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Buscando relações de complementaridade entre a Teoria Histórico-Cultural e a Teoria da Intervenção Educativa

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P ROCESSOS DE MEDIAÇÃO DOCENTE NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS A DISTÂNCIA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO

3. Concepções de mediação e aplicações ao campo da educação

3.3. Buscando relações de complementaridade entre a Teoria Histórico-Cultural e a Teoria da Intervenção Educativa

A Teoria da Intervenção Educativa de Y. Lenoir (2011, 2014a), a par de utilizar-se de várias perspectivas teóricas, apresenta visíveis aproximações com temas do pensamento de Vygotsky, nomeadamente, determinação sócio-histórica e cultural do desenvolvimento humano. A exemplo disto, podemos citar as mediações externas, culturais e sociais no ensino, a função mediadora da linguagem e dos instrumentos culturais, o papel das interações sociais na atividade escolar, os processos de apropriação emconstante relação dialética mediando novas formações, entre outros.

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tempo como uma dinâmica simbólica de regulações sociais e intersubjetivas que requer processos externos ao indivíduo, de processos internos próprios do indivíduo e de processos de externalização do indivíduo para o meio social” (LENOIR, 2014a, p. 63). Assim, a teoria em questão atenta tanto para as mediações externas quanto para as internas, assim como na Teoria Histórico-Cultural.

Apesar disso, o enfoque dominante na Teoria da Intervenção Educativa não é a dimensão psicológica dos elementos constitutivos do processo de ensino-aprendizagem, embora os reconheça, mas a dimensão social desses elementos como geradora de efeitos cognitivos. Enquanto o foco de análise da Teoria Histórico-Cultural é psicológico, na Teoria da Intervenção Educativa tal foco é social com fundamentação teórica, predominantemene, da área da Sociologia.

Essas duas teorias se aproximam na compreensão de que a partir das mediações externas, culturais e sociais, do estudo de modo investigativo, dos intercâmbios entre os alunos e com o professor, da exposição e participação nas significações coletivas e da mediação intencional do professor, é que vão sendo construídos os sentidos, os desejos, os conceitos e outros mediadores internos. Entretanto, a Teoria Histórico-Cultural valoriza mais a atividade psicológica interna que leva à internalização e à formação das disposições internas de auto-regulação da conduta, para o que dá realce à atividade de estudo do aluno. Por sua vez, a Teoria da Intervenção Educativa centra o processo de ensino-aprendizagem predominantemente na relação social pedagógica em que apresentam oportunidades de expressão verbal em diversas formas de trocas discursivas, entendendo que tais ações são imprescindíveis como mediações para o processo de construção do conhecimento de maneira diferencial.

Entretanto, o estímulo à relação social pedagógica na Teoria de Yves Lenoir não

privilegia interações sociais apenas no sentido de práticas discursivas, ou seja, não se trata de quaisquer interações aleatórias, mas de interações planejadas em função dos processos de apropriação da cultura científica sociohistoricamente construída e ancoradas nas funções teórica, empírica e operatória da dialética (Id.). Isso deve ser implementado na organização das atividades de aprendizagem. Diversas formas de atividades podem acontecer seguindo, de forma geral, um esquema que vai da conceituação problematizada, passa pela experimentação por meio de problemas, produção de síntese, comunicação e avaliação. O papel da atividade e das interações para a emancipação é evidente: “É nos seus atos e pelos seus atos que o ser humano se realiza. Se a atividade produtora é emancipadora, é porque ela se realiza numa relação com o outro e, por isso mesmo, na mediação” (LENOIR, 2014a p. 83).

119 A Teoria da Intervenção Educativa, além do plano social, destaca a necessidade de se construírem mediações cognitivas, de trabalhar com o conhecimento científico para a emancipação do sujeito como um todo e que a mediação cognitiva não ocorre sem uma mediação externa. Para nós, essa reflexão permite compreender que a Teoria da Intervenção Educativa, embora afirme que o desenvolvimento humano é social, também não consegue negar que tal desenvolvimento tem relação com as formas subjetivas de apropriação do que é social, ou seja, a dimensão interna do processo.

Ainda em relação à Teoria da Intervenção Educativa, destaca-se que ela estabelece íntima relação entre a mediação docente e as finalidades educativas, estas devendo ser em função da emancipação do sujeito (Ibid.), assim como na Teoria Histórico-Cultural. Ambas as teorias explicam que a consciência se forma pela apropriação de ferramentas intelectuais adquiridas por meio da apreensão dialética do conhecimento científico.

