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Teorias pedagógicas e a mediação docente

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P ROCESSOS DE MEDIAÇÃO DOCENTE NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS A DISTÂNCIA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO

2. Teorias pedagógicas e a mediação docente

Os processos de mediação são interpretados de forma distinta conforme posições das teorias pedagógicas sobre as relações entre os elementos da ação pedagógica: o saber, o professor e o aluno. A teoria pedagógica a que se associa vai implicar numa determinada didática e mediação docente, o que por sua vez indica que as mediações podem desencadear tanto efeitos favoráveis como desfavoráveis em relaçao ao referencial que se tem por formação.

De acordo com Libâneo (2013b), as tendências pedagógicas, de forma geral, podem ser classificadas em dois grupos: as de cunho liberal e as de cunho progressista. As pedagogias Tradicional, Nova, Construtivista e Tecnicista são desdobramentos da pedagogia liberal, enquanto que as teorias progressistas se dividem em Libertária, Libertadora e Crítico- social, além de outras pedagogias contemporâneas. Tais tendências são trazidas aqui para contribuir para a compreensão dos modos de mediação nos processos educacionais.

No quadro das pedagogias liberais, a Pedagogia Tradicional é composta por um conjunto de correntes pedagógicas caracterizadas por métodos heteroestruturados, ou seja, por valorizar o agente externo do ensino. Tais métodos caracterizam-se essencialmente por considerar que o saber é algo que vem do exterior para o aluno, sendo este como um objeto a ser moldado pelo professor. Geralmente, as principais ações desses métodos são a palavra do professor e, às vezes, a demonstração sensorial na crença de que o conhecimento pode ser diretamente transmitido aos sujeitos por meio da escuta e da observação:

É preciso realizar o homem tal qual a sociedade quer que seja. (...) A educação cognitiva se inscreve no processo de transmissão de geração a geração e se atualiza de indivíduo a indivíduo. Os mestres são os delegados da sociedade; (...) O ensino visa inserir o aluno no movimento para frente caracterizado pelo conhecimento, mas a princípio tudo vem do mestre, que transmite o saber já constituído em tradição. (NOT, 1981, p.40)

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Em relação à Didática, tais preceitos se convertem numa organização didática centrada na exposição do professor requerendo que o aluno volte sua atenção para tal exposição, a fim de que consiga depois reproduzir o que ouviu. Segundo Libâneo (2013b, p. 67), na Pedagogia Tradicional, “supõe-se que ouvindo e fazendo exercícios repetitivos, os alunos 'gravem' a matéria para depois reproduzi-la, seja através das interrogações do professor, seja por meio de provas”. Para este autor, a Pedagogia Tradicional mostra uma visão reducionista da didática, “tomando-a como disciplina prescritiva de métodos e técnicas, na qual o trabalho do professor é “transmitir” a matéria” (LIBÂNEO, 2002a, p. 97). Trata-se de uma didática que, ao exigir apenas a memorização de conteúdos, subutiliza o valor destes para o desenvolvimento intelectual porque deixa de trabalhar com o raciocínio do aluno. Nessa perspectiva, a mediação docente terminaria por ser assumida apenas como meio que possibilita a transferência de conhecimento.

A Pedagogia Nova, também conhecida por Escola Nova e Pedagogia Ativa, surgiu em contraposição à Pedagogia Tradicional. Ela valoriza o aluno, suas iniciativas e interesses próprios, sendo a experiência própria do aluno a centralidade do ensino. Dentre suas várias correntes, destaca-se a Progressivista, de John Dewey, e a Construtivista, de Jean Piaget, por terem sido amplamente difundidas no Brasil a partir da década de 1930. Na Pedagogia Progressivista, “considerando o aluno como sujeito da aprendizagem, importa o processo de aprendizagem e não diretamente o ensino” (LIBÂNEO, 2013b, p. 69). Em contraposição à Pedagogia Tradicional, a didática baseada na Pedagogia Nova não só estimula a participação do aluno como faz dos seus interesses o centro do processo de ensino-aprendizagem: “O que o professor tem a fazer é colocar o aluno em condições propícias para que, partindo das suas necessidades e estimulando os seus interesses, possa buscar por si mesmo conhecimentos e experiências” (Ibid., p. 68 e 69). Embora seja essa uma didática que valoriza o aluno ativo no processo de ensino-aprendizagem, o fato de organizar as situações de aprendizagem com base apenas nas necessidades individuais de cada aluno permite atribuir a ela traços de espontaneísmo e de sobrevalorização do aprender fazendo, subestimando-se o caráter intencional do ensino na formação das operações mentais e da personalidade global.

