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4 OS LIVROS MÓVEIS E POP-UPS: AVÓS DOS TABLETS

4.2 A hegemonia alemã

Na segunda metade do século XIX, a Inglaterra não detinha mais o predomínio da tecnologia de impressão a cores. A litografia surgia para substituir as gravuras em chapas de aço, o que dava vantagem para a Alemanha, que possuía abundância de calcário poroso na região da Baviera para fazer as placas. O editor alemão Ernest Nister (1842-1909) viu nisso uma oportunidade de fazer um trabalho conjunto e abriu um escritório em Londres em 1888, tendo o escritor Robert Ellice Mack como editor e caçador de talentos. Os livros, a maioria com cenas bucólicas, eram editados na Inglaterra e enviados a Nuremberg para serem revisados e processados. Depois, ganhavam o continente europeu e os Estados Unidos, num trabalho conjunto com a empresa nova-iorquina E.P. Dutton.

Entre os tipos de livros móveis produzidos, três eram os principais: aqueles em que as páginas ilustradas eram divididas em tiras horizontais intercaladas (como uma persiana) que, mexendo uma aba, moviam as tiras e mudavam a figura (um bom exemplo é Come and Go. A

dotado de mecanismos giratórios e discos intercalados que, quando movimentados por uma “alavanca”, mudavam a ilustração (um efeito muito semelhante ao de persiana, mas que é feito dentro de um círculo), a exemplo de