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A mediação didática e a formação profissional técnica

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P ROCESSOS DE MEDIAÇÃO DOCENTE NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS A DISTÂNCIA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO

4. A mediação didática e a formação profissional técnica

No Capítulo I apresentamos autores que formulam criticas à concepção e modos de funcionamento da educação profissional que se encontram em vigência (FRIGOTTO, 2001, 2010; KUENZER, 2000, 2005, 2006, 2009; OLIVEIRA e VIANA, 2012). Para eles, a formação tecnicista reduz a formação aos conhecimentos diretamente ligados ao trabalho, ignorando a formação geral como sujeito ativo e crítico e, até mesmo, a formação de valores e atitudes profissionais, dimensões que, quando articuladas, se referem a prover o trabalhador de instrumentos intelectuais, operacionais e comportamentais que equivaleriam à formação profissional mais completa. Sobre isso, escreve Frigotto (2001, p. 80):

123 profissional se vincula a uma perspectiva de adestramento, acomodação, mesmo que se utilizem noções como as de educação polivalente e abstrata. Trata-se de conformar um cidadão mínimo, que pensa minimamente e que reaja minimamente. Trata-se de uma formação numa ótica individualista, fragmentária - sequer habilite o cidadão e lhe dê direito a um emprego, a uma profissão, tornando-o apenas um mero “empregável” disponível no mercado de trabalho sob os desígnios do capital em sua nova configuração.

Assim, a formação em caráter instrumental atende interesses do capitalismo em manter trabalhadores de reserva.

Bourdoncle (1991) explica que a formação profissional deve aglutinar os eixos da profissionalidade, do profissionalismo e do profissionismo. A relação entre esses três conceitos expressaria a necessidade de se dominar a área em que se considera profissional, num contexto singular e geral. Teria o trabalhador a capacidade de reconhecer seu trabalho individual e, ao mesmo tempo, de seguir as regras postas por seu grupo de status socioprofissional específico, e ter a consciência da importância de sua participação na luta crescente pela reorganização da sua classe profissional. Nesse sentido, Bourdoncle resgata a dimensão histórica e sociológica do que seria ter uma profissão. Para nós, essa visão corrobora a ideia da incompletude do profissional com uma formação instrumental. Para a formação ampla do cidadão-trabalhador, concordamos com Bourdoncle e acrescentamos a necessidade do desenvolvimento da consciência social, não só ligada ao seu grupo socioprofissional, mas à totalidade da sociedade em que está inserido.

Alguns estudos apresentam alguma consideração pelo desenvolvimento cognitivo, mesmo se tratando de ensino profissional. Pastré, Mayen e Vergnaud (2010), por exemplo, explicam que algumas abordagens pedagógico-didáticas para o ensino profissional tratam de ensinar, primeiro, um modelo cognitivo e, depois, um modelo operacional, o qual seria uma aplicação prática, geralmente hierárquica de “passos”, de um conhecimento teórico apresentado anteriormente. Para esses autores, essa separação aparenta que os estudantes manipulam bem os conhecimentos técnicos e científicos da área, mas, quando vão para a prática, eles demonstram algumas dificuldades de aplicação. Além disso, mencionam o importante fato da dinamicidade da realidade, na qual nem sempre é possível aplicar soluções algoritmizadas, pautadas em equilíbrio e hierarquia de fases.

Na perspectiva da mediação didática comentada anteriormente, é de se esperar que o profissional forme conceitos teórico-cientificos de sua área técnica, de forma a saber pensá- los, avaliá-los e aplicá-los, em situações diversas, buscando soluções, conforme vai modelando o problema na realidade. Por essas razões, a formação profissional por competências não dá conta de formar um trabalhador que atenda bem seus requisitos profissionais, nem se avaliarmos só a dimensão do conhecimento específico.

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Com efeito, há uma dinamicidade nos sistemas atuais decorrente de diversos fatores, por exemplo, fatores naturais e imprevisíveis que podem surgir, com mais frequência, em ambientes de trabalho das áreas técnicas que lidam com os seres vivos, e, em menor escala, em outros ambientes. Destacamos, também, os avanços tecnológicos em diversas áreas (GRINSPUN, 2002; MJELDE, 2010) os quais exigem uma operacionalização calcada na análise de cada situação, a complexidade das relações humanas de cooperação sobre os sistemas.

Podemos mencionar dois caminhos de integração entre teoria e prática. O primeiro é proposto pelos franceses Pastré, Mayen e Vergnaud (Ibid., p. 63), que retomam “[...] o paradigma de base da didática profissional14, aquele da conceitualização na ação”. Nessa perspectiva, esses autores defendem que tanto o modelo cognitivo quanto o operacional devem ser construídos durante a ação de aprendizagem porque a “semântica da ação” emerge da observação e análise da situação. Pela experiência observável do movimento de cada situação, o indivíduo forma um conceito pragmático, o qual seria um conceito baseado na “semântica da ação” do regime de funcionamento do sistema com seus diagnósticos. Eles explicam que, cada vez que os alunos são confrontados numa nova atividade prática, eles também são confrontados com um novo conjunto de situações. Isso os leva a ter de reorganizar o modelo operacional e o modelo cognitivo, o que significa um alargamento desses modelos. A cada reconstrução do modelo operacional, o suporte do modelo cognitivo anterior é importante para o confronto com a prática e com o próprio modelo cognitivo que também será reconstruído. Isso sugere que “[...] a aprendizagem é máxima quando modelo

cognitivo e modelo operacional se apoiam mutuamente” (Ibid., p. 70).

