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As finalidades da Educação Profissional Técnica: entre a formação integral e a formação técnica

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P ROCESSOS DE MEDIAÇÃO DOCENTE NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS A DISTÂNCIA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO

1. Sociedade e conhecimento: dilemas na formulação de finalidades e objetivos da educação

1.2 As finalidades da Educação Profissional Técnica: entre a formação integral e a formação técnica

No caso da Educação Profissional Técnica, uma educação separada historicamente para os pobres, na condição de ser realizada separada da formação humana, percorre-se caminho contrário ao que se deveria para chegar à emancipação dos trabalhadores. Os diversos níveis criados para a educação profissional, ao longo dos anos, a consolida de maneira paralela ao sistema de educação básica e exclusivamente para atendimento ao sistema capitalista:

É aqui onde se coloca o grande problema, a divergência (de larga repercussão histórica) entre educação "humanista" e educação "tecnológica". O que se decide, com isto, é o conceito que o pedagogo tem da natureza do homem, de seu papel na sociedade, em última análise, do conceito de sociedade para a qual deve preparar o educando. O debate persiste até hoje, agora com marcada preponderância dos defensores da educação "técnica", "educação para o mundo de amanhã", etc. Mostrar o vício de ingenuidade que afeta toda esta discussão: não existe a diferenciação em tela, quando se parte do conceito crítico unitário do "homem" e de sua realidade num mundo em processo de desenvolvimento, com o qual está indissoluvelmente ligado. Porém a origem deste vício está na própria deficiência da noção ingênua de "conteúdo" da educação. (PINTO, 1982, p. 26-27)

Quando se assume o objetivo da educação, como sendo a formação da pessoa no sentido de personalidade para interesses coletivos, a oposição entre educação técnica e humana se distancia desse objetivo. Ambas não podem, isoladas, formar integralmente o ser humano. A própria separação é a primeira assunção de que se quer focar em alguma dimensão. Entretanto, discordamos de Pinto no que se refere a quem determina tal situação se referindo ao “pedagogo”. Conforme explicamos no capítulo anterior, entendemos que são tendências que vêm dos dominantes, da superestrutura. Além disso, para nós, não seria “ingenuidade” o termo mais adequado, mas, sim, malícia, já que é intencional e, assim, proposto, visando à manutenção da hegemonia.

A classificação da educação em técnica e em humana, independentes, tem a ver com a separação entre teoria e prática, de maneira intencional. Difunde-se a ideia de que são incompatíveis, juntas, como se quem exerce um trabalho predominantemente manual não pensasse, antes, durante e depois desse trabalho. E como se quem exerce um trabalho

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visualmente intelectual não gastasse energia física para movimentar seu cérebro e organizar sua disciplina. É a nítida separação entre teoria e prática, como se nos processos de trabalho, intelectual e manual, não houvesse o empreendimento entrelaçado das duas dimensões.

Gramsci (1982, p. 7, 138, 139) escreve:

Em qualquer trabalho físico, até mesmo no mais degradante e mecânico, existe um mínimo de atividade intelectual. [...] Assim, portanto, podemos dizer que todos os homens são intelectuais: porém nem todos exercem a função de intelectuais na sociedade. [...] Quando se distingue entre intelectuais e não intelectuais, faz-se referência, na realidade, tão-somente à imediata função social da categoria profissional dos intelectuais, isto é, leva-se em conta a direção sobre a qual incide o peso maior da atividade profissional específica, se na elaboração intelectual ou se no esforço muscular-nervoso. Isto significa que, se se pode falar de intelectuais, é impossível falar de não intelectuais, porque não existem não intelectuais. […] Não existe atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o homo faber do homo

sapiens. [...] Deve-se convencer a muita gente que também o estudo é uma profissão, e muito fatigante, com um tirocínio particular próprio, não só intelectual, mas também muscular- nervoso: é um processo de adaptação, é um hábito adquirido com esforço, aborrecimento e sofrimento.

Armazenar conhecimento apenas pela memorização, sem a aprendizagem do caráter científico, sem compreender os processos de pensamento dele, não contribui para o desenvolvimento do raciocínio. Logo, dificilmente esse conhecimento que é apenas memorizado ajudará a pessoa em grandes coisas, pois, se ela não sabe o conceito, ou seja, de que tipo de problema veio, que possíveis soluções foram descartadas, suas contradições, seu contexto e o porquê da solução elencada, é provável que ela não o saiba aplicar e nem relacionar para propor novas aplicações. Monasta (2010, p. 21) coloca que a desarticulação entre os trabalhos manual e intelectual é ideológica e, por isso, porta uma intencionalidade:

A crítica à distinção tradicional entre o “trabalho manual” e o “trabalho intelectual” é um dos elementos mais importantes para a elaboração de uma nova teoria da educação. Segundo Gramsci, essa distinção é ideológica, na medida em que desvia a atenção das funções reais, no interior da vida social e produtiva, para os “aspectos técnicos” do trabalho.

