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8 COMO É FEITO O LIVRO DIGITAL AMPLIADO?

8.1 Quem Soltou o Pum?: exemplo

Na elaboração de Quem Soltou o Pum? para o iPad, as reuniões aconteciam entre o casal Blandina Franco e José Carlos Lollo, que escreveu e ilustrou o livro, a publisher e editora da Companhia das Letrinhas, Júlia Moritz Schwarcz, a supervisora de produção da

editora Helen Nakao, e três funcionários de uma produtora, sendo um que entendia de linguagem de programação, outro de interface e animação e o terceiro que organizava, comandava e unia os dois trabalhos de tecnologia. Além deles, havia ainda o pessoal de som, que foi escolhido pelo casal.

Essa composição toda faz levantar uma questão: o fato de o processo de confecção envolver muitas pessoas tira a autoria dos autores propriamente ditos? Para Lollo e Blandina, não.

A gente trabalhou para a mesma história. As animações eram feitas com o nosso desenho, as ideias de animação eram as que a tínhamos juntos. Falar que o livro é inteiro nosso tanto no iPad como no papel é um pouco pretensioso, porque ali passou produtor gráfico, pessoal da diagramação, a tipologia foi discutida...43 Tanto que você tem resultados diferentes em editoras diferentes. Você tem livros mais bem-acabados dos mesmos autores, dos mesmos ilustradores. O livro nunca é só da gente. Na hora de ir para o papel, quem define qual é o papel? Quem define como vai ser um monte de coisas é a editora. Nunca ele é só nosso.44

Nas primeiras reuniões, já ficou acertado que o texto permaneceria tal qual o do livro impresso e que seriam acrescidas apenas animações. Portanto, esses encontros serviram para definir o que seria animado e o que não seria, com sugestões de todos os envolvidos. As opiniões do casal foram bastante ouvidas e debatidas com a editora. Mas muitas ideias encontraram obstáculos na tecnologia. Havia, segundo eles, uma limitação no número de animações por tela, sob pena de o aplicativo ficar muito pesado para download, além de encarecer. Ao serem questionados sobre as propostas que não foram acatadas, Blandina responde: “A gente achava que o menino tinha que piscar e o cachorro também. E não dava pra fazer. Ficava tudo muito caro”.45

Se a tecnologia foi um limitador para os sonhos de animação e interação, o fato de o livro já existir em papel foi um facilitador para pular algumas etapas. Cerca de 50% dos desenhos utilizados na versão impressa foram aproveitados para a versão digital, e muitas emendas simples de ilustrações foram feitas pelos próprios funcionários da Companhia das Letrinhas. “Algumas coisas precisavam ser redesenhadas, porque era um formato e passou para outro. Só isso já muda tudo: a diagramação, o formato da página e o texto tem que caber nas animações ali no meio”46, explica Blandina.

                                                                                                               

43  LOLLO, São Paulo, 2012   44  FRANCO, São Paulo, 2012   45  Ibid  

Para se ter ideia do trabalho, somente para fazer o rabo do cachorro abanar é preciso separar o corpo do rabo e, deste último, são necessários desenhos do rabo para cima e dele para baixo. Para mexer as patas, por exemplo, são necessários jogos de pernas abertos e fechados e apenas um corpo – tudo será montado no computador. Para um personagem piscar, é preciso fazer um desenho dele com os olhos abertos e outro, fechados – isso para gerar animações simples de dois frames, que é o que foi utilizado na versão eletrônica do livro.

Embora o ilustrador perca um pouco o domínio do trabalho finalizado, o que é comum para todos os artistas que fazem animação, a técnica e o processo são os mesmos (até porque os desenhos foram feitos à mão e, depois, escaneados), porém, com maior número de ilustrações. “O que muda no meu trabalho é que posso fazer coisas no papel que não posso realizar no iPad e vice-versa. Como posso fazer coisas em guache que não dá pra ser feito em aquarela”47, explica Lollo, para quem a mudança é mais uma questão de técnica e de possibilidades quando se passa de uma para outra plataforma. O processo todo para finalizar o livro digital levou cerca de quatro meses.

Depois dessa experiência, Blandina e Lollo foram convidados por outra editora a fazer o trabalho inverso: pensar um livro para iPad que pudesse ser depois lançado em papel. Assim, Tem Sempre um Diferente foi primeiro concebido para tablet para só depois virar impresso. A verdade é que a versão digital nunca foi lançada, mas o livro de papel acabou publicado em 2012, pela Salamandra, um selo da editora Moderna. Na prática, as versões “analógica” e digital ficariam bastante parecidas, contudo, a eletrônica teria mais informações e uma experiência diferente, como Blandina revela:

No iPad, a gente propôs as brincadeiras para a criança. Por exemplo, quando o ornitorrinco vai à manicure, podia ter uma brincadeira de a criança lixar a unha do bichinho e abrir uma área em que você falaria sobre o ornitorrinco. Isso é uma coisa que eu não posso ter no livro de papel, não consigo ter uma página oculta ali que fala sobre outra coisa. A gente imaginou brincadeiras assim para todas as páginas, e mandou um roteiro de como brincar com cada um desses bichos e quais informações poderíamos dar em cada um deles. Assim, montávamos um livro que é só para brincadeira dentro de um livro [o livro em si] e, dentro dele, tem um livro de informações, sem falar que a brincadeira faz parte da besteira que é esse livro de papel. [Já] o livro de papel é só isso. É o mesmo livro, mas no iPad você pode tirar uma foto e botar o seu rosto. De qualquer maneira, a gente vai estar sempre dentro da mesma história. Na hora que acabar o livro, não tem um quebra-cabeças. Tenho medo dessa possibilidade de acabar a história e poder colorir. Então, pra que vou ler? Você pode ir direto pro quebra-cabeças! O melhor para o livro é a diversão estar dentro dele.48

                                                                                                               

47  LOLLO, São Paulo, 2012   48  FRANCO, São Paulo, 2012