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Analisando a problemática da Educação Profissional Técnica: a contribuição de A Gramsc

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AS POLÍTICAS E DIRETRIZES DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO NO BRASIL E SUA IMPLEMENTAÇÃO A DISTÂNCIA

1. A trajetória histórica da Educação Profissional Técnica no Brasil

2.3. Analisando a problemática da Educação Profissional Técnica: a contribuição de A Gramsc

Analisar a educaçao profissional técnica a distância e, nela, a mediação docente desenvolvida, implica situá-la num contexto mais amplo de suas determinações, de modo a tornar possível estabelecer relações entre a forma como tal mediação ocorre e essas determinações.

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Vimos, anteriormente, que as politicas educacionais em curso no Brasil inserem-se nas orientações de organismos internacionais, principalmente, do Banco Mundial, as quais podem ser resumidas nos seguintes pontos: a) implementação de programas de alívio à pobreza e de redução da exclusão social, como condição para o aumento da produtividade dos pobres; b) provimento de conhecimentos e habilidades básicas que incrementem a produtividade e assegurem acesso ao trabalho; c) criação de parcerias com organizações da sociedade civil; d) subordinação da educação ao mercado de trabalho (LIBÂNEO, 2012a, 2013a, 2014; EVANGELISTA, 2013; SHIROMA, 2013). Tais orientações são sintetizadas no modelo de educação por resultados, caracterizado por avaliação em larga escala do rendimento dos sistemas educativos, com base em metas de desempenho de competências aferidas por testes estandartizados e, com base nessa avaliação, responsabilização das escolas e professores pelo desempenho dos estudantes. Está clara a prevalência do critério econômico para se definir níveis de qualidade do sistema de ensino ao que se segue um tipo de ensino instrumental e imediatista desvinculado de estratégias de ação pedagógica, visando o desenvolvimento de capacidades intelectuais, já que o peso do critério econômico põe em segundo plano a formação cultural, a científica e a formação da cidadania.

Conforme Marx e Engels (p. 29), “[...] os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual... As suas ideias são, portanto, as ideias dominantes da sua época”. Nessa perspectiva, escreve Libâneo:

Os documentos dos organismos internacionais têm, assim, o propósito de difundir modelos cognitivos culturais a serem internalizados pela população, pelos diretores de escola, professores, técnicos de educação, com extenso uso das mídias. Ou seja, concepções e conceitos globais, normas e procedimentos vão fazendo a cabeça dessas pessoas, as quais os assimilam cognitivamente por estratégias de comunicação. (LIBÂNEO, 2013a, p. 6)

Antonio Gramsci desenvolveu sua concepção de bloco histórico, segundo a qual, nas sociedades ocidentais contemporâneas, a obtenção de um consenso é fundamental para o projeto de sociedade tornar-se hegemônico. Para isso, recorreu a uma noção ampliada de Estado que assume papel educador na sociedade, visando às reformas intelectual e moral adequadas ao projeto de sociabilidade dominante (garantir a partilha de valores e ideias dominantes pelo conjunto da população) e nova relação entre aparelhagem estatal e sociedade civil. Neves e Sant’Anna (2005, p. 27), interpretando Gramsci, escrevem:

Por intermédio de ações, proposições e concepções, instituições como a Igreja Católica, os meios de comunicação de massa, as associações recreativas e sindicais, as associações de defesa de interesses corporativos distintos, dentre outras, articulam-se às classes socialmente

57 dominantes, constituindo-se num bloco histórico responsável pela dupla e complexa tarefa de, preservando suas maneiras específicas e próprias de atuação nas questões sociais, harmonizar os interesses das classes e frações de classes em nome das quais atuam, como também organizar e organicizar as proposições mais afeitas a esses interesses particulares, constituindo- os como gerais.

