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Apêndice B: Entrevista com Blandina Franco e José Carlos Lollo, realizada em 16 fev 2012, em São Paulo

15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

16.2 Apêndice B: Entrevista com Blandina Franco e José Carlos Lollo, realizada em 16 fev 2012, em São Paulo

Pesquisadora – Para começar a entrevista, gostaria que vocês me contassem como está sendo a experiência com Quem soltou o Pum? para iPad.

Lollo – Fomos dar palestra em um colégio e ali a gente teve uma revelação desanimadora. Blandina - Quando a gente entrou no livro de iPad, todos os alunos falaram que eles destravam o iPad e baixam tudo de graça. É que nem videogame. Agora, você destrava seu iPad, entra na internet e baixa tudo de graça.

L – O que parecia ser a solução do direito autoral – eu faço um livro, ponho no iTunes e as pessoas compram, sem livraria ou distribuidor –, não é.

B – Eu jamais imaginei que fosse ter isso tão já, porque as editoras não sabem ainda o que vão fazer.

L – E os caras já estão pirateando.

B – Os únicos que ficaram com cara de idiota fomos nós. [...] É uma terra muito de ninguém. Além de a gente não saber muito bem como funciona, como tem de produzir.

L – Tablet como mídia, tudo bem, é bacana. Mas não vai ser por onde a gente vai ganhar dinheiro.

B – A experiência com o Pum foi muito boa, porque a Companhia [das Letrinhas] foi muito legal e participativa. Um tempo atrás, a editora Moderna, com quem a gente conversou, queria um título nosso e me pediu especificamente uma coisa que fosse feita ao contrário, pensando- se em iPad, para virar papel. Por enquanto, a gente não sabe o que é isso, e acho importante para a vida do livro. E a gente fez uma coisa pensando nisso, e fechou com eles. Só que vai sair só em papel. A própria editora falou que ia lançar 15 títulos que eram coisas que ela já tinha, que era para entender o que ia acontecer com o mercado. [Mas] a editora já deu uma parada, acho que para estudar e ver o que é. Na verdade, o que eu sinto é que ninguém sabe o que um livro de iPad tem que ser, não foi descoberto ainda. É desenho animado? [...] É um

ebook, um pdf

L – [...] O livro infantil exige uma produção grande. Um livro genial que tem, que é o Morris Lessmore, veio de uma animação 3D. O que era trabalhoso, difícil e caro, já estava feito. Fazer animaçãozinha a partir daquilo é mais tranquilo. Ele já tem os modelos em 3D e transforma para iPad. Ou seja, a versão livro é um subproduto do desenho animado. Agora, fazer um livro, transformar um livro de papel ou de desenho para o iPad demanda produção, demanda gente, demanda animação.

P – O que é o livro infantil para iPad?

B – É livro. Eu acho, eu não sei, quer dizer, eu não tenho muita certeza porque nada funcionou. Mas eu tenho a impressão que tem que ser livro, ele não pode ser só um desenho,

desenho é outra coisa. Acho que não tem que ser livro para a criança ler o que está escrito ali, virar a página, isso faz parte um pouco de livro, mas acho que a criança pode participar daquilo, ela vai ler, vai gravar, mas pode pegar um cachorro e puxar para lá, pode fazer cócegas em quem está ali, pode, de alguma maneira, entrar no livro fisicamente.

L – Ele é um desenho animado, mas é participativo.

B – No desenho animado as coisas acontecem independente de você. Vai acontecendo. O coiote corre atrás do Bip Bip, independente de você empurrá-lo. No livro, você tem a história, que está sendo contada, e pode fazer algumas coisas. Não é que interfere no rumo da história, mas que você participa dela.

L – [Você] conduz a história do menino, como virar a página. Você tem o simulacro de virar a página – não vai ter página, né? Mas você muda. Algumas coisas desse tipo vão continuar e isso vai fazer a diferença, você conduzir a história.

P – A plataforma continua sendo livro?

L – É.

P – Mas tem gente que fala que vira brincadeira...

L – O livro também é brincadeira.

B – Eu acho. O que é “vira brincadeira”? É transformá-lo em um quebra-cabeça? Não, daí não é livro. É quebra-cabeça.

L – E o quebra-cabeça não pode contar uma história?

B – Sim, mas é outra história. O quebra-cabeça é uma brincadeira.

L – O nosso filho ainda não separa um livro dos brinquedos. Para o nosso filho, é tudo brinquedo. Mesmo com a leitura, continua sendo.

