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Os projetos dos cursos técnicos a distância pesquisados

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A MEDIAÇÃO DOCENTE REALIZADA NOS PROCESSOS DE ENSINO APRENDIZAGEM EM CURSOS TÉCNICOS A DISTÂNCIA DA REDE E-TEC

3. Apresentação e análise dos dados coletados

3.2 Categoria 2: O contexto institucional e a estrutura curricular formalizada para os cursos da Rede e-Tec

3.2.3 Os projetos dos cursos técnicos a distância pesquisados

De um modo geral, os projetos dos cursos analisados têm uma descrição no sentido de justificá-los pelas necessidades de mão de obra do mercado regional. Em relação aos objetivos professados, em três dos quatro cursos, encontramos características de formação humana:

Formar recursos humanos para o desenvolvimento tecnológico da sociedade, em estreita relação com atitudes profissionais éticas, criativas e ativas, com vistas a garantir a expansão das capacidades humanas em intrínseca relação com a aprendizagem técnico-científica no campo da informática. (Curso Técnico em Informática para Internet – da Instituição A)

Qualificar e certificar profissionais na área desse curso, capazes de exercer atividades técnicas nos procedimentos de análises em laboratórios e atuar nos processos de produção industrial desta área, de forma responsável, proativa, crítica e criativa. (Curso Técnico em Açúcar e Álcool)

Formar técnicos capazes de formular soluções para sistemas de informação computacional, numa perspectiva dinâmica, inovadora e ética tornando-os aptos a avaliar, diagnosticar, projetar, implementar e manter sistemas de comunicação no escopo da Internet. Capacitar o estudante para atuar no mercado profissional com ética profissional, sustentabilidade e responsabilidade social. (Curso Técnico em Informática para Internet – da Instituição C)

Entretanto, quando analisamos suas matrizes curriculares, notamos que apenas o Curso Técnico em Açúcar e Álcool oferta disciplinas que visem a alguma formação crítico-social (ver Anexo I).

O Curso Técnico em Gestão Ambiental possui vinte disciplinas, cada uma de cinquenta e quatro horas, totalizando 1100 horas (ver Anexo III). Nenhuma foge da área técnica do curso, que exige 480 horas de estágio curricular. Neste curso e no Técnico em Informática para Internet, ambos da Instituição A, as disciplinas curriculares ocorrem cem por cento a distância, com uma aula de campo, durante o semestre, dependendo do recurso orçamentário de cada ano. Não existem encontros online semanais obrigatórios e nem aulas presenciais. Nesses cursos, no ato da matrícula, os alunos devem preencher e assinar um termo de compromisso, especificando os dias da semana e os períodos que poderão se dedicar

online ao estudo, ficando a cargo dos tutores a distância fazer a checagem e o contato com o

aluno, caso este não esteja cumprindo o compromisso. A frequência é cobrada apenas nas avaliações presenciais.

A matriz curricular do Curso Técnico em Gestão Ambiental é dividida por semestres, assim como o Curso Técnico em Informática para Internet. Em torno de 5 a 7 disciplinas devem ser cursadas pelo aluno, por semestre. Sua matriz totaliza 1300 horas, divididas em

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vinte e duas disciplinas, mas nenhuma voltada para a formação humana. São previstas ainda 480 horas de estágio. Esses dois cursos têm duração de dois anos e exigência de carga horária de estágio correspondente ao curso presencial. Cabe observar que esses dois cursos são vinculados a uma escola que optou por não se transformar em IF, o que lhe possibilita, por um lado, fugir de alguns enquadramentos das metas, como o aligeiramento do curso, por exemplo, mas, por outro lado, recebe bem menos recurso financeiro para a condução do curso, praticamente só o recurso referente ao pagamento das bolsas.

O Curso Técnico em Açúcar e Álcool é modular. Cada módulo dura de 45 a 60 dias e é composto por cinco disciplinas, em média. A matriz é composta por vinte e três disciplinas, sendo catorze da área técnica, três de cunho geral e duas voltadas para a formação humana. A matriz totaliza 1350 horas, sendo 6%, aproximadamente, presenciais, desde a primeira turma ofertada, que são realizadas em laboratórios específicos, ou em campo, na forma de visitas- técnicas em empresas ou em indústrias específicas da habilitação técnica. Nesse total, são previstas cento e vinte horas de estágio e cento e vinte horas de atividades extracurriculares. Este projeto foi o único a prever e realizar aulas em laboratórios e visitas-técnicas nos cursos a distância, assim como nos presenciais. Por outro lado, não são previstos encontros semanais

online, bem como não existem controles dessa participação. A frequência é cobrada nas aulas

e avaliações presenciais. Este curso, dentre os quatro analisados, foi o único a prever duas disciplinas de formação humana, Ética e Cidadania e Sociologia do Trabalho, atividades extracurriculares e aulas presenciais para atividades técnicas. Por outro lado, no ambiente

online, as atividades são programadas e ao professor não é recomendado o desenvolvimento

de atividades interativas.