Apesar das estratégias de violência coercitiva, ainda amplamente utilizadas, a escola seria um dos mais importantes elementos de conquista e difusão dos ideais do capitalismo de maneira consensual. Por questões de sobrevivência, o capitalismo é difundido sob diferentes “disfarces”, alastrando-se, sutilmente, pelo modo de vida das pessoas, criando necessidades de consumo, perfis de status e novas relações de trabalho, formadoras de uma cultura dominante que consolida seus ideais estrategicamente. O consenso, para qualquer ideologia, é estratégia poderosa para enraizar culturalmente as prerrogativas necessárias para alcance da hegemonia:

Governo com o consentimento dos governados, mas com o consenso organizado, não genérico e vago tal qual se afirma no instante das eleições: o Estado tem e pede o consenso, mas também “educa” este consenso com as associações políticas e sindicais, que sem dúvida são organismos privados, deixados à iniciativa privada da classe dirigente. (GRAMSCI, 1981b, p. 122)

O consenso é a estratégia predominante nos governos democráticos em que não se trata de realizar o que a maioria escolhe, mas apenas de fazer processos de consulta, alimentando o povo do sentimento de participação que implica o fortalecimento do ciclo consensual. Nas ditaduras aparecem mais as forças coercitivas, embora elas busquem também o consenso, mas de maneira violenta.

Trazendo o pensamento gramsciano para a análise da problemática abordada neste trabalho, é pertinente assinalar que o Brasil representa um caso particular na totalidade mundial em que se configuram forças econômico-políticas que fazem movimentar o mercado econômico das grandes potências. A globalização reproduz em grande escala interesses e antagonismos entre classes e grupos sociais: assim como a elite dominante precisa do trabalho do operário, os países desenvolvidos dominam e precisam do trabalho dos países subdesenvolvidos. Nessa perspectiva, justificam-se as ações recomendadas pelo Banco Mundial para os países em desenvolvimento, entre as quais a oferta da educação profissional.

Retornando a Gramsci, ele via a escola de tipo profissional de sua época, na Itália, caracterizada pelo interesse prático imediato, sobrepondo-se à escola “formativa”, desinteressada, e tida como democrática. Mas, para ele, tal escola estava destinada “[...] a perpetuar diferenças sociais” (GRAMSCI, 1981b, p. 213). Com efeito, a escola profissional italiana era direcionada para as classes baixas, ficando a escola “desinteressada” para os ricos que não precisavam se preocupar com o futuro. Desse modo, a educação profissional, apartada da “formativa”, mantinha um discurso democrático que, paradoxalmente, aumentava

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a desigualdade social:

Creio que na escola moderna está se dando um processo de progressiva degeneração: a escola do tipo profissional, isto é, preocupada por um interesse prático imediato toma vantagem sobre a escola “formativa” imediatamente desinteressada. O mais paradóxico é que este tipo de escola se apresenta e se predica como democrática, enquanto que, pelo contrário, é precisamente ela a destinada a perpetuar as diferenças sociais. (Idem – tradução minha)

Visando à formação de uma sociedade igualitária, Gramsci propunha o conceito de escola unitária e “desinteressada”, para todos, independentemente da classe social. Nesse sentido, não se deveria multiplicar e hierarquizar os tipos de escola profissional, “[...] mas criar um tipo único de escola preparatória (primária-média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o, durante este meio tempo, como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige” (GRAMSCI, 1981b, p. 213). Tratava-se da escola unitária em dois sentidos: única por não dividir a escola em formativa e em profissional, e única no sentido de ser uma única escola para todos de uma mesma sociedade. Ela teria a tarefa de “[...] introduzir os jovens na vida ativa, depois de tê-los levado a um certo grau de autonomia intelectual, ou seja, com certo grau de capacidade para criação intelectual e prática, de orientação independente” (Ibid, p. 197).

