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A mediação na Teoria da Intervenção Educativa

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P ROCESSOS DE MEDIAÇÃO DOCENTE NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS A DISTÂNCIA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO

3. Concepções de mediação e aplicações ao campo da educação

3.2. A mediação na Teoria da Intervenção Educativa

Yves Lenoir vem desenvolvendo estudos sistemáticos sobre a mediação pedagógico- didática no ensino trazendo aportes significativos para o desenvolvimento da didática. Tem voltado suas investigações à análise de práticas de ensino enfocando as tensões existentes entre as funções de instrução e socialização destinadas às escolas. Seus estudos tratam do lugar que ocupa o conhecimento no processo de ensino-aprendizagem, das relações entre alunos e professores e do papel da interdisciplinaridade sob o enfoque do processo educacional como formação de sujeitos humanos singulares e sociais.

Mais recentemente, Lenoir e sua equipe têm centrado suas pesquisas no tema das finalidades e objetivos da educação escolar, mostrando preocupações com as escolhas filosóficas e éticas que têm dominado os sistemas educacionais ocidentais. Suas pesquisas

109 têm sido direcionadas pela compreensão de que o ensino concretizado por práticas pedagógicas dialéticas concretizariam um ensino voltado para a emancipação humana.

Fundamentado em Gergen (2000, 1992, 1995, 2003), Lenoir situa-se na perspectiva teórica do Construcionismo Social segundo o qual o saber não procede do mental e o sentido não resulta de uma produção mental, mas das práticas discursivas, “resultam de relações sociais (da práxis social) e são estas últimas que os determinam pelo e no diálogo” (2014a, p. 176). O autor explicita que suas fontes teóricas são de ordem sociológica, afirmando que não rejeita “[...] a priori as perspectivas socioconstrutivistas”, que a maneira como analisa as práticas não configura uma leitura psicológica, mas “[...] uma leitura social, sendo lhe dada um olhar emancipatório e cidadão (civil)” que eles associam à educação escolar (Ibid., p. 177). Nessa perspectiva, segue com uma análise dialética das mediações, considerando que isso as difere “[...] profundamente das utilizações correntes que são encontradas na maioria das publicações, o que conduz a identificar também de outra forma as relações estabelecidas entre o professor e seus alunos a propósito dos objetos de conhecimento” (Ibid. p. 7).

Tais relações são entendidas como condições necessárias para a aprendizagem, sendo esta compreendida como um processo dialético em que o sujeito aprende e se constitui como ser humano:

No processo de constituição do objeto, a negação ocupa um lugar central. A conceituação do objeto requer a negação (a supressão) da positividade imediata da coisa que se mostra ao humano a partir de suas práticas concretas e de suas percepções com base na lógica do senso comum. As representações cognitivas de partida devem ser negadas, ou melhor, superadas (haufheben) para que possa ser construída, sobre sua base, uma estrutura conceitual

reorganizada e enriquecida. […] O conhecimento do objeto não conduz a uma apropriação real

do objeto, ao seu “consumo” (o que equivaleria à sua destruição), mas a uma construção

conceitual que opera no sujeito como representação idêntica do objeto, este último, vale

lembrar, sendo desde o início um construto humano. O processo de objetivação (entendido

aqui como processo de aprendizagem) é indissoluvelmente um processo, ao mesmo tempo, de

constituição do sujeito que ele engaja numa relação social e da realidade objetivada que ele produz e estrutura e à qual ele reconhece seu pertencimento, com base na qual ele assegura seu reconhecimento como sujeito humano. (Ibid., p. 25-26, grifos meus)

Nesse modelo de ensino-aprendizagem, a Teoria da Intervenção Educativa proposta por Yves Lenoir pode ser definida como o encontro da mediação pedagógico-didática11 com a mediação cognitiva, dentro de um sistema mediador, ou seja, quando uma intervenção gera mudança no pensamento do indivíduo. A mediação cognitiva é relacionada à relação que o aluno constrói com o conhecimento durante o processo de objetivação, por meio de uma cadeia de mediações cognitivas, possibilitadas pela situação de aprendizagem e pela regulação, por meio da mediação didática. Pode-se dizer que ela é um processo de integração

11 Conforme mencionamos em outra nota na Introdução, Lenoir utiliza a expressão “mediação pedagógico- didática”, razão pela qual a mantemos nesta apresentação de sua teoria.