B – Ele brinca de livro porque a gente sempre... a gente é meio neurótico com livro, a gente ama livro. O que ele faz com iPad? Ele está brincando e a hora que ele quer mudar a página, ele vira a capa do iPad, porque é assim que ele faz com um livro de verdade. O livro é a experiência de ler, é uma brincadeira, é pra ser gostoso. Você não precisa transformar o livro em outra coisa para ele ser divertido.

L – Parece um raciocínio irracional. “O livro é para que serve o papel”, “O livro é sério”, “O livro não pode ser de brincadeira” [em tom jocoso]. E o livro em papel tem 500 anos, os livros não eram de papel! Eram de pergaminho, de rolo ou tábuas de argila, eram colunas, eram

paredes no Egito. Eram livros. A gente vai perder o livro de papel? Não vai. Ele vai continuar como registro.

P – Vocês acham que o livro de papel não vai perder espaço?

L – Não. É a mesma coisa que dizer que o videogame acabou com Lego B – Eu acho que vai ter um caminho

P – Como surgiu Quem soltou o Pum? em formato digital?

B – Foi convite da Companhia [das Letrinhas]. Eles ligaram [dizendo] que iam entrar no iPad e queriam começar com a gente. Foi uma superhonra ter sido escolhido.

P – Eles justificaram o por quê da escolha do Pum?

B – Acho que é pelo sucesso. Acho que eles pensaram: “Vamos experimentar uma coisa nova, então, vamos experimentar algo que é um sucesso”. Vende bem, as crianças gostam, as pessoas curtem o livro. Foram eles que escolheram, que decidiram a produtora. Eles perguntaram se a gente tinha alguém para indicar. A gente indicou quem fez o som, que é um amigo nosso. Mas partiu deles o convite.

P – Como foi o processo? O que vocês discutiram nessa primeira reunião?

L – O que vai ser animado, o que não vai ser. Foi com a editora, a Julia [Schwarcz], mais o pessoal da produtora, que já tinha algumas ideias do que acontecer em cada página. Mas todo mundo participou.

B – Teve algumas coisas que precisavam ser redesenhadas, que era um formato, passou para outro formato, só isso já muda tudo, muda a diagramação, é uma página em outro formato e o texto tem que caber nas animações ali no meio.

P – Vocês aproveitaram alguma coisa dos desenhos?

B – Eles perguntaram: o que pode acontecer aqui? Aí junta dois doidos: “Ah, aqui podia entrar uma escola de samba à direita”. E a gente ia, dentro do que cabia na história, junto com o pessoal da Companhia [das Letrinhas], que também falava. Aí entrava a questão da tecnologia.

L – Por exemplo, tinha um número x de animações que a gente podia fazer.

P – Por quê? Limitação tecnológica?

B – Acho que é por tudo. Vai encarecer, vai ficar pesado. A gente não entende nada disso. L – Era tipo: “Posso animar a cordinha, mas aqui embaixo vai ficar duro”. “Mas por quê?”. “Ah, porque vai ficar pesado”. Eu tinha feito todas as partes do corpo moles também. Tem umas limitações técnicas, as quais a gente não tem alcance.

P – O que vocês propuseram que não aconteceu?

L – Piscar os olhinhos.

B – A gente achava que, já que estamos aqui, o menino tinha que estar piscando, o cachorro também. E não dava pra fazer. Mas eu não sei se era limitação da tecnologia ou porque ninguém sabe fazer isso. E tudo é muito caro.

P – Lollo, o que você teve de refazer?

L – [...] Eu fiz o sol. O pessoal da Companhia ajudava bastante, as coisas simples, por exemplo, que era emendar, eles faziam lá.

P – Para que o cachorro se movimente, por exemplo, quantos desenhos são necessários?

L – Dois, mas o rabo, por exemplo, eu fiz vários desenhos. Eu economizei desenho também, porque no livro tem duas lavanderias e aqui usei uma lavanderia só. Aqui eu tinha que separar a vovó.

B – Teve que refazer ela inteira, porque ela não era inteira dentro do livro.

L – Essas pessoas todas, a bandeja, os objetos. Mas é assim: na hora em que eu tenho o livro, já ajuda bastante o design da coisa.

B – Tinha muita coisa assim: aqui o Lollo queria que ele estivesse cavando e voasse um negocinho. Aí ficava um tempão discutindo como fazer isso, se vai seguir a gravidade.

P – Como as limitações técnicas interferiram no projeto?

L – Ah, dá umas brecadas nas coisas que a gente quer fazer. B – Hoje ninguém mais diz que piscar o olho é um problema. [...]

B – Não é uma coisa que vai transformar num desenho, é algo que está acontecendo na história.