O Curso Técnico em Informática para Internet da Instituição C (ver Anexo IV)

também é modular, sendo três disciplinas por vez, que duram, no máximo, dois meses cada uma. Sua matriz curricular é composta de dezoito disciplinas, totalizando 1080 horas, todas de cunho técnico. O projeto desse curso está passando por reformulação e disciplinas, como Ética e Sociologia do Trabalho, poderão ser inseridas como conteúdo transversal em todas as outras disciplinas. A intenção da coordenadora de curso é que cada disciplina trabalhe um pouco esses temas, já que a coordenação geral não permite a inserção de disciplinas, se isso for estender o curso para dois anos. Entretanto, ela mesma diz que “[..] os professores não gostam disso. Eles querem dar aula do que eles sabem e eles são da informática. O certo seria ter a disciplina” (Coord4, entrevistado em 24/9/2013).

Esse curso não prevê aulas em laboratórios específicos da habilitação, nem estágio, ou qualquer tipo de atividade ligada à prática profissional. Por outro lado, são previstas aulas

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semanais por videoconferência cuja presença é obrigatória. Consta no projeto do curso que é preciso ter pelo menos 75% de frequência nessas aulas semanais para não ser reprovado. Elas são de quarenta e cinco minutos cada uma, totalizando duas horas e quinze minutos por semana para as três disciplinas que ocorrem simultaneamente.

A organização da matriz curricular de cada curso aqui analisado segue as recomendações do catálogo nacional de cursos técnicos. Predomina o estabelecimento de competências e a ausência de disciplinas de fundamento científico, com alguma exceção nas matrizes dos cursos da instituições B e C. Todos os projetos de curso analisados mencionam que visam formar um profissional autônomo, crítico ou criativo. Porém, observamos pelas disciplinas e suas ementas associadas às estruturas curriculares que parecem não propiciar mediação didática para tais objetivos, permanecendo apenas no plano do discurso. O foco dado é nas competências técnicas e, ainda assim, de um modo muito restrito, quando comparado ao curso presencial. Nesse caso, Frigotto (2007, p. 1140) afirma que “[...] isso faz com que não estejam preparados nem para as exigências profissionais, nem para o exercício autônomo da cidadania”. O referido catálogo menciona que suas recomendações “[...]

possibilitam à instituição de ensino qualificar a oferta de seus cursos e ao estudante uma maior aceitação no mercado de trabalho” (BRASIL, 2012b), como se a qualificação do curso fosse associada somente à sua relação com o trabalho.

Conforme explica Bourdoncle (1991), a formação profissional investida de propriedade e status profissional não é chancelada só pelos conhecimentos técnicos, mas também pelo profissionalismo e pelo profissionismo que construíram sócio-historicamente o reconhecimento público da profissão. Nesse sentido, os currículos aqui analisados negligenciam a dimensão da formação das atitudes e comportamentos profissionais, em nível individual e social, porque não contemplam tais dimensões nem por meio de disciplinas, nem como conteúdo transversal e nem como projetos paralelos. Tais conteúdos, componentes da formação humana do cidadão, deveriam ser trabalhados, inclusive no intento de se cumprir as recomendações legais vigentes (BRASIL, 2012a, p.5):

Art. 14 Os currículos dos cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio devem proporcionar aos estudantes:

I - diálogo com diversos campos do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como referências fundamentais de sua formação;

II - elementos para compreender e discutir as relações sociais de produção e de trabalho, bem como as especificidades históricas nas sociedades contemporâneas;

III - recursos para exercer sua profissão com competência, idoneidade intelectual e tecnológica, autonomia e responsabilidade, orientados por princípios éticos, estéticos e políticos, bem como compromissos com a construção de uma sociedade democrática;...

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Se os conteúdos das ciências humanas não estão sendo contemplados de nenhuma forma e também não há espaço para a prática profissional a qual poderia tangenciar algo, não há espaço, no decorrer do curso, para discutir as relações sociais de produção e de trabalho e nem para integração de ciência e cultura, pensando no desenvolvimento de uma consciência crítica. Observamos, portanto, um discurso ideológico e a efetivação de estruturas curriculares reduzidas aos interesses hegemônicos do mercado, o que confirma que “[...]as políticas curriculares para EP no Brasil encontram-se constrangidas por políticas de financiamento e de controle, o que vai ao encontro do reconhecimento de que, no mundo globalizado, as políticas educacionais estão estreitamente vinculadas às políticas econômicas” (OLIVEIRA e VIANA, 2012, p. 54).