110 do objeto em apreensão à rede de conhecimentos que o aluno já tem: “O conceito de mediação cognitiva coloca, portanto, em destaque a ação de construção da realidade pelo sujeito num quadro cultural, espacial e temporal” (LENOIR, 2011, p. 24). Aprender por meio da mediação cognitiva se refere à possibilidade de o aluno conseguir construir o sentido do objeto de aprendizagem, a partir das relações sociais didáticas. A mediação cognitiva constitui etapa e objetivo constantes pela intervenção educativa. Sobre tal intervenção, Lenoir (2014a, p. 232) escreve:

A intervenção educativa em ambientes escolares inclui um conjunto de açãos de planejamento (fase pré-ativa: identificação da situação problematizante; estabelecimento de um julgamento de valor justificando a ação; estruturação da ação no seio de um dispositivo), da realização em aula (fase interativa: o agir na situação) e da avaliação retrospectiva da realização (fase pós- ativa). Assim concebida, a intervenção se refere bem a um trabalho refletido e reflexivo de racionalização e de prescrição, uma ação de regulação finalizada direcionada por um ator (o professor) em um quadro socialmente normatizado. [...] Por intervenção educativa, nós entendemos, de um ponto de vista operacional, o conjunto de atos e discursos singulares e complexos, finalizados motivados e legitimados, mantidos por uma pessoa investida de mandato interventor numa perspectiva de formação, de autoformação ou de ensino num contexto institucionalmente específico – aqui a instituição escolar – em vias de perseguir os objetivos educativos socialmente determinados.

Lenoir (2014a, p. 183) explica que a mediação pedagógico-didática “[...] atua especificamente, não sobre o sujeito ou sobre o objeto, mas à luz dos aportes fornecidos pelas relações didáticas e psicopedagógicas e levando os diferentes objetivos em jogo (aqueles do interventor, do sujeito, do objeto e do sistema escolar) como do contexto socioeducativo...”.

Nesse sentido, o processo de ensino-aprendizagem é conduzido por um sistema de mediações em que a mediação docente se realiza “[...] num quadro socialmente normatizado levando em conta condicionantes múltiplos, contextuais e outros [...] (Ibid., p. 238-239). Mas o autor destaca as mediações humanas: “A objetivação é indissociável da relação de mediação porque implica uma interatividade prática e reguladora entre sujeitos aprendentes, objetos de saberes prescritos e normatizados pelo currículo e um interventor socialmente investido de mandato (o professor)” (LENOIR, 2011, p. 20).

Mesmo estando dentro de um sistema mediador, a mediação cognitiva só pode ser desencadeada por meio de um ensino que situe o estudante e o conhecimento socioculturalmente e que possibilite aos alunos formas de expressão dialógica, para que, a partir de seus estados iniciais cognitivos, eles sejam direcionados para a conceituação do objeto, a fim de alcançar estados cognitivos superiores. Isso quer dizer que a mediação cognitiva não ocorre sem que haja outra mediação. É um processo guiado que, para efeitos de emancipação intelectual, “[...] requer a mediação pedagógico-didática, sem a qual não se pode

111 203). Ou seja, para se chegar ao nível conceitual, é a mediação do professor que pode integrar os mediadores socioculturais uns com os outros e realimentar o processo, regulando e dirigindo o rumo da aprendizagem. Nesse sentido, Lenoir (2014a) apresenta duas fundamentações para a mediação docente passíveis de ocorrer em processos de ensino- aprendizagem: a mediação instrumental e a mediação dialética.

A escolha de uma dessas formas depende de uma pergunta básica que orienta os processos educacionais: “Qual finalidade socioeducativa é atribuída à mediação: por exemplo, reprodução, adaptação, inculcação, conformação ou emancipação?” (Ibid., p. 58). Lenoir (2014a, p. 23) afirma que o “poder” do ensino que visa à emancipação humana encontra-se na relação dialética entre o conteúdo e a forma que, por um lado, vão munir de conhecimento o indivíduo e desenvolver sua capacidade de pensar; por outro lado, vão fortalecer os valores da personalidade ligados à coletividade. O autor afirma, também, que se trata, no ensino, de trabalhar com saberes, sendo primordial considerar a maneira como são adquiridos, o que implica considerar a concepção de mediação que dá suporte ao processo de ensino- aprendizagem.

A mediação instrumental12 é assim nomeada devido ao fato de ser caracterizada pela preponderância de uma ação mediadora restrita à resolução de conflitos operacionais, por meio de técnicas e procedimentos de negociação. Está centrada, antes de tudo, nas formas operatórias da ação mediadora e, depois, na adoção da ideia de que tal ação deve ser neutra (Ibid., p. 59). A mediação instrumental assume a ação mediadora direcionada ao operacional e de modo polarizado: por vezes como ação organizadora, ora motivadora ora reguladora.