A Pedagogia Construtivista também prioriza o aluno como sujeito ativo no processo de ensino-aprendizagem e o professor como orientador desse processo incluindo e organizando situações de aprendizagem adequadas às capacidades individuais dos alunos:

Ensinar é colocar problemas a partir dos quais seja possível reelaborar os conteúdos escolares e também fornecer toda informação necessária para as crianças poderem avançar na reconstrução

84 desses conteúdos. Ensinar é promover a discussão sobre os problemas colocados (...) é incentivar a formulação de conceitualizações necessárias para o progresso no domínio dos objetos de conhecimento, (...) é, finalmente, fazer com que as crianças coloquem novos problemas que não teriam levantado fora da escola. (Lerner, 1995 apud LIBÂNEO, 2002a, p. 74)

Essa teoria limita a aprendizagem de forma muito restrita ao desenvolvimento biológico do indivíduo de tal forma que defende que pouco acrescenta a intervenção sociocultural dos agentes externos. Ambas as correntes da Pedagogia Nova aqui citadas têm a mediação externa como organizadora de situações-problema como chave para manifestar as capacidades do aluno, entendendo-as como natas, como um processo de evolução natural.

A Pedagogia Tecnicista, também conhecida por Comportamental e Pedagogia de Resultados, está assentada no behaviorismo e nas leis do efeito, da repetição e do reforço. A lei do efeito constitui-se em apresentar uma “consequência positiva” quando uma ação favorável acontece, e vice-versa. Daí vêm as leis da repetição e reforço contínuos para reforçar o vínculo entre ação-reação-efeito visando o controle do comportamento. Essas características vão configurando formas mecanizadas de ensino.

As abordagens comportamentais não surgiram por acaso no fim do século XIX. Desde meados desse mesmo século, a evolução industrial acontece sob uma perspectiva de livre concorrência que é o que leva à necessidade de modelar o comportamento humano a fim de atender ao avanço industrial. É vinculada ao ensino de habilidades e competências específicas ao contexto econômico. Não enxerga o processo educacional como processo que forma a pessoa, mas sim como processo vinculado diretamente à empregabilidade. Tende a formar num caminho oposto ao das pedagogias críticas: para o controle e domínio das massas. A partir do século XX, a educação colocada como algo útil para atender ao capitalismo é uma ideia que se torna cada vez mais impregnada na sociedade, mesmo que disfarçada por outros discursos.

Esta orientação acabou sendo imposta às escolas pelos organismos oficiais ao longo de boa parte das duas últimas décadas, por ser compatível com a orientação econômica, política e ideológica do regime militar vigente. Com isso, ainda hoje, predomina nos cursos de formação de professores o uso de manuais didáticos de cunho tecnicista, de caráter meramente instrumental. (LIBÂNEO, 2013c, p. 71)

O ensino programado e mecanizado caracteriza as abordagens comportamentais e permanece fortemente presente na educação atual por meio das avaliações oficiais nacionais e internacionais como ENEM, Provinha Brasil, SAEB e PISA, por exemplo, e por meio do sistema de bônus para diretores de escola, professores e alunos que se enquadrarem no resultado esperado pelo governo.

85 O enfoque tecnicista introduz no ensino a psicologia comportamental, a instrução programada, a teoria da comunicação, a teoria dos sistemas, a partir do que surgem os objetivos comportamentais, o planejamento didático formal previamente elaborado, os livros didáticos descartáveis, supervalorizando os meios. A ênfase na exercitação dos processos mentais como forma de se chegar à auto-estruturação do conhecimento (típico da Escola Nova) foi deslocada para o uso de técnicas de transmissão passiva; os meios educativos são autonomizados e o ensino retoma a conotação dos métodos de heteroestruturação do conhecimento, reeditando, com roupagem nova, a pedagogia tradicional. (LIBÂNEO, 1990, p. 130)

Assim, no que diz respeito aos procedimentos pedagógicos desenvolvidos na aula, a Pedagogia Tecnicista remodela a Tradicional na medida em que reforça o uso de meios e práticas, ainda que revestidos de tecnologias, em que o aluno recebe o conhecimento e deve armazená-lo para posteriores verificações não considerando o aluno em atividade. Corresponde a uma didática baseada no príncípio de que para aprender o sujeito deve apenas ler, ouvir, memorizar, reproduzir, podendo ser o difusor do conhecimento o professor ou os recursos tecnológicos. É uma organização de ensino concentrada nas dimensões técnica e prática das atividades escolares, “afirmando a neutralidade científica e técnica dos métodos” (Id.).

