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Impactos da internacionalização das políticas educacionais na Educação Profissional Técnica

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AS POLÍTICAS E DIRETRIZES DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO NO BRASIL E SUA IMPLEMENTAÇÃO A DISTÂNCIA

1. A trajetória histórica da Educação Profissional Técnica no Brasil

2.1 Impactos da internacionalização das políticas educacionais na Educação Profissional Técnica

No Brasil, o contexto econômico e político, a partir de 1990, pode ser identificado com a intensificação das bases do neoliberalismo, implementadas, primeiramente, na Inglaterra, expandindo-se depois para países do ocidente. Já no início da década de 1980, começam no mundo todas as reformas educacionais que avançam para os países europeus e Estados Unidos, e depois para a América Latina.

O neoliberalismo se fundamenta no liberalismo econômico em que as leis do mercado econômico, como a concorrência e a iniciativa privada, reinam soberanamente. A educação passa a ser um setor privilegiado de acordos internacionais e investimentos, um nicho de mercado. Tais acordos, conhecidos por internacionalização, referem-se a processos de cooperação entre as nações, desencadeando diversas formas de intercâmbio (ENDERS, 2004). Isso significa que cada nação continua com seu papel específico, mas entra para o foco das políticas nacionais a construção de relações internacionais estratégicas baseadas na cooperação mútua.

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Após reordenação do papel dos organismos internacionais, o Banco Mundial, que já vinha sustentando políticas de assistência econômica e social aos países emergentes, em vários setores, assume a dianteira na redefinição da orientação de suas políticas para a educação dos países pobres, basicamente assentada na redução da pobreza e em tornar os pobres mais produtivos (UGÁ, 2004; EVANGELISTA e SHIROMA, 2007). Os objetivos e estratégias do BM, em parceria com outros organismos, inclusive a UNESCO, foram objeto de um histórico evento realizado na Tailândia, entre 5 e 9 de março de 1990, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, a primeira de um conjunto de outras realizadas nos anos seguintes. Essa Conferência foi realizada sob os auspícios do Banco Mundial (BIRD), do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). A Declaração Mundial originada dessa Conferência ressaltava três orientações para as escolas:

a) centrar a educação nas necessidades básicas de aprendizagem;

b) prover instrumentos essenciais e conteúdos da aprendizagem necessários à sobrevivência;

c) considerar a educação básica (da educação infantil ao ensino médio) como base para a aprendizagem e o desenvolvimento humano permanentes.

Análises formuladas por vários pesquisadores (SHIROMA, 2013; EVANGELISTA e SHIROMA, 2007; EVANGELISTA, 2013; TORRES, 2001) mostram que esse documento deve ser examinado, tendo em conta que, por detrás das políticas globais dos organismos financeiros internacionais, ver-se-á uma intencionalidade economicista. Dentre as análises críticas dessas políticas, destaca-se a realizada por Torres (2001). A pesquisadora comenta que, ao longo das avaliações e revisões da Declaração em conferências e reuniões subsequentes, entre os organismos internacionais e os países envolvidos, a proposta original foi “encolhida”, e foi esta que acabou prevalecendo, com variações em cada país, na formulação das políticas educacionais. Tal “encolhimento” se deu para adequar-se à visão economicista do Banco Mundial, o convocador e patrocinador das Conferências.

Desse modo, a visão ampliada de educação converteu-se em visão encolhida, ou seja: a) de educação para todos para educação dos mais pobres; b) de necessidades básicas para necessidades mínimas; c) da atenção à aprendizagem para a melhoria e avaliação dos resultados do rendimento escolar; d) da melhoria das condições de aprendizagem para a melhoria das condições internas da instituição escolar (organização escolar) (TORRES, 2001). Conforme esse mesmo autor, boa parte dos objetivos e estratégias estabelecidos na

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Declaração de Jontien foram acatados por diversos governos brasileiros, inseridos em documentos oficiais, como o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003) (BRASIL, 1993) no Governo Itamar Franco, a LDB de 1996, os PCN de 1997 e outras políticas e diretrizes para a educação no Governo FHC (1995-1998; 1999-2002), o PDE (BRASIL, 2007c) e outros no Governo Lula (2003-2006; 2007-2010) e Governo Rousseff (2011-2014).

A citação a seguir refere-se à avaliação dos investimentos feitos pelo Banco Mundial nas primeiras cinco décadas do acordo. Fica clara a intenção de promover programas básicos para atendimento à pobreza dentro da visão assistencialista de integrar saúde e educação nas orientações a tais áreas, visando a desresponsabilização do Estado, por meio da desconcentração de poder e de parcerias público-privadas:

Até recentemente, a assistência do Banco aos setores sociais no Brasil era modesta. Mas essa assistência vem crescendo, acompanhando a tentativa do país de aumentar as despesas com programas básicos de saúde e educação, de melhorar a eficiência e a distribuição de responsabilidades através da descentralização para os estados, e de beneficiar especificamente os pobres. (BANCO MUNDIAL, 1990, p. 16 – grifo meu)

Na sequência, o mesmo documento expressa a expansão do ensino técnico, como uma das ações “especificamente para os pobres”. Soares (1996 apud LIBÂNEO, 2013a, p. 52), explica que “[...] as políticas de alívio à pobreza têm caráter instrumental, subordinando-se ao objetivo de evitar a emergência de tensões sociais que possam comprometer a continuidade das reformas econômicas”. Vê-se, então, um forte enlace entre educação e saúde, como políticas assistencialistas, visando o consenso necessário para o avanço das propostas dos organismos internacionais que têm como fundamentos seus interesses econômicos.

