próximas, como Mpemba, Nsundi, Mbamba, Soyo, Mbata e Mpungo, ou mesmo algumas províncias mais distanciadas, como Mtamba e Okongo. Sua moeda era o

nzimbo

, espécie de caramujo pescado apenas nas águas da ilha de Luanda e unidade de valor tão forte e difundida que os portugueses só a conseguiriam substituir no século 18. A liderança política

central

desses reinos elegia as lideranças

distritais

, tornando-os seus

conselheiros

e representantes políticos locais. Contudo, seu líder, denominado

Manikongo

, não transmitia hereditariamente seu poder. Todos os vários descendentes masculinos do fundador de uma dinastia tinham direito a tal posto. Os pretendentes eram escolhidos por colégio de eleitores, mas o poder geralmente era assumido por quem dispusesse melhor da força das armas. [MAESTRI: 1979, 30-2]

além de também exercerem o mando, gozavam de privilégios. Em muitos reinos, membros da nobreza assumiam caráter divino ou semi-divino, que acabava os isolando dos demais aristocratas e, conseqüentemente, das lideranças do poder. A grande quantidade de herdeiros que os manikongos geralmente possuíam devido à poligamia criava sérios embates quando da substituição ao trono e gerava todo o tipo de rivalidades e inimizades. Em meio a essa disputa pelo poder,

cativos palacianos

surgiam como importantes aliados da realeza, uma espécie de

barreira protetora

contra as famílias nobres ou aristocratas rivais. Cativos palacianos acabavam se tornando homens de confiança do manikongo. Onde foi comum a utilização do

eunuco

, por exemplo, muitas vezes este subalternizado assumiu cargos importantes, distanciando o chefe de Estado tanto de seus parentes como de seus rivais, e, em contrapartida, estabelecendo compromissos de lealdade que acabavam aproximando-o do governante. [VIDROVITCH: 1965, 87-9]

Um novo capítulo se abriu para a história dos povos da África quando, em 1482, o manikongo Nzinga Kavu foi informado que estranhas naves se aproximavam do porto do Zaire. Eram as embarcações de Diogo Cão, procurando estabelecer entrepostos marítimos para o rico comércio da região até às Índias. Traziam as mais exóticas mercadorias e as ofereciam em troca dos produtos locais. E no lugar dessas mercadorias, começaram também a regressar abarrotados de homens e mulheres para serem escravizados no além- mar, em um comércio de carne humana que, como veremos, foi responsável por radical interferência e transformação no mais que milenar processo histórico ascendente daqueles povos.

No documento 2007HemersonJosiasdaSilvaFerreira (páginas 69-71)