A escola unitária visaria justamente a integração entre as dimensões intelectual e prática da formação humana, pois, para Gramsci, a formação para o trabalho seria apenas uma dimensão da formação escolar, que deveria acontecer de forma integrada com a formação do intelecto. Portanto, a ideia de formação integral, também conhecida por formação omnilateral e formação emancipadora, tem correspondência com uma concepção de formação que articula os conhecimentos científicos com o desenvolvimento das capacidades intelectuais, numa estreita relação teórico-prática. Ou, ainda, que articula a formação técnica com a científica e a humana:

Escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre equanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências de orientação profissional, passar-se-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo. (GRAMSCI, 1982, p. 118)

A constatação que Gramsci faz, na Itália de seu tempo, da dualidade entre formação geral e formaçao profissional se reproduz no percurso histórico da educação brasileira em que a Educação Profissional Técnica esteve desgarrada da educação básica (LEHER, 2011; FRIGOTTO, 2001, 2010; KUENZER, 2000, 2006). Presentemente, como se pode constatar nos documentos do Banco Mundial, mantém-se na organização do ensino técnico, ao menos em sua operacionalização, a dualidade estrutural entre a formação geral e o ensino técnico.

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Tal como analisado por Gramsci, a educação profissional, de caráter estritamente pragmático, direcionada pelos interesses empresariais, abria caminho para formar “[...] massas passivas, depois divisão de classes, massas ignorantes para não intervirem na economia” (KOHAN, 2004, p. 151). Confirma-se a visão de Gramsci, segundo a qual não interessa às classes dominantes a escola unitária, mas a escola tecnicista, precisamente porque esta seria a que atenderia às prerrogativas a favor da manutenção do sistema capitalista, à medida que não prevê o desenvolvimento da atividade intelectual do trabalhador. Nascimento e Sbardelotto (2008) explicam que a escola formativa e “desinteressada” proposta por Gramsci não convinha ao Estado capitalista que, não sendo “ético” e “educador”, não trabalha na direção de oferecer a todos os seus “cidadãos” as mesmas condições de se tornarem governantes.

Reforçando esse entendimento, Souza (2013) faz um balanço da expansão da educação profissional, nos últimos governos, demonstrando a concretização da dualidade entre formação geral e formação técnica. Conforme essa autora, até 2010, a maior expansão foi das matrículas na modalidade subsequente ao ensino médio, totalizando 62,1%, enquanto apenas 19% foram no modo concomitante e 18,9% no modo ensino técnico integrado ao médio. Neste exemplo, é possível perceber que a estratégia de consenso, conforme a formulação gramsciana, consistiu em atender partes de uma necessidade, nesse caso, aspectos quantitativos. Tal expansão se deu na contramão das lutas históricas por uma educação integral. Foi discutida e executada, desde o início, sem conjugá-la à reforma ou integração com o Ensino Médio regular, ou seja, a expansão de uma, independentemente da outra, reforçou sua separação. Além da maior concentração das novas vagas não ser de educação profissional integrada ao Ensino Médio, sutilmente foi aumentado o fosso que separa o Ensino Médio para a elite do Ensino Profissional Técnico para o povo. O anseio pela escola unitária torna-se, portanto, mais distante. Ao conseguir o consenso da massa, por meio do aumento das vagas de educação técnica, em parceria com o Sistema S, com ONGs e com outras instituições privadas, a classe dominante mantém sua hegemonia.

É, pois, prudente para as classes dominantes conquistar cotidianamente o consenso do povo, por meio de instituições diversas, de meios de comunicação em massa e pelas políticas de alívio à pobreza, a fim de que os fatos apareçam como consequência natural da existência do mundo, negando as ações humanas e suas articulações sociais e político-econômicas empreendidas para um determinado fim. É mais prudente, ainda, no caso da Educação Profissional Técnica, que agrega uma massa de alunos de classes baixas, ser-lhe provida uma educação em que não se desenvolva a consciência e nem a consciência de classe, haja vista a necessidade delas pela classe trabalhadora ser um fator imprescindível para que aconteçam

60 intervenções contra o sistema vigente.

3. A Educação Profissional Técnica a distância: o Programa Nacional de Acesso ao

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