Entre as teorias progressistas ou críticas, Libâneo (2013b) menciona a Pedagogia Libertária, a Pedagogia Libertadora e a Pedagogia Crítico-Social. À essas correntes, de cunho crítico em busca da superação das desigualdades sociais, interessam propostas pedagógicas voltadas para os interesses da maioria da população. Surgidas a partir de 1960, resultaram também do desejo de libertação do quadro político repressivo daquela época. A Pedagogia

Libertadora retomou as propostas de educação popular “refundindo seus princípios e práticas

em função das possibilidades do seu emprego na educação formal em escolas públicas” (Ibid., p. 72). Tendo Paulo Freire como seu maior representante, é caracterizada por uma educação crítica que visa à transformação social, o desenvolvimento de sujeitos conscientes, críticos e autônomos.

A Pedagogia Crítico-Social, inspirada no materialismo histórico-dialético, é focada na “valorização da escola pública e do trabalho do professor no ensino de qualidade para o povo e, especificamente, na acentuação da importância do domínio sólido por parte de professores e alunos dos conteúdos científicos do ensino como condição para participação efetiva do povo nas lutas sociais” (Id.).

Dentre as pedagogicas crítico-sociais, destacamos a Teoria Histórico-Cultural por ser a que nos inscrevemos. Esta teoria defende “uma formação cultural e científica em interconexão com as práticas socio-culturais” (LIBÂNEO, 2013c, p. 65), visando ofertar aos diferentes sujeitos uma mesma educação. Trata-se de assumir os processos educacionais como o caminho por onde pode se desenvolver um determinado tipo de consciência, isto é, uma

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determinada sociedade:

Para o desenvolvimento do homem, para o processo de educação, é de capitalíssima importância o crescimento da consciência... Porém, ter consciência não se limita a conhecer e compreender. A consciência pressupõe também ser intransigente em reação a toda vileza que mutila, prejudica e deforma a vida do homem. (...) Formar no homem esta atitude ante a vida constitui uma das tarefas capitais da educação. E isto significa prestar uma ajuda real a edificação de uma nova sociedade, a criação de relações novas e humanas entre os indivíduos. (Rubinstein, 1979 apud ARAUJO, 2013, p. 149)

Nessa perspectiva, a Teoria Histórico-cultural compõe o grupo das teorias críticas contemporâneas que lutam pela qualidade da escola pública, obrigatória e gratuita para toda a população, incluindo a diversidade cultural, social, religiosa e outras, a fim de prover aos estudantes oportunidade igual de desenvolvimento integral do indivíduo visando condições efetivas de atuação e transformação da realidade.

Segundo Libâneo (2010, p. 33, 54), nessa teoria “a aprendizagem resulta da interação sujeito-objeto, em que a ação do sujeito sobre o meio é socialmente mediada, atribuindo-se peso significativo à cultura e às relações sociais”. Ou seja, as funções intelectuais superiores (linguagem, atenção voluntária, memória, abstração, percepção, análise, reflexão, etc.) são capacidades desenvolvidas a partir da mediação cultural socialmente mediada.

Essa corrente pedagógica realça o desenvolvimento do funcionamento cognitivo em suas interações com as mediações socioculturais, o que implica o papel das mediações pedagógico-didáticas visando o desenvolvimento humano. A Teoria Histórico-cultural reconhece a relevância do estudo da cultura acumulada sem descuidar das interações sociais em sala de aula e do lugar das práticas socioculturais no ensino. Esta teoria explica que, pedagogicamente, não basta transmitir os conceitos prontos para os alunos porque, para desenvolverem seu intelecto, eles precisam compreender como o conceito foi investigado e construído a ponto de ser considerado um conceito. Tais processos são vinculados ao método dialético transposto para a forma didática. Eles se referem à valorizar o processo de ensino- aprendizagem para uma formação integral do aluno. A valorização que se dá aos conteúdos nesta teoria não é algo isolado como na Pedagogia Tradicional, mas diretamente relacionado com à forma didática que esse conteúdo é trabalhado em sala de aula, de modo a entender o processo de aprendizagem não restrito ao conhecimento não como algo em si mesmo, mas como processo para o desenvolvimento geral do aluno.