A relação da expansão da educação profissional, a partir do governo Lula, tem a ver com as orientações do Banco Mundial, no sentido de qualificar a mão de obra para que ela seja mais produtiva, visando, também, com a redução da pobreza, o aumento do consumo. Kuenzer, analisando o documento do Banco Mundial de 1995, menciona a utilização da Educação Profissional Técnica para formação de massas trabalhadoras para o setor industrial, de maneira menos dispendiosa possível, somente o suficiente para a redução da pobreza e a empregabilidade:

Em virtude do elevado investimento, [...] o Banco Mundial tem recomendado que se priorize o ensino fundamental, deixando de investir em Educação Profissional especializada e de elevado

custo. (…) O próprio banco concluiu ser o nível fundamental o de maior retorno econômico e ser irracional o investimento em um tipo de formação profissional cara e prolongada. A

pesquisa aponta a irracionalidade do investimento em educação acadêmica e prolongada para aqueles que, segundo os resultados da investigação, são a maioria e não nascem competentes para o exercício de atividades intelectuais: os pobres, os negros, as minorias étnicas e as mulheres. Para estes, seria mais racional, oferecer educação fundamental, padrão mínimo (…),

49 KUENZER, 2000, p. 20)

É notória, assim, a percepção dos formuladores dos documentos do Banco Mundial de que os segmentos pobres da população não são competentes para atividades intelectuais, não valendo a pena o Estado investir em mudanças no seu desenvolvimento cognitivo. Por isso, será apenas necessária a oferta de educação de padrão mínimo. Ademais, observa-se que o interesse pela erradicação da pobreza expresso nos documentos não é preocupação com a pobreza em si, mas com a necessidade, por um lado, de formação de mão de obra, para atendimento dos setores industriais e, por outro, de estimular potenciais consumidores para movimentação do mercado econômico. Desse modo, no âmbito da educação pública, não somente a Educação Profissional Técnica, como também os ensinos fundamental e médio, transformam-se tão somente em provedores de reserva de mão de obra para a economia. A visão mercadológica instaurada na educação vai além desse desvirtuamento do seu papel; ela difunde valores. Associada ao mercado, a escola agrega a pressa do mercado. Pais e alunos têm pressa por resultados, assim como o mercado. O imediatismo é característica básica das ações neoliberais, faz parte do pensamento dominante e por isso não fica só na educação, mas se alastra pelo modo de vida das pessoas. A oferta calcada em propagandas que oferecem facilidades de estudo e rapidez na aquisição de certificados, associada a técnicas que prometem conhecimento instantâneo, são cada vez mais presentes no marketing das escolas privadas, tal como ocorre, por exemplo, em relação às escolas de línguas estrangeiras. Propagandas do tipo “Fale inglês em 1 ano” ou “Dicas para falar inglês em 30 dias” não estão só nos outdoors, estão em livros também.

Em relação à educação profissional, esses valores neoliberais impactaram a organização curricular, tanto dos cursos superiores quanto dos profissionais de nível médio, a fim de reduzir o tempo de formação. Foram criados, então, os cursos superiores tecnológicos, e, no caso da Educação Profissional Técnica de nível médio, a dualidade estrutural é mantida, de modo que possam continuar sendo oferecidos cursos com currículo apenas técnico e, mesmo esse currículo foi reorganizado, subdividindo os cursos em habilitações técnicas ainda mais específicas. Por exemplo, o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos (CNCT), para o caso do eixo tecnológico de Controle e Processos Industriais, recomenda os cursos Técnico em Análise Química, Técnico em Petroquímica, Técnico em Açúcar e Álcool, dentre outros afunilamentos relacionados à habilitação de um técnico em Química (BRASIL, 2012b). Mesmo as escolas técnicas federais devem seguir esse catálogo.

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Tec, Mulheres Mil, etc.), paralelos às atividades regulares das instituições, também são decorrentes das influências internacionais. Esses programas possibilitam a concretização dos investimentos públicos em instituições privadas e a manutenção da formação apenas técnica, tendo em vista que tais instituições se responsabilizam apenas por essa formação. Os mais recentes, Pronatec, Rede e-Tec e Mulheres Mil, por exemplo, com discurso assentado sobre o tratamento da situação de pobreza de grupos pobres e vulneráveis, por meio de cursos profissionais rápidos, que possam melhorar sua situação de competitividade para empregabilidade, geração de renda e consumo.

Desse modo, observa-se que, como efeitos dessas ações, podem ser citadas a formação precária do trabalhador, contradições internas surgidas na instituição e em nível de qualidade de formação, a partir da condução de duas linhas de cursos, os regulares e os de programas, e a manutenção do desprestígio da educação profissional, uma vez que continua desassociada do ensino médio regular para todos, em função de formar, visando a empregabilidade da classe pobre.

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