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O processo de globalização e os impasses da Educação Profissional Técnica

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AS POLÍTICAS E DIRETRIZES DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO NO BRASIL E SUA IMPLEMENTAÇÃO A DISTÂNCIA

1. A trajetória histórica da Educação Profissional Técnica no Brasil

2.2 O processo de globalização e os impasses da Educação Profissional Técnica

A retrospectiva histórica da educação profissional no Brasil e a caracterização do ensino técnico e da Rede e-Tec suscitam considerações em torno de três questões cruciais, em relação à problemática investigada nesta pesquisa: a incidência da globalização nos sistemas educacionais, a junção, nos mesmos dispositivos dos documentos oficiais reguladores da educação profissional, da rede federal e as demais como se tivessem os mesmos objetivos e a desarticulação entre os princípios da educação profissional e sua operacionalização no funcionamento da Rede e-Tec Brasil.

Em relação à primeira questão, verifica-se que as relações de força que, aparentemente, se dão em nível nacional, na verdade, são em nível global, haja vista a inserção do país no sistema capitalista mundial. Segundo Akkari (2011), a globalização é um efeito da ideologia neoliberal fundamentada no liberalismo mercadológico, o que estimula um forte processo de padronização e interdependência que não se restringe à dimensão econômica, incluindo a cultura, a sociedade, etc. Todavia, na sua concretização, não implica um processo e nem resultados uniformes, uma vez que os contextos econômico, social, cultural, educacional, dentre outros, variam de país para país, influenciando todo o processo. A globalização é difundida como estratégia econômica para conquista de novos mercados, o que demanda mão de obra qualificada, criação de novos produtos e novos consumidores, para

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o que é chamada a atuação da educação. É nesse contexto que pode ser explicada a expansão da rede federal de educação profissional, tanto por meio de parcerias com a rede privada, como por meio da oferta a distância e de programas específicos, como meio de atendimento às recomendações internacionais:

A principal ligação entre a educação e o mundo do trabalho na América Latina e no Caribe (LAC) são as instituições técnicas e vacionais ou serviços nacionais de aprendizagem. [...] O papel dessas instituições envolvidas em educação e trabalho precisa ser examinado e um sistema de qualificações e padrões precisa ser desenvolvido no interesse de atualizar as

competências para o trabalho. […] No planejamento para significativos aumentos na qualidade

e relevância da escolarização de secundária, os países LAC devem avaliar criticamente o papel que a educação secundária deve ter na vidas dos jovens em curto e médio prazo. […] Consistente com a missão do Banco de reduzir a pobreza mundial por meio do crescimento econômico e de serviços e investimentos direcionados para os pobres, nossa meta over...para a região LAC é aumentar o capital humano da região, especialmente, aquele da pobreza. Sustentar esta meta requererá investimentos em qualidade e cobertura direcionados especialmente aos pobres, mas também reformas sistêmicas requeridas/requisitadas para estes investimentos para yeld benefícios sustentados. Para alcançar esta meta o Banco enfatizará as seguintes prioridades estratégicas: […] introduzir a avaliação de escolas e professores, melhorar a transição da escola para o mundo adulto ajustando o conteúdo da escola secundária

para equipar os jovens com o conhecimento e valores para participação produtiva no trabalho e na sociedade..., apoiando reformas na governança e melhoramentos na informação que

garantam a prestação de contas/responsabilização... fortalecendo o papel integral do setor

privado no financiamento e na oferta... (BANCO MUNDIAL, 1999, p. 44, 50 e 51, grifos meus

- tradução minha)

A atuação do Banco Mundial insere-se nas características da globalização, uma vez que tem desencadeado amplas reestruturações em diversos segmentos. Segundo Enders (2004, p. 367 – tradução minha), “[...] o processo de globalização é associado com a reestruturação da nação: através da desregulação de controles legais e financeiros, da abertura do mercado ou dos quase-mercados (incluindo a educação superior) e crescimento da primazia das noções de competição, eficiência e gestão”. Desde a intensificação das recomendações do Banco Mundial, por volta de 1990, e, mais recentemente, a adesão oficial do governo ao movimento Todos pela Educação7 (2001), todos os níveis de ensino têm passado por fortes processos de reestruturação, seja de ordem infraestrutural, estrutural, pedagógica, administrativa e até de finalidades.