L – A gente tinha uma preocupação de não fazer nada, nenhuma animação ou brincadeira, que não estivesse dentro da história. Por exemplo, tem uma hora em que ele [cachorro Pum] está no quintal e a gente pensou em fazer ele seguir uma mosca.

B – A brincadeira com a mosca, pra criança, seria divertida, mas não tinha nada a ver com a história, com o que estava acontecendo aquela hora.

L – Aqui [mostrando uma tela do app, do quarto da criança], por exemplo, a gente podia escolher os carrinhos soltos ou o cachorro. Escolhemos o cachorro, que entra embaixo do cobertor, não são os brinquedos... Seria mais uma coisa para explorar depois, mas não faz falta.

B – A gente ficou bem dentro da história. A editora também quis isso: Vamos transformar em um brinquedo ou vamos pelo caminho do livro?

P – O que vocês acham das brincadeiras que vêm como extra, no fim das histórias?

B – Não acho que é problema, que não pode, mas acho que o livro não é isso. Pode ter a brincadeira à parte, mas isso não é mais importante do que a história que está sendo contada. Se a brincadeira for mais importante do que a história, não é um livro, você perde a qualidade de um livro. O que é importante num livro? Tem que ter a ver com a história!

L – A brincadeira, o joguinho, podem fazer parte da história que você está contando, da condução da coisa.

P – Lollo, como ilustrador, teve alguma diferença no trabalho?

L – Pra fazer os desenhos, tive que fazer à mão e escanear. O traço é igual e é o mesmo trabalho de fazer um livro de verdade.

P – Mas com muito mais ilustrações, sim?

L - É. Mas o mesmo processo.

P – As limitações tecnológicas interferiram em algum momento na ilustração?

L – Interfere a partir do momento, por exemplo, que eu tenho que desenhar o cachorro sem o rabo e o rabo separado.

B – É como se ele fosse fazer uma animação. Se ele vai piscar, tem que desenhar o olho aberto e o olho fechado. Se ele vai mexer o rabo, você tem que desenhar as posições do rabo separado.

P – Você já tinha feito animação antes?

L – Ah, trabalhava em coisinhas simples pra propaganda. Mas não é nada tão misterioso assim. O Pum pra iPad eu faço o corpo, faço o jogo de pernas aberto, faço um jogo de pernas fechado, rabinho pra cima, rabinho pra baixo, orelha pra cima, orelha pra baixo, o olho separado, a linguinha. Faço tudo isso – no caso, eu desenho no papel – daí escaneia e monta no computador. Não chega a ser um absurdo de trabalho. É uma animação simples de dois frames. E tem outros recursos de animação que eu posso, por exemplo, fazer um desenho só, mas posso deixar ele mole, posso mexê-lo dando a impressão de que tem muito mais frames. Isso ajuda bastante. Esse processo na mão é assim, no digital é muito parecido com ilustração normal que você faz para livro normal, porque você está habituado a trabalhar em layers, em camadas no Photoshop.

P – O processo de criar um livro digital envolve mais autores. A sensação é a mesma de ser ainda “dono” do livro?

L – No caso do Pum foi, a gente trabalhou para a mesma história. As animações eram feitas com o nosso desenho, as ideias de animações eram as que a gente tinha juntos. A gente colocou nos créditos a Helen [Nakao, projeto gráfico], porque ela ajudou bastante. Mas a história e a ilustração continuam sendo nossas. Falar que o livro é inteiro nosso tanto no iPad como no papel é um pouco pretensioso, porque ali passou produtor gráfico, pessoal da diagramação, a tipologia foi discutida...

B – Tanto que você tem resultados diferentes em editoras diferentes. Você tem livros mais bem-acabados dos mesmos autores, dos mesmos ilustradores, a gente sente muito isso. O livro nunca é só da gente. Na hora de ir para o papel, quem define qual é o papel? Quem define como vai ser um monte de coisas é a editora. Nunca ele é só nosso.

P – Quantas pessoas, além da Julia e da Helen, participaram desse processo de fazer a versão para o iPad?

B – Pessoal da tecnologia, eram dois ou três que iam nas reuniões. Era o cara que mandava ali, um que entendia mais de tecnologia e outro mais de arte, do que era possível fazer ali. E aí o pessoal do som foi o mais tranquilo, nem teve reunião com a gente junto. A gente indicou, ele conversou com pessoal da Companhia e mandava pra gente o barulho da chupeta, a voz do menino... Escolhia o som de cada uma das coisas, montava um demo, todo mundo ouvia, mudava. Ele arrumou o narrador, uma criança, e foi ele que dirigiu.

P – Quanto tempo durou esse processo?

L – Um tempão. Demorou uns quatro meses pra fazer.