No tema específico da mediação docente e com implicações diretas para sua realização

online, a Teoria da Intervenção Educativa traz contribuições sumamente relevantes para a

compreensão do processo de ensino-aprendizagem, em meio ao conjunto de mediações que o envolvem, as quais, em nossa opinião, não contradizem orientações teóricas da Teoria Histórico-Cultural, mas sim reforçam a diferença desse processo tendo em vista a realização da mediação didática sob a relação de outras mediações ocorrentes em ambientes online. Dentre tais contribuições, vale destacar: a) a diferenciação, na situação didática, entre a mediação do professor (mediação didática) e as mediações entre os alunos; b) o fortalecimento da ideia de que não são quaisquer interações que cooperam com a mediação cognitiva, mas aquelas que tratam do conhecimento científico; c) o papel do reconhecimento e as fontes do desejo no processo de ensino-aprendizagem.

No que diz respeito às diferenças entre a mediação docente e às mediações dos alunos, destaca-se a assunção do professor como profissional da Educação que tem conhecimento e preparação opostas ao sentido de amador ou pessoa que tem dom para o ensino. A partir disso, entende que a mediação pedagógico-didática é atividade profissional e intencional do professor que visa fins educacionais político-sociais exercendo papel diferencial na produção dos sentidos e valores do conhecimento pelos alunos, assim como na construção do desejo pelas atividades de estudo e no desenvolvimento humano por meio do aproveitamento dos momentos do ensino para o desenvolvimento de hábitos pessoais e sociais esperados. Na busca pela integração da formação cognitiva e humana dos indivíduos, a mediação docente representa um conjunto de ações integradoras do reconhecimento humano com a apropriação do conhecimento para fins superiores coletivos, enquanto que a mediação dos alunos colabora

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com tais formações na medida em que possibilita a realização de atividades individuais e coletivas que podem promover o confronto de ideias, a criação, o reconhecimento social, a valorização de interesses e desejos, todos representando a diversidade de valores sociais e pessoais que devem ser trabalhados nos processos educacionais em função dos interesses coletivos.

Em consequência dessas diferenças, fica claro que não são quaisquer interações e atividades que colaboram com a formação integral humana, mas aquelas que buscam uma organização correspondente e regula sua realização para tal fim. Não é, portanto, qualquer mediação humana que colabora com o reconhecimento social, nem com a renovação do desejo pelo estudo e nem com a construção dos sentidos e valores do conhecimento.

Em relação ao reconhecimento e ao desejo, é preciso entendê-los como mediadores internos, ainda que construídos pelas trocas externas. Conforme mencionamos anteriormente, Lenoir reconhece na atividade escolar dois processos de mediação: o que liga o sujeito ao objeto de conhecimento (mediação cognitiva) e o que liga o professor a essa relação (mediação didática). Está claro que o sujeito que aprende possui um sistema de regulação interno (uma mediação) que dirige a relação do sujeito com o objeto. Para Lenoir, a força motriz dessa relação é o desejo:

A mediação, este "desejo do outro” para Kojéve (1947), enquanto componente intrínseco e constitutivo da relação com o objeto, um dado interno de sua estrutura, assegura a mudança de direção necessária, supera e resolve a ruptura (preenche a distância) que o sujeito estabelece produzindo o objeto na exterioridade em relação a ele. (LENOIR, 1996, p. 239)

Esse desejo deve, assim, estar presente na relação de objetivação. O autor continua sua explanação sobre a mediação cognitiva, dizendo que o objeto de estudo não traz a priori, em si, tal desejo, mas deriva das funções de valor e sentido criadas na atividade, por meio da mediação didática do professor e das mediações sociais com os alunos, ambas em relação ao objeto da aprendizagem. Isso significa que o desejo humano é uma ação dirigida ao reconhecimento do desejo do outro, o que atribui um peso significativo à mediação didática, que, assim, consiste em tornar o saber desejável ao sujeito, tal como realça Lenoir (2011, p. 25):

Um processo de aprendizagem, enquanto processo de objetivação não é, portanto, simplesmente apropriação, mas antes construção mediada de um objeto. O sujeito busca apreender não o real objetivado em si mesmo, mas numa relação social, o desejo que outros têm como objeto desejado, quer dizer “o objeto enquanto objeto do desejo do outro, quer dizer o objeto na sua generalidade e sua permanência (FREITAG, 1986b, p. 58), enquanto conceito, quer dizer, enquanto representação abstrata de toda representação virtual do outro e de si, enquanto realidade estruturada.