À Teoria Histórico-Cultural corresponde a Didática Desenvolvimental, a qual defende o ensino dos conteúdos científicos na escola articulado aos princípios dialético do materialismo histórico-dialético. Nessa perspectiva, a mediação docente é configurada como a relação entre conteúdo e maneira de ensinar sobre princípios dialéticos visando a formação

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integral do educando. Assim, entende a mediação docente como propulsora do desenvolvimento humano por meio de um conjunto de ações que envolvem desde a seleção de conteúdo, de atividades, seus modos de concretização e avaliações contínuas num processo permeado por acompanhamento que visa desencadear desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento de hábitos pelos alunos. Ou seja, objetiva que os alunos participem ativamente do processo de aprender de modo que o conhecimento tenha sentido para eles e não se reduza à aquisição quantitativa de informações. Trata-se da valorização do conteúdo e da maneira como ele é apropriado pelo aluno visando ao desenvolvimento cognitivo, moral, estético e afetivo porque enxerga o processo educacional como vetor para a formação integral do aluno.

Existem, ainda, outras pedagogias contemporâneas. Libâneo (2010) organizou um conjunto que apresenta estas correntes e suas modalidades: a) Pedagogia Racional- Tecnológica (Ensino de excelência e ensino Tecnológico); b) Pedagogias Neocognitivistas (Construtivismo Pós-Piagetiano e Ciências Cognitivas); c) Pedagogias Sociocríticas (Sociologia Crítica do Currículo, Teoria Histórico-Cultural, Teoria Sócio-Cultural, Teoria Sócio-Cognitiva, Teoria da Ação Comunicativa); d) Pedagogias “Holísticas” (Holismo, Teoria da Complexidade, Teoria Naturalista do Conhecimento, Ecopedagogia, Conhecimento em rede); e) Pedagogias “Pós-Modernas” (Pós-Estrutruralismo, Neo-Pragmatismo). O autor descreve as características de cada uma dessas correntes e modalidades (Ibid., p. 30), mas para os efeitos desta pesquisa, comentaremos brevemente apenas algumas mais próximas às concepções presentes na educação profissional.

A Pedagogia Racional-Tecnológica, segundo Libâneo (Id.), “corresponde à concepção que tem sido designada de Neotecnicismo e está associada a uma pedagogia a serviço da formação para o sistema produtivo”. Apresenta a formulação de objetivos e conteúdos, padrões de desempenho, competências e habilidades com base em critérios científicos e técnicos. É fundamentada na racionalidade técnica e instrumental visando a desenvolver competências técnicas.

Esta corrente tende a introduzir procedimentos supostamente mais “tecnológicos” no ensino como os computadores e outros aparatos eletrônicos e digitais. O currículo por competências expressa bem os princípios dessa corrente, presente nas diretrizes curriculares para os vários níveis de ensino e, obviamente, no ensino profissional. Nesse sentido, conduz a mediação docente num sentido instrumental, tanto do ponto de vista da organização operacional do ensino quanto no sentido de educação restrita à formação para o trabalho.

88 estudo da aprendizagem, do desenvolvimento, da cognição e da inteligência (Ibid.,p. 31). O Construtivismo pós-piagetiano mantem as bases do construtivismo, ou seja, de que a aprendizagem é uma construçao mental realizada pelo sujeito com base em sua ação sobre objetos, mas incorpora contribuições dos estudos que valorizam a interação social na construção do conhecimento, a singularidade e a pluralidade dos sujeitos, o papel da linguagem na constituiçao dos sujeitos. Uma das noções chave dessa teoria é o conflito sócio- cognitivo que surge em situações de interação, nas quais estão também envolvidas experiências sociais e culturais que intervêem nas aprendizagens (GARNIER, BEDNARZ e ULANOVSKAYA, 1996). Outra orientação no âmbito das pedagogias neocognitivas refere-se à apropriação das ciências cognitivas que associam os computadores aos estudos dos processos psicológicos e da cognição. Há estudos da abordagem do processamento da informação ao Construtivismo piagetiano. Embora valorizem os processos cognitivos, nao é como via para o desenvolvimento da consciência crítica e social. Usa da interação como fator ativador da cognição como uma preocupação predominantemente psicológica.

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