A segunda questão, relacionada à união, para efeitos de regulamentação, da educação profissional da rede federal, do Sistema S e de outras entidades, mostra contradições que

7 O movimento Todos pela Educação surgiu no âmbito empresarial em 2005 visando formar uma aliança entre a iniciativa privada, as organizações sociais, os educadores e os gestores públicos da Educação para romper com a baixa qualidade da educação brasileira em favor do acesso de crianças e jovens a uma educação básica de qualidade, esta traduzida em indicadores obtidos por meio de avaliações externas. Para esse objetivo foi elaborado em 2006 o documento Compromisso Todos pela Educação, o qual ganhou adesão do meio empresarial, de organizações sociais e do Ministerio da Educação. As proposições deste documento foram incorporadas no principal plano do governo federal para a educação, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) (SHIROMA, GARCIA e CAMPOS, 2011, p. 222).

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afetam a busca dos objetivos de cada uma delas. As resoluções que fornecem as diretrizes nacionais para educação profissional, reforçando-a para formação integral do indivíduo se direcionam para todas as entidades ofertantes, mesmo sabendo que tanto a rede estadual quanto a privada não têm na sua composição esse interesse. No caso da Lei do Pronatec, que inclui a Rede e-Tec, o mesmo acontece. São descritos elementos organizacionais e operacionais, administrativos e pedagógicos, de programas de educação profissional, de forma geral, para todas as entidades ofertantes. Isso significa que, ao mesmo tempo em que a legislação para a rede de educação profissional federal reforça o desenvolvimento de uma educação integral para seus alunos, ela é colocada para executar programas que não têm esse objetivo, mas que foram planejados para a oferta emergencial de curta duração.

A terceira questão relacionada à repercussão do fenômeno da globalização na educação diz respeito à dissonância entre finalidades e objetivos da educação profissional e os modos de sua operacionalização. A legislação vigente apresenta:

Art. 5° Os Cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Medio tem por finalidade proporcionar ao estudante conhecimentos, saberes e competências profissionais necessários ao exercício profissional e da cidadania, com base nos fundamentos científico-tecnológicos, sócio- históricos e culturais. (BRASIL, 2012a, p. 2)

Há, ainda, na seção de princípios norteadores do curso, a reiteração de que a preparação para o exercício profissional nessas escolas deve ser “[...] visando à formação

integral do estudante [...] com respeito [...] aos valores estéticos, políticos e éticos da

educação nacional, na perspectiva do desenvolvimento para a vida social e profissional” e “[...] tendo sua integração com a ciência, a tecnologia e a cultura como base da proposta político-pedagógica e do desenvolvimento curricular” (Id.). No documento que apresenta as concepções para os institutos federais, o destaque dado à necessidade da formação integral ao trabalhador que busca a educação profissional é ainda maior. Para Frigotto, Ciavatta e Ramos (2006, p. 37), “[...] o objetivo profissionalizante não teria fim em si mesmo [...], mas constituir-se-ia numa possibilidade a mais para os estudantes na construção de seus projetos de vida, socialmente determinados, possibilitados por uma formação ampla e integral”.

Mesmo considerando, no melhor dos casos, quando é contemplada apenas a dimensão profissional ela é de alta qualidade técnica; as próprias mudanças que ocorrem no mundo do trabalho, de forma muito rápida, demonstram a inviabilidade de formações muito específicas desarticuladas da formação geral, sem falar na formação pessoal e moral, no que diz respeito a comportamentos profissionais que toda profissão requer e que são dispensadas por muitos cursos de qualidade técnica. Grinspun (2002, p. 39) explica que a formação estritamente