O diferencial nas formas de apropriação do conhecimento científico, de modo a desenvolver uma consciência crítica e criativa no indivíduo, é dado pela força das diversas mediações que tramam teoria e prática, não deixando de fora do processo de ensino- aprendizagem a formação dos valores humanos para si e para a coletividade. A intencionalidade deve ser entendida no sentido de não oferecer à maioria da população um ensino que leve à progressiva aquisição de uma consciência superior pela qual se poderia promover “massas” intelectualmente organizadas que pudessem causar desarranjos na ordem burguesa. Como explica MONASTA (Ibid., p. 100), recorrendo a Gramsci, para os empresários é mais conveniente formar trabalhadores-máquinas do que trabalhadores-homens. O dilema é evidenciado quando se questiona qual a finalidade da educação profissional e,

81 então, quais ações e modos organizacionais-pedagógicos seriam mais adequados. A resposta da finalidade depende do interesse. Para a elite empresarial, obviamente, que a finalidade é prover mão de obra qualificada, na medida em que necessita da existência dessa classe, o que indicaria que a formação técnica é suficiente. E os pesquisadores que defendem a tomada de consciência pelas classes baixas, a fim de alcançar transformação social emancipatória, afirmam que é direito dos trabalhadores a formação integral.

Em busca de transformação social, num rumo contrário à tendência capitalista dominante, entende-se que a formação do trabalhador não pode se resumir à formação técnica para executar um trabalho porque, antes de ser trabalhador, ele é ser humano pertencente a uma sociedade. Como humano, suas necessidades não são somente de sobrevivência, mas de vida. Todo ser humano tem desejos pessoais. Buscar a valorização do trabalho de cada um que compõe uma sociedade é buscar o reconhecimento de todos, uma vida boa para todos: “A finalidade do ser humano não é ser bem sucedido na vida, mas de ter sua vida bem sucedida, ou seja, de beneficiar de uma "vida boa" eticamente e socialmente, uma vida a mais isenta possível dos sofrimentos resultantes da injustiça social” (LENOIR, 2014a, p. 28). Isso implica a valorização dos interesses de todos, mas também a criação de interesses pessoais conectados à coletividade, de modo que buscar um deles signifique buscar, também, o do outro. Por essa razão, a formação profissional pela qual o indivíduo constrói sua vida não pode ficar restrita ao treinamento para o trabalho. Ao contrário, deve ser uma formação técnico-científica articulada com a formação humana com sentido emancipatório.

Dentre as diversas forças mediadoras para o desenvolvimento integral humano,

destaca-se a mediação didática do professor, como ser humano investido de conhecimento e autoridade profissional, para guiar intencionalmente os processos de ensino-aprendizagem rumo a essa formação. Em que pese o fato de os estudos vygotskyanos explicarem que o desenvolvimento da capacidade de pensar é subordinada à mediação cultural dos conhecimentos científicos, como mediadores internos em trabalho com outros mediadores sociais segundo Zinchenko (2005), Vygotsky afirmou que o ser humano é o mediador supremo. Ou seja, o papel do mediador intencional com objetivos específicos regularmente orientando é diferencial no processo de aprendizagem. Porém, de acordo com a Teoria Histórico-Cultural, esse papel não se efetiva isoladamente: nem só o conhecimento científico e nem só interações sociais levam ao desenvolvimento humano integral, mas como se dá essa relação. Conforme ocorrem as mediações socioculturais, diferentes rumos são desencadeados para o desenvolvimento humano, bons e ruins.

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BRESSOUX, 1994; HANUSHEK, 1971; VELDMAN et BROPHY, 1974) mostram o diferencial do professor no processo de apropriação dos conhecimentos pelos alunos. Cusset (2011) explica que o efeito do professor é tão significante no progresso da aprendizagem do aluno que pode superar os efeitos decorrentes do estabelecimento institucional. Mais do que isso, esse autor especifica que o diferencial vem da maneira como é concretizada a relação pedagógico-didática em aula. Desse modo, o estudo do conceito de mediação e, mais especificamente, a do professor, apresenta-se como imprescindível, quando se trata da busca por uma educação com formação integral.

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