O caráter de imparcialidade implicado na mediação instrumental tem, implicitamente, a finalidade socioeducativa de não contribuir com a formação de pessoas emancipadas. Ao ser assumida como neutra, ela direciona a formação para algo reduzido a um treinamento, negligenciando as dimensões reflexiva, analítica e crítica, ignoradas no processo de ensino desse tipo. Lenoir (2014a, p. 59-60), citando Neves Almeida (2000), que escreve sobre o modelo americano de mediação, afirma:

Ela se refere a um modelo diferencialista que enfatiza a diferença entre os indivíduos que

12 Cumpre esclarecer que o termo “instrumental” utilizado aqui por Lenoir não tem correspondência direta com o uso do mesmo termo, no Brasil, na chamada “Pedagogia Tecnicista”. Neste caso, “instrumental” está associado à racionalidade técnica e instrumental para aperfeiçoamento de habilidades e competências diretamente ligadas ao trabalho, ao conhecimento aplicado, para otimizar a produção e maximizar seus resultados (LIBÂNEO, 1993). Desse modo, em outros lugares deste texto, mediação instrumental estará significando um tipo de mediação restrita à aplicação de recursos tecnológicos e operacionais em geral que não recorre, necessariamente, a formas de desenvolvimento de operações cognitivas ligadas ao desenvolvimento de capacidades intelectuais superiores. O termo não se aplica, também, aqui, à mediação dos artefatos técnicos e tecnológicos, integrante das mediações culturais, simbólicas, e referenciada no texto como mediação dos dispositivos tecnológicos.

112 fazem parte de uma coletividade. Centrada no culto da negociação, essa mediação recorre à técnicas para alcançar os objetivos determinados, tornando-se assim um meio alternativo de resolução de conflitos. Ela se inscreve numa lógica comunitária e é direcionada para o indivíduo. Ela questiona a disfunção do indivíduo em relação à sociedade, fundamentalmente reconhecido como equilibrado, homeostático, o objetivo sendo então a única melhoria a uma ordem social já racionalmente justa em seus princípios pela supressão das eventuais disfunções, concepção própria do paradigma positivista e das teorias funcionalistas e estrutural-funcionalistas. Tal entendimento da mediação remete, então, mais frequentemente à uma leitura psicologizante dos problemas, aqueles que não podem portanto relevar senão o próprio sujeito. Como, então, pensar a neutralidade e a imparcialidade, senão como uma profunda hipocrisia e como uma isca frente aos sujeitos?

A crítica de Lenoir à mediação instrumental não tem intenção de refutá-la sob qualquer condição, mas de chamar a atenção para as relações que ela tem com o sistema dominante, quando usada como máxima das mediações que ocorrem na totalidade do sistema escolar. O autor cita outros autores (FEUERSTEIN, 1990; CAMERON et DUPUIS, 1991; etc.) que adotam a mediação instrumental como cerne dos processos pedagógicos, desvinculada “do que” se medeia como se sua realização, em nível de interação, fosse suficiente para garantir a aprendizagem e o desenvolvimento13.

É preciso enfatizar que, sob diversas características que permeiam a mediação instrumental, como a conciliação, a arbitragem, a negociação e a resolução de conflitos (Neves Almeida, 2000 apud LENOIR, 2014a), a indagação reside não por essas ações em si, pois existem também tais necessidades no processo de ensino-aprendizagem, mas no fato de se restringir a elas, desvinculando-as de uma atividade intelectual para fins escolares emancipadores.

Na perspectiva de emancipação do ser humano, Lenoir (2014a) propõe que a mediação pedagógico-didática seja fundamentada nos princípios da mediação dialética, valorizando os processos dialógicos a fim de avançar para o conhecimento não imediato, considerando os contextos dos alunos, dos professores e os institucionais, e suas influências. Em contraposição às definições idealistas, supostamente desvinculadas de valor, acentua que a mediação docente, além de seus procedimentos, é, antes de tudo, ligada às questões políticas. Lenoir (2014a, p. 62-63 – tradução minha, grifos no original) diz:

A mediação de ordem dialética é concebida sobre a base da dinâmica dos seres humanos em suas relações sociais e ela tem por objeto a realização da humanidade deles em sociedade. Nesta perspectiva, a mediação - seria mais justo falar de um sistema de mediações - é intimamente ligada às práticas sociais no seio das quais elas entram em curso. Assim, ao contrário da concepção instrumental (a mais comum), a concepção dialética se inscreve numa

13 Segundo Barthélémy (1996 apud LENOIR, 2014a), a teoria de Feurstein tem influências da pedagogia comportamental e piagetiana na sua organização, chamando de mediação qualquer interação independente de seu conteúdo. Barthélémy (1996) afirma que, embora as pesquisas de Feurstein demonstrem alterações comportamentais mediante um mediador que altere os estímulos do ambiente, tais influências se restringem mais ao plano afetivo do que cognitivo porque a sua teoria negligencia a atividade intelectual, o “o quê” se medeia.