P – Está vendendo bem?

L – Ahhh. O livro de papel está indo para uns 30 mil. No iPad não chegou a 200 no primeiro levantamento de um mês e meio. [...]

B – O iPad não é um Nintendo DS, né? [...] Para mim, o que eu acho muito estranho é que você tem o iPad e você tem os Kindles, que são os e-books mesmo. São coisas distintas. Eu, quando leio reportagens sobre e-books, no final, sempre é sobre os e-readers, não é sobre o iPad. O iPad é muito visto como aplicativo e não um livro. É muito separado um do outro e nem um nem outro eu sei muito bem o que vai acontecer. Acho que o iPad é muito mais convidativo para a criança do que o outro, que é um livro de texto.

L – O outro é preto e branco.

B – É como se Harry Potter tivesse no iPad e a leitura pra faculdade estivesse no outro, sabe? L – No começo dos anos 1980, era moda uma coisa chamada videotexto. Era a grande revolução da comunicação. Eu estava fazendo faculdade e Julio Plaza, os artistas da época, estavam todos entusiasmados com a grande tecnologia do futuro que era o computador com videotexto. O videotexto permitia que uma pessoa aqui no Brasil conversasse com uma pessoa em Londres ao mesmo tempo. Você podia passar um livro inteiro em apenas um dia! Transmitia por rede de telefone. Era um troço revolucionário. E teve gente que fez todo o

exercício de futurismo: como será o futuro com o videotexto? Era a internet, que ninguém sabia o que era, e a previsão foi muito mais tímida do que aconteceu de verdade. Nessa época, ninguém previa passar vídeo, ninguém pensava num iPhone. Mas estava lá o gene do que seria a internet nessa coisa do videotexto. Eu acho que a gente está meio nessa fase ainda. A gente tem uns aparelhos legais, que fazem umas coisas legais, que podem substituir algumas mídias tradicionais, que a gente não sabe – substituir não digo, mas mexer em algumas mídias tradicionais de um jeito radical. A gente ainda não sabe. Vai acontecer alguma coisa? Com certeza. Mas depende muito das variáveis.

P – Suas ilustrações no iPad são arte?

L – Minha ilustração é ilustração. Não sou eu quem vai dizer se é arte. B – É arte sim.

[...]

L – Não acho que o suporte limita ou define o que é arte ou não. Você pode fazer arte no papel, arte de massa, arte com disco de vinil colado na parede. Você pode ter um trabalho de ilustração que tenha o poder de transcendência da arte. O iPad como suporte é mais um. B – Eu acho que é arte nas duas coisas. Eu acho que é bom ou ruim. Texto é arte? É um tipo de arte. E quem escreve bem é arte boa, quem escreve mal é arte ruim. [...] A arte é uma maneira de expressar alguma coisa.

P – A plataforma muda alguma coisa no trabalho do ilustrador?

L – Muda assim, eu posso fazer coisas no papel que não posso fazer no iPad e vice-versa. Como posso fazer coisas em guache que não dá pra fazer em aquarela.

B – Acho que é técnica. [...]

P – Pensar livro direto para iPad é muito diferente de pensar para papel?

B – Olha, não sei, o resultado ficou muito parecido. No iPad a gente propôs as brincadeiras que isso podia ter para a criança. Por exemplo, quando o ornitorrinco vai na manicure, podia ter uma brincadeira de a criança lixar a unha do bichinho e abria uma área que você falava sobre o ornitorrinco. Isso é uma coisa que eu não posso ter no livro de papel, não consigo ter uma página oculta ali que está falando sobre outra coisa. Foi isso que a gente imaginou fazer pra começar a testar o caminho. A gente imaginou brincadeiras para todas as páginas, mandou um roteiro de como brincar com cada um desses bichos e quais tipos de informação pode dar

para cada um desses bichos, pra montar um livro dentro de um livro que é só brincadeira, que dentro dele você tem um livro de informação e você tem a brincadeira que faz parte da besteira que é o livro de papel. O livro de papel é só isso. Ele vai sair agora só o papel. É o mesmo livro, mas aqui [no tablet] você pode tirar uma foto e botar o seu rosto. De qualquer maneira, a gente vai estar sempre dentro da mesma história. Na hora em que acabar o livro, não tem um quebra-cabeça. Eu tenho dentro da história, dentro do livro. Tenho muito medo disso, de acabou a história e você vai colorir. Então pra que eu vou ler? Você pode ir direto pro quebra-cabeças. [...] O melhor para o livro é a diversão estar dentro dele.

16.3 Apêndice C: Entrevista realizada com Claire Gervaise, recebida por