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técnica não lhe possibilita usar e transformar a tecnologia, sendo necessário “[...] pensar sobre valores subjacentes ao indivíduo”. O acesso a uma educação mínima é direcionado para um processo de inclusão excludente que não pode ser considerado democrático. Kuenzer (2005, p. 94) afirma:

O conjunto das estratégias que apenas conferem “certificação vazia”, e por isto mesmo, se constituem em modalidades aparentes de inclusão que fornecerão a justificativa, pela incompetência, para a exclusão do mundo do trabalho, dos direitos e das formas dignas de existência. Assim, através dos processos de inclusão excludente, a educação escolar e não escolar se articula dialeticamente aos processos de exclusão includente existentes no mundo do trabalho, fornecendo ao cliente – o capital – a força de trabalho disciplinada técnica e socialmente, na medida das suas necessidades, como reza a boa cartilha do toytismo; como já se afirmou anteriormente, a expressão pedagógica deste princípio se dá através da pedagogia das competências com suas categorias...

Em termos de operacionalização de uma educação que se oponha a essa inclusão excludente, é preciso se opor à pedagogia por competências e a outras abordagens pedagógicas que não respaldam o desenvolvimento humano por completo. Destaca-se a relação entre os conteúdos e a forma como são abordados. Entende-se que, para a educação contemplar a formação integral do estudante, é preciso contemplar, no currículo e nas práticas pedagógicas, conteúdos e ações pedagógicas correspondentes ao desenvolvimento humano e técnico-científico. Daí a força da relação entre o conteúdo e a mediação didática do professor para que aquele não se reduza a uma informação. Pela relação didática que o aluno tem com o conhecimento e com seu processo de aquisição, por meio da organização e condução pedagógica do professor junto com os alunos, verifica-se a finalidade do processo de ensino- aprendizagem. Lenoir (2014a) explica que à forma de mediação estão vinculadas as finalidades socioeducativas que se buscam com a educação. A mediação docente realizada com uma finalidade transformadora do sujeito transcende o entendimento do processo de ensino apenas como transferência de conhecimentos e, por essa razão, requer a participação intencional de um professor em que se reconhece a possibilidade de um ensino que integre as dimensões intelectual e profisssional do conhecimento.

A mediação pedagógico-didática que assume o professor não se reduz a uma função de composição de uma situação e de colocar à disposição dos alunos alguns dispositivos. O professor, na sua função mediadora, é um ator participante ativamente que orienta, que sustenta, que regula, que anima, que igualmente transmite, não nos esquecendo: é um interventor! […] E não é um interventor “neutro” e distante; (Ibid.; p. 305)

Essa questão da operacionalização do processo educacional na organização curricular e nas práticas pedagógicas dos cursos técnicos a distância apresenta fortes contradições, quando confrontada com os objetivos preconizados. A atuação docente tem sido reduzida, em função do aumento da mediação tecnológica deslocada de atividades de estudo específicas

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para o desenvolvimento integral do aluno. Tem prevalecido a função de comunicação e informação, em detrimento da construção de verdadeiras salas de aula online, com atividades também coletivas que requeiram discussões e que envolvam os alunos em atividades de estudo direcionadas para o desenvolvimento intelectual geral. O Banco Mundial vê a EaD como estratégia pilar para o alcance das suas metas, especialmente devido à relação custo- benefício, pois entende que, com a aplicação das tecnologias, reduzem-se os custos com espaço físico, material de ensino e professores:

Uma gama de modelos institucionais para oferecer programas de aprendizagem a distância têm crescido em universidades tradicionais como meio de resolução de problemas de acesso, equidade e custo benefício, e como meio de expansão do acesso ou de preenchimento de lacunas especializadas nos programas locais de ensino. (BANCO MUNDIAL, 1999, p. 28 – tradução minha)

No decorrer do documento supracitado, a EaD é apresentada como estratégia financeiramente viável para problemas de acesso e equidade, o que também indica sua associação para atendimento à população pobre.