A compreensão da complexidade da atividade técnica, destacando as influências de âmbito social e intelectual sobre a prática, é uma grande contribuição a partir dos estudos da didática profissional. Isso corrobora a ideia de que todas essas dimensões devem ser consideradas no processo de aprendizagem de um ensino profissional. Por outro lado, entendemos que a permanência no nível dos conceitos pragmáticos também é insuficiente para a formação do cidadão-trabalhador. Embora sugira maior relação entre a teoria e a prática, isso é feito no sentido de criar um modelo esquemático, a partir de uma sequência de práticas.

O segundo caminho pode ser obtido na Teoria Histórico-Cultural que orienta todo o

14 “A didática profissional tem por meta analisar o trabalho em vias da formação de competências profissionais. Ela se apóia sobre a teoria da conceitualização na ação de inspiração piagetiana. Sua hipótese: a atividade humana é organizada sob a forma de esquemas, nos quais o núcleo central é constituído de conceitos pragmáticos” (Pastré, Mayen e Vergnaud, 2010).

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processo formativo, em qualquer instância de formação, para o desenvolvimento humano. Nesse sentido, a aprendizagem profissional deve envolver também a formação dos conceitos científicos da área técnica em que o trabalhador vai atuar, a formação de atitudes e comportamentos profissionais daquele campo e a formação da consciência social em relação ao seu grupo socioprofissional e em relação ao seu papel social, como cidadão. O indivíduo em atividade deve ser conduzido à formação de princípios gerais, não de generalizações eventuais, conforme práticas particulares. O ensino por conceitos inclui a modelagem de diversos casos particulares, conforme vimos no tópico 2.1 deste capítulo. Isso implica que casos reais particulares devem ser problematizados na situação de ensino-aprendizagem, numa estreita relação entre teoria e prática, a partir do ensino de conceitos de caráter generalizante:

[...] a aquisição de um método teórico geral visando à resolução de uma série de problemas concretos e práticos, concentrando-se naquilo que eles têm em comum e não na resolução específica de um entre eles, constitui-se numa das características mais importantes do problema de aprendizagem. Propor um problema de aprendizagem a um escolar é confrontá-lo com uma situação cuja solução em todas as variantes concretas pede uma aplicação do método teórico geral. A generalização teórica difere consideravelmente da generalização formal empírica. Lembremos que essa última consiste em valorizar as propriedades comuns e externamente semelhantes de uma variedade de objetos, no momento em que é feita uma comparação, enquanto que a generalização teórica supõe uma análise das condições de construção iniciais de um sistema de objetos por meio da sua transformação. É ela que permite que um indivíduo, após haver resolvido uma série de problemas concretos e práticos, aproprie-se dos conhecimentos. [...] No entanto, esse processo de aquisição de conhecimentos não ultrapassa a sua experiência empírica, nem contribui para a formação de uma atividade de aprendizagem com conteúdo e estrutura apropriados. De acordo com Vygotsky, os conceitos, que são espontâneos por ocasião desse processo, ‘... não são conceitos no sentido próprio da palavra. São antes representações genéricas das coisas’... (RUBTSOV, 1996, p. 131)

Rubtsov ressalta, nessa citação, a diferença entre o conhecimento empírico e o conhecimento teórico, tema analisado intensamente por Davydov. Os métodos de ensino mais comuns, quando tratam de problemas, se caracaterizam, precisamente, por se restringirem à experiência empírica, isto é, à resolução de um problema prático, não de um problema de aprendizagem. No primeiro caso, o aluno restringe sua atividade a apreender as características específicas do problema, buscando apenas soluções, valorizando apenas a particularidade e não os processos de sua resolução. No segundo caso, o aluno precisa assimilar formas de ação gerais, ou seja, aquilo que é obtido como resultado, ou modo de funcionamento essencial para trazer soluções para os problemas de aprendizagem; o que importa é mais este resultado do que as soluções, porque é ele que leva ao conhecimento teórico-conceitual.

O ensino por conceitos permite ensinar o profissional a pensar com os instrumentos científicos da sua área, o que lhe possibilitará atuar profissional e pessoalmente melhor, inclusive em situações inusitadas. Implica que o profissional não tenha que agir no esquema

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tentativa-erro, mas que pense com sua rede conceitual (suas ferramentas mentais), a fim de buscar uma solução adequada. A Educação Profissional Técnica não deve se restringir a ensinar esquemas de ação. Ela deve explicar o “porquê” desses esquemas. Assim, os alunos podem compreender a lógica de funcionamento do trabalho técnico para executá-lo melhor e, ao mesmo tempo, se apropriarem de ferramentas intelectuais. Mjelde (2010) explica que avançar da práxis para um conhecimento mais geral é o problema central da educação profissional que comumente polariza na práxis. A aprendizagem fora dos conceitos gerais é restritiva a alguns casos particulares, o que não cria condições para o aluno formar um princípio geral que lhe sirva em diferentes situações práticas do trabalho.