113 abordagem histórico-filosófica, o que quer dizer que ela repousa sobre o postulado ontológico de que todo ser humano se constrói coletivamente construindo com o outro a realidade no tempo e no espaço e visa alguma forma de emancipação social.

Na mediação pedagógico-didática, fundamentada na mediação dialética, não há possibilidade de conhecimento imediato e desvinculado da transformação humana. Trata-se de uma dinâmica prática e simbólica em que o aluno vai conhecendo e se transformando.

Portanto, a mediação docente, na perspectiva dialética, abarca a instrumental, porque existem algumas necessidades operacionais, mas vai além. Seu objetivo não se restringe às dimensões operatórias da interação e nem se coloca como neutra, ao contrário, é assumidamente organizada para a construção da consciência crítica e social. Ela tem seus aspectos operacionais, mas visa à formação do ser humano, como um todo, por isso, não pode se deter em uma dimensão. A relação dos seres humanos com o mundo é mediada pelo conhecimento, objetivado em instrumentos físicos e simbólicos, em práticas sociais. Não atuando o homem sozinho, é preciso uma determinada lógica que empreenda o que é a consciência social. Desse modo, a mediação dialética visa à emancipação humana porque se preocupa com a potencialização das forças cognitivas do ser humano como ser social.

Nesse sentido, nesta teoria, a concretização da mediação pedagógico-didática em processos educacionais formais requer necessariamente condições que permitam a construção das relações sociais pedagógicas baseadas em diálogos e na reflexão. Nessas relações, faz parte de tal mediação tornar o objeto desejável pelo aluno:

Se a aprendizagem só pode ser um processo fundamentalmente social, coletivo, ela dependerá originalmente da direção que o aluno vai dar ao desejo que ele projetará sobre o objeto de desejo do professor e do grau de intensidade que ele (o aluno) poderá injetar e manter como mediação. A mediação, este "desejo do desejo dos outros" como um componente intrínseco e constitutivo da relação com o objeto, um dado interno da sua estrutura, assegura o desvio necessário, supera e resolve a ruptura (preenche a distância) que o sujeito estabelece produzindo o objeto na exterioridade em relação a ele, quer dizer negando-o na sua existência imediata. (Ibid., p. 155)

Nesse sentido, o desejo é um “poderoso mediador” que vai impulsionar o aluno a empenhar-se na relação de ensino-aprendizagem. Para Lenoir, o objeto não porta em si o desejo de ser aprendido, ele é desencadeado sócio-historicamente pelas mediações humanas, em especial a do professor, sendo esta uma das suas atividades reguladoras para ajudar o aluno no processo de objetivação:

Um sujeito aprendiz, enquanto empreendedor de seu percurso escolar, não estuda por amor às disciplinas escolares. O motor do processo de aprendizagem se encontra inicialmente, num poderoso mediador que é o desejo do desejo do outro. [...] Mas este surgimento (o do desejo) não é nem de natureza espontânea e nem resultado de uma conversão interna qualquer que realizaria um sujeito de maneira autônoma. Ele é devido aos encontros com alguns professores

114 fora do comum, os quais seriam os portadores do desejo do saber. (Ibid., p. 33 - tradução minha)

Nessa perspectiva, o desejo é fruto da relação dialética entre os desejos individuais que buscam o reconhecimento. Segundo Honneth (2007a, apud LENOIR, 2014a, p. 84), "[...] o reconhecimento deve preceder o conhecimento". O desejo está ligado ao reconhecimento, ao qual estão ligados outros sentimentos relevantes para o processo de ensino-aprendizagem que surgem a partir das significações coletivas. Lenoir (2014a, p. 86) recorre à Teoria do Reconhecimento de Honneth (2003, 2007b) e cita três sentimentos que emanam das relações sociais e influenciam o desejo dos alunos: confiança em si mesmo, respeito de si mesmo e estima social. A relação social que fortalece tais sentimentos é a que consegue suscitar os desejos do outro porque inclui amor, amizade, cuidados, responsabilidades morais e materiais mútuas, etc.