No que diz respeito à relação do currículo com uma formação emancipadora, além de ser necessária a abordagem das ciências humanas nos programas dos cursos técnicos, se se deseja a formação integral do seu público, é preciso contemplar os conteúdos com sua fundamentação científica, pois, para níveis superiores de desenvolvimento das capacidades de pensamento os conteúdos científicos ensinados em caráter científico são imprescindíveis mediadores do desenvolvimento intelectual dos alunos (DAVYDOV, 1988; VYGOTSKY, 1931). Nesse caso, sendo papel de qualquer nível educacional, uma educação para o desenvolvimento humano, mesmo a educação profissional não poderia ser restrita a um treinamento técnico. Para Ciavatta (2005, p. 85), a formação integral é uma questão de direito do cidadão: “Garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política”. Não é porque se trata de educação profissional que se deve privar o cidadão de uma completa formação.

Os dados nesta categoria apresentados indicam que a organização da estrutura curricular não foi em função dos objetivos preestabelecidos nas diretrizes nacionais, em função da formação integral do aluno do ensino técnico. O que, por um lado, reduz o tempo de duração e os custos do curso, por outro, priva o aluno de uma formação ampla, crítica e criativa, tanto como profissional como cidadão e, ao mesmo tempo, não é suficiente para dar- lhe condições de inserção no mercado devido à superficialidade da formação. Essas características reveladas são em função de um projeto neoliberal de Educação em que se preza mais por medidas economicitas do que pela qualidade dos processos pedagógico-didáticos em função do desenvolvimento do cidadão. A exemplo disto podemos citar contratos com técnicos e empresários como se fossem professores, polos que foram aceitos sem as condições necessárias para um curso profissional e para um curso a distância, programas curriculares

188 aligeirados que se concentram nos conteúdos técnicos, extinguindo até elementos essenciais à formação técnica, como práticas laboratoriais, estágio, visitas-técnicas e atividades extracurriculares, etc.

A quantidade de alunos que aparece por turma para os cursos técnicos na modalidade em estudo também demonstra desdém pela formação profissional a distância, ainda que não consideremos a formação integral, pois, mesmo com professores formados, não é possível estabelecer interação social, visando desenvolvimento cognitivo com salas lotadas. Nos cursos técnicos presenciais da rede federal, em média, ingressam trinta alunos por turma (segundo os PDIs e editais de seleção para cursos técnicos presenciais das instituições aqui pesquisadas), dadas as especificidades técnico-científicas que devem ser trabalhadas nas aulas e em outras atividades que simulam a prática e, por isso, requerem acompanhamento e margem de segurança confiável. Todos esses fatores conjugados revelam uma contradição: como pode o mesmo curso, em condições tão diferentes, formar o mesmo perfil de egresso, conforme recomenda a diretriz nacional? Alonso (2010, p. 1327) observa que, ainda que não vamos reproduzir a arquitetura do curso presencial, também não podemos conformar a EaD às condições vigentes, como se isso fosse uma regra. É preciso rever essas questões que convergem para a qualidade da formação:

Se há uma lógica – ainda que nem sempre respeitada sobre as “arquiteturas do presencial” – teríamos, também, para além dos “itens” que conformariam um sistema de EaD de pensar sua “arquitetura”. Não basta ter professores e alunos no exercício da mediação. Se a tentativa desse exercício se der numa relação de 100 alunos para 1 professor, por exemplo, por mais eficientes que as TIC dispostas no sistema possam ser – e não o são –, será impossível sustentar processos de formação responsáveis, considerando somente as demandas dos alunos.

Em síntese, entendemos que o estímulo pela intensificação no uso das TDIC nesses cursos é tentativa de superar as condições minimalistas apresentadas, tanto de recursos físicos, quanto humanos e tecnológicos, sem precisar mexer na lógica vigente chamada de lógica da democratização, apenas porque expande o acesso ao ensino técnico. Ainda que cada estrutura apresentada pelas instituições possua características elencáveis que demonstram intenções de oferecer cursos a distância com qualidade, quando articuladas, não propiciam um ambiente de processo de ensino-aprendizagem contínuo, acompanhado, revisto e direcionado para os fins da aprendizagem e desenvolvimento dos alunos; são antes informacionais para restrita e superficial formação de competências.

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