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A Menina do Narizinho Arrebitado: exemplo

8 COMO É FEITO O LIVRO DIGITAL AMPLIADO?

8.2 A Menina do Narizinho Arrebitado: exemplo

Quando a data de comemoração dos 90 anos da obra infantil de Monteiro Lobato se aproximou, com o aniversário de publicação de A Menina do Narizinho Arrebitado, que aconteceria em 2010, a editora Globo Livros, detentora dos direitos de reprodução das obras de Lobato, começou a pensar em formas de homenagear aquele que é considerado o pai da literatura infantil brasileira. Veio de um editor de arte a sugestão de digitalizar o primeiro livro do escritor para crianças. Erick Santos Cardoso, então com 30 anos, era um aficionado por videogames – sua pesquisa de mestrado havia sido nesta área, com pesquisa sobre a evolução da narrativa e da qualidade audiovisual nos games – e estava empolgado, como tantos outros, com o lançamento de Alice no País das Maravilhas para iPad. Como fã e estudioso de videogames, Cardoso sabia que o que impressionava os editores de texto em

Alice era um recurso tecnológico já bastante usual nos videogames:

Alice usa alguns engines ou motores, que são programas embutidos dentro do

aplicativo, que simulam física, algumas animações são baseadas em vetor, e que você vê aos montes por aí em flash, animação 3D... Ou seja, o que a gente via? Que estavam usando para um produto editorial os recursos de game, os recursos de computação gráfica. E, apesar de a gente estar acostumado a trabalhar com a impressão de design gráfico, tínhamos muita noção de como fazer isso com o videogame.

[...] O videogame é um meio de comunicação [que existe] há mais de 30 anos. Cresci com ele e fui vendo todas essas evoluções, desde o Atari, o videojogo... Vieram os primeiros videogames com desenhos coloridos, depois outros com desenhos mais coloridos ainda, mais resolução, então, os videogames baseados em CDs, que tinham música com qualidade e já traziam vídeos, com pequenas animações audiovisuais, e agora eles são praticamente simuladores avançados. Se a fórmula do livro digital não existia, ao menos tínhamos uma base muito grande dos games, que já utilizavam essas possibilidades audiovisuais com a narrativa muito tempo atrás. Muito antes de o e-book ser pensado como produto, o videogame já contava histórias.49

E foi com o conhecimento das possibilidades de animação dos games que o livro A

Menina do Narizinho Arrebitado começou a ser planejado para o formato digital. A

experiência como colorista de quadrinhos e designer também ajudou Cardoso a pensar nas animações em 2D e dar o briefing para o ilustrador, já que decidiu-se não utilizar os desenhos das edições impressas existentes e sim refazê-los, conferindo a eles o aspecto das ilustrações antigas, dos traços que eram comuns nos anos 1920.

                                                                                                               

O ilustrador Rogério Coelho não estava acostumado a trabalhar com animações e precisou de orientação precisa para as ilustrações que seriam necessárias – e algumas emendas e detalhes foram feitos pelo pessoal da editora, usando recursos de computação gráfica. Embora não estivesse familiarizado com a linguagem das animações, Coelho foi o escolhido porque é bom em detalhes. Apesar de o briefing ter sido bem detalhado, Erick garante que isso não acabou com o trabalho autoral de Rogério. “O ilustrador tinha a liberdade dele, em nenhum momento especificamos qual traço ele usaria. Ele teve todo o controle sobre as cores e a composição”50, explica Cardoso, que acabou assumindo a função de editor de livros digitais na Globo, um cargo que não existia até então.

Para a definição das ilustrações e das possibilidades de interação, Cardoso trabalhou em conjunto com a editora de arte, definindo o projeto gráfico do livro. Também participaram do processo o editor de texto e a editoria executiva da Globo Livros. Para o desenvolvimento da programação, a empresa contratou um desenvolvedor externo, a Lab360. Não houve limitações tecnológicas para o que havia sido projetado, garante Cardoso, apenas uma demora maior para as ilustrações ficarem prontas, haja visto a quantidade de detalhamento. A primeira versão de Narizinho, que pode ser baixada gratuitamente da Apple Store (na versão simplificada assinalada como lite, em que está disponível apenas o capítulo O Sono à Beira

do Rio), demorou seis meses para ficar pronta e foi lançada oficialmente em 12 de novembro

de 2010.

Em fevereiro de 2012, na ocasião da entrevista realizada com Cardoso, já tinham sido realizados 25 mil downloads desta versão simplificada e gratuita. Um número expressivo para uma base tão pequena de detentores de iPads naquele momento. A versão completa foi disponibilizada em julho de 2012, e continha ainda os capítulos “A Enfermaria”, “No Palácio Real”, “Depois da Festa”, “A Festa Veneziana”, “A Trama e O Castigo”.

Com a primeira experiência bem-sucedida e vários processos já desvendados, a editora emendou outro projeto, As Grandes Histórias do Menino Maluquinho – O Cara Legal, uma história em quadrinhos do personagem de Ziraldo. Neste quadrinho digital, o leitor já tem a possibilidade de gravar sua própria voz e a dos amigos e familiares nos balões de fala dos personagens. Além disso, há também a possibilidade de ter um autógrafo digital do Ziraldo – nos mesmos moldes de quem conquista um autógrafo de um escritor, pois ele não vem de “fábrica” com este item.

                                                                                                               

As respostas obtidas na entrevista a respeito do livro digital Dans Mon Rêve, com a CEO da editora e-Toiles, a francesa Claire Gervaise, pouco contemplou o processo de produção – e o autor, Stéphane Kiehl, não respondeu aos pedidos de entrevista. Do pouco que falou, Claire disse que:

Pode ser um desafio para o autor trabalhar na plataforma digital, uma vez que requer que ele se adapte e pense sobre a história sob uma perspectiva diferente. O autor passa a ser o diretor; ele ou ela deve, portanto, reconhecer novos parâmetros, como a interatividade e as animações, a ergonomia, o som, os temas musicais... Isso pode ser bastante perturbador para muitos.51

                                                                                                               

51  GERVAISE, Claire, 2014. Entrevista recebida por aryane.cararo@gmail.com (tradução nossa)