O ensino guiado pela formação teórica do conceito, a partir de situações problematizantes, não separa a teoria da prática, ensinando, primeiro, a teoria e, depois, a prática. A situação problematizante vai proporcionar os processos do pensamento, desde o início, vinculados às situações concretas. Por essa razão, o modo como são expostos o assunto e as tarefas é que vai desencadear uma relação teórico-prática. Freitas (2011, p. 93) explica que o modo adequado das atividades de aprendizagem é aquele que articula necessidades cognitivas e operacionais para realização da tarefa. Isso significa que o fato de o estudante estar num ambiente de exercício, de trabalho, ou numa aula em laboratório, não significa que ele opere cognitivamente com os conceitos, na prática. O contrário também é válido: em sala de aula é possível compor atividades, em forma de estudos de caso, que configurem aplicações práticas dos conceitos. Não é, portanto, a mediação simbólica garantia de ensino teórico-prático. Tal relação é decorrente da forma como o professor problematiza o conceito e conduz a mediação pedagógico-didática nas demais ações do processo de ensino- aprendizagem.

Isso quer dizer que, mesmo se tratando de um ensino profissional técnico, não significa que é necessário ter aulas práticas em ambientes reais de trabalho em cem por cento da carga-horária. A relação teórico-prática não é garantida pela imersão em ambientes reais de trabalho. Pelo contrário, a imersão total pode desembocar na aprendizagem de conceitos pragmáticos. O trabalhador, assim como qualquer outro indivíduo ou estudante, precisa exercer o pensamento teórico sobre a prática não só em relação à própria prática, mas em relação ao referencial científico.

Desse modo, a mediação didática no ensino profissional deve desenvolver formas de mostrar aos alunos as outras dimensões que vão compor seu trabalho e que estão, além da prática direta, para incitar seus motivos e criar o desejo pelo saber na sua dimensão pessoal e social. Não se pode esquecer que são adultos e, por isso, seus motivos são relacionados ao

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trabalho, à profissão e à dimensão da realização pessoal, que se dá por meio do trabalho. Preparar um profissional para a condição atual, numa perspectiva científica e crítica, para Grinspun (2002, p. 263 – tradução minha), significa que o profissional deve ser preparado para compreender, planejar e controlar. Isso quer dizer ir além da formação para a execução, seria “[...] prepará-lo gradualmente para tarefas de maior responsabilidade, de atualização do conhecimento e de satisfação pessoal”. Para isso, em relação à mediação didática, essa autora explica que toda formação profissional deve centrar-se: nos motivos de um adulto, “[...] sem paternalismos, mas com rigor, realismo e participação”, tratando as diferenças de ritmo (considerando que são adultos, então, têm experiências e conhecimentos mais diversificados, o que pode implicar num desnivelamento muito maior do que numa sala de aula de crianças), na natureza da formação profissional e na avaliação, incluindo a aquisição e modificação de comportamentos profissionais (Ibid., p. 264-265).

Considerando esses elementos conjugados e retomando que os conteúdos determinam os métodos (DAVYDOV, 1988), então, a seleção de procedimentos e instrumentos didáticos vai variar conforme a ciência que sustenta a habilitação técnica. Contudo, existem recursos que podem ajudar a construir o caráter prático (no sentido de práxis) de algumas tarefas conforme o seu uso didático. Em se tratando de educação profissional, é preciso reforçar a importância do uso de laboratórios, simuladores e visitas-técnicas em campo. Ou seja, não é o recurso em si que assegura o caráter prático de modo crítico e criativo, mas o seu uso pedagógico-didático provocado, acompanhado e regulado pelo professor.

Ademais, as atividades de aprendizagem devem também estar conectadas com o desenvolvimento do comportamento profissional. Em relação aos comportamentos e atitudes profissionais, Grinspun (2002, p. 266) explica:

Como é bem sabido, a criação e a mudança de atitudes constituem uma das conquistas mais difíceis de alcançar em todo projeto pedagógico. [...] Em qualquer caso, a mudança e a criação de atitudes demandam um nível de interação social muito superior ao de qualquer outro objetivo cognoscitivo, pelos quais será dificilmente alcançado através de estratégias exclusivas de auto-aprendizagem.

Assim, retoma-se a importância das práticas interativas que exijam expressão oral, coletiva e individual, além da simulação de situações de trabalho, produções audiovisuais, estágio em ambientes de trabalho diretamente ligados à área de formação, enfim, organizar tarefas que envolvam os conhecimentos técnico-científicos, agregando a esse conhecimento, a realidade sociopolítica da profissão e dos ambientes de trabalho.

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