Honneth (2008) explica, também, que o reconhecimento implica um reconhecimento mútuo e, por isso, só pode se dar em relações sociais nas quais se podem apresentar as ideias, por meio da linguagem, tendo em vista que só se pode ser reconhecido em relação a um referencial. No caso do ser humano, o reconhecimento é em relação aos outros seres humanos, aos valores sociais:

Assim, o reconhecimento sob essas três formas (confiança, respeito e estima) é o fundamento de toda a intersubjetividade. Ele é uma parte intrínseca de todo processo mediador intersubjetivo. Ele assegura a atribuição de um valor, primordialmente humano, a outro. E o reconhecimento do outro também fundamentalmente implica que devemos nos encontrarmos a nós mesmos em uma atitude de reconhecimento. É por isso que, na escola, a posição mediadora do professor é tão central, indispensável, incontornável e insubstituível (nenhum manual, nenhuma técnica, nenhum outro agente pode substituí-lo), quanto no processo interativo, intersubjetivo, que liga o professor aos seus alunos, a ligação que se estabelece não é primeiramente uma ligação nem epistêmica e nem cognitiva, mas uma preocupação de engajamento existencial... (Ibid., p. 86 – tradução minha)

Em relação ao desejo pelo objeto de estudo, é preciso, ainda, ressaltar sua relação de valor e sentido para que o aluno “enxergue” a importância de aprendê-lo. Lenoir (2011, p. 27 – tradução minha) explica que, para o encontro das duas mediações, pedagógico-didática e cognitiva, é indispensável à consideração dessa relação:

Pela função de valor, nós entendemos, como Freitag (1986a), que todo processo de objetivação se inscreve, a princípio, no real pelo efeito de valor, o que significa dizer que ele é conotado por um conjunto de valores que procedem da sociedade e dos seus membros. Mas ele é igualmente o resultado atual de um processo de produção e de desenvolvimento social e histórico. Ele deve dinamizar a significação pontual atribuída ao objeto, o que mostra o processo de objetivação, reinserindo-a na evolução do processo de apropriação do real, determinando seu grau de reversibilidade e limitando o arbitrário que a caracteriza sobre o plano formal, enfim iluminado-a de um sentido direcional.

Isso está relacionado com a consideração dos contextos socioculturais e com o movimento histórico do objeto. A mediação pedagógico-didática, integrando os elementos

115 mencionados – dialética, desejo, reconhecimento, valor e sentido – deve organizar uma prática significativa que quer dizer “[...] uma totalidade ativa e integrativa que engaja o sujeito inteiro num projeto finalizado” (LENOIR, 2014a, p. 208 – tradução minha). Trata-se de considerar as relações sociais de ensino, levando em conta o discurso do professor, com intencionalidade sobre o discurso dos alunos, dentro de um conjunto de sistemas simbólicos, de maneira que seja possível construir significados a partir dessas trocas.

A prática de ensino significativa requer um conjunto de ações que pode ser dividido em três grandes tempos: “[...] preparação, realização e integração” (Ibid., p. 285). Importante ressaltar que tais fases se caracterizem por ações e atividades, em caráter científico, o que quer dizer que implementem procedimentos e metodologias em que sejam solicitados aos estudantes os processos de planejamento, investigação espontânea e guiada, experimentação, validação, resolução do problema, organização e produção dos resultados, comunicação, dentre outros procedimentos científicos que possam ser necessários.

A prática significativa implica o conceito de situação. Ela se caracteriza por “[...] uma ‘circunstância’ específica, o que quer dizer ao mesmo tempo física, significativa, temporal, transicional, transacional, contextualizada e representacional” (Ibid., p. 245). No que se refere ao espaço físico, na verdade, entende-se a aula como uma estrutura inserida numa totalidade, institucionalizada, ou seja, com regras e normas sócio-historicamente estabelecidas. É um espaço sócio-historicamente construído, que tem sua dimensão temporal cronológica, tem uma duração, ou seja, um começo e um fim que caracterizam um espaço de tempo para transformações. No que se refere à aula, a dimensão temporal influencia muito a organização das atividades, chegando a afetar sua essência, em alguns casos.

Como espaço significativo, a situação de ensino-aprendizagem refere-se ao sentido que o aluno faz dela, ao desejo que conduz sua relação com o objeto. É ligada à situação- problema criada a partir das questões epistemológicas, via abordagem dialética. Isso abarca os

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