Sob uma visão determinista e economicista, os documentos do Banco Mundial colocam a educação a serviço das tecnologias, de modo que estas tomam o protagonismo no ensino, em detrimento da relação entre a atividade humana e a cultura tecnológica, por meio da mediação docente e a dos próprios alunos. Nesse sentido, o professor, que poderia usufruir das TDIC como cultura, de modo criativo e crítico, as explora apenas como meio de comunicação em massa e realiza uma mediação instrumental. Albero (2010, p. 245) afirma que “[...] os requisitos técnicos têm prevalecido sobre a preocupação com as finalidades, com a avaliação dos resultados e a com reflexão crítica sobre a ação. Os atores, submetidos a uma pressão cada vez mais forte, não têm outra alternativa a não ser o consumo cativo”. Nessa mesma linha está a recomendação do movimento Todos pela Educação:

Essas estratégias devem consagrar o novo papel dos professores no preparo dos alunos para

uma economia emergente, baseada no conhecimento e conduzida pela tecnologia. […] As

tecnologias de informação e comunicação (TIC) devem ser utilizadas para apoiar a Educação Para Todos a um custo suportável. Essas tecnologias têm grande potencial para a disseminação do conhecimento, a aprendizagem efetiva e o desenvolvimento de serviços educacionais mais efetivos. (Todos pela Educação, 2001, p. 25 – grifos meus)

Note-se que o estímulo pelo uso das TDIC é em função de uma formação para o mercado econômico, não mencionando as outras dimensões da formação do trabalhador. Destaca-se também a menção à condução pela tecnologia, recolocando o professor como auxiliar e a conjugação desses dois interesses para culminar num processo educacional econômico de boa relação de custo-benefício. A essa apologia das tecnologias liga-se, também, a busca por formações aligeiradas que atendam a necessidades imediatas. A rapidez

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desejada por quem busca algum tipo de formação pode ser consequente do desvirtuamento tanto da ideia de formação (no sentido profissional e humano) quanto do papel das instituições ofertantes e da mudança de sentido dado à vida pelas pessoas.

Tem sido frequente, em setores do ensino profissional e no meio acadêmico, questionamentos sobre o papel da educação escolar e até da universidade, como lugares de formação científica, em decorrência da ideia de que a cientificidade do processo de aprender, as leituras e análises críticas não são importantes porque não têm relação direta com a aquisição de emprego, apenas tomam tempo. Tal ideia dá sustentação ao aligeiramento dos cursos, atendendo a orientações do Banco Mundial:

A nova estratégia é construída sobre a premissa de que pessoas aprendem através da vida, não simplesmente durante os anos que passam na escola formal. Muitas peças-chave caracterizam a nova estratégia: - educação não é somente aprendizagem de leitura, escrita e aritmética. […] Habilidades técnicas e vocacionais específicas relacionadas a uma ocupação também são importantes para o sucesso no trabalho no mercado; Aprendizagem não é somente escolarização. Investimentos no status nutricional e da saúde de crianças mais jovens e a qualidade da interação delas com os pais e cuidadores determinam a prontidão da criança para aprendizagem. [...] O desafio é consolidar conhecimento básico e aprendizagem de competências na escola, então equipar estas jovens pessoas [vulneráveis como deficientes, mulheres, atrasados na escola, etc.] com habilidades adicionais profissionais e técnicas que promovam a empregabilidade e o empreendedorismo. (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 25-26 – tradução minha)

Verifica-se que a concepção geral que conduziu os primeiros documentos do Banco Mundial para os países em desenvolvimento e suas novas estratégias para atuação até 2020 redirecionam as funções da escola diretamente para o desenvolvimento de competências para o trabalho, com conotações assistencialistas. Dentro desses interesses, perde valor a mediação didática realizada pelo professor para efeitos da formação integral do estudante, em qualquer nível de ensino.

Desse modo, observa-se o grande impasse que é a superação da dualidade estrutural que compõe o sistema educacional brasileiro, claramente segregacionista, e, a partir dele, impasses da educação profissional: a submissão dessa educação aos ditames do mercado e daí a não concretização da formação integral do cidadão trabalhador.

2.3. Analisando a problemática da Educação Profissional Técnica: a contribuição de A.

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