121 [...] os estudantes não descobririam o desejo de aprender tão-somente pela qualidade do objeto de aprendizagem, mas mediante o desejo do outro, do professor-mediador. A necessidade de uma outra mediação, capaz de seduzir e fazer mediar o desejo (tornar o objeto desejável ao sujeito cognoscente) faz-se clara nesse processo.

Dessa forma, tanto a Teoria da Intervenção Educativa quanto a Teoria Histórico- Cultural entendem que a origem do desejo é social, mas as fontes são, em parte, diferentes. Na Teoria Histórico Cultural, acredita-se que a origem do desejo é na própria atividade (DAVYDOV, 1988) e está relacionada ao desejo de aprender a partir da compreensão do significado social (das suas aplicações, da sua relação com o mundo) do conhecimento e da conscientização de que o estudo é uma necessidade de formação para o desenvolvimento próprio. Essa visão entende que o desejo depende da mediação didática, principalmente, no âmbito da problematização e do modo de organização das tarefas conforme ajude na construção dos sentidos do conhecimento pelo aluno. Na Teoria da Intervenção Educativa, conforme explicamos anteriormente, são mencionadas duas fontes para o desejo: as relações de reconhecimento – confiança, respeito, estima, etc. - cultivadas e percebidas pela mediação didática do professor e pelas mediações dos outros alunos e a conscientização do valor social do objeto, assim como pelo sentido construído pelo aluno.

No que diz respeito às relações de reconhecimento, importa destacar que elas representam dimensões do desejo de aprender que estão fora das atividades, elas se encontram nas relações humanas que tangenciam a atividade. Na perspectiva da Teoria da Intervenção Educativa, o desejo tem, portanto, uma fonte diretamente ligada à atividade de aprendizagem e outra fonte fortemente ligada às relações humanas. Tanto uma quanto a outra devem ser preparadas, consideradas e reguladas pela mediação didática, mas torna-se o reconhecimento um elemento anterior ao desejo e, ao mesmo tempo, elemento reconstituído no devir do processo de ensino-aprendizagem por meio de uma mediação pedagógico-didática.

Se entendemos que o processo de conhecimento não se separa do processo de humanização (MANACORDA, 1991) e para conhecer "as coisas" o homem tem que ter o desejo de conhecer tem de estar além do desejo da atividade, então o reconhecimento faz parte da estrutura das atividades. Ainda, se o desejo de conhecer é movido pela satisfação que o conhecimento pode trazer no sentido de se buscar a realizacao pessoal e social, então o homem se humaniza na realização de atividades que têm reconhecimento social. Do contrário, atividade nenhuma faz sentido para o homem.

Parece-nos, portanto, que Lenoir, apropriando-se de algumas ideias no campo da psicologia, contribui, de vários modos, para a ampliação do conceito de mediação docente e dos elementos que constituem a atividade. Ao mesmo tempo em que situa a mediaçãono

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âmago dos processos internos do conhecimento, no sentido de que a apreensão dos objetos de conhecimento não é imediata, mas mediada pelo pensamento, ela também aparece na atividade escolar, no papel das mediações sociais, do papel do professor de provocar no aluno desejo de saber e possibilitar a busca desse saber tendo em vista que a mediação cognitiva se constitui a partir de tal desejo. Não se trata de um papel de realizar a transferência externa e unilateral do saber pelo professor, mas de mediação do processo de conhecimento do aluno de modo a tornar o objeto de estudo desejável ao aluno.

Nesse sentido, entendemos que essas duas teorias podem se complementar. A dimensão do reconhecimento é pouco explorada pela Teoria Histórico-Cultural, e ao nosso ver, é valiosa para o desenvolvimento da mediação didática e para as interações entre alunos desenvolvidas nas atividades. Além disso, a diferenciação do papel da mediação do professor da mediação dos alunos também é essencial para explicar porque processos educacionais não devem ser restritos às contribuições dos alunos. Por outro lado, é a Teoria Histórico-Cultural que bem explica a construção do pensamento humano em suas dimensões internas, psíquicas e sua relação com a construção da personalidade. Também o fato dessas duas teorias terem bases teóricas diferentes corrobora a relevância de suas contribuições uma vez que explicam de diferentes ângulos a relevância das interações planejadas, do ensino dos conteúdos científicos e em caráter científico, e das relações humanas para o desenvolvimento humano.

Por essas razões, pensamos ser adequada a fundamentação teórica desta tese tendo ambas como referencial teórico, uma vez que a Teoria da Intervenção Educativa desenvolve e aprofunda bem o papel das mediações externas para aprendizagem e a Teoria Histórico- Cultural nas mediações internas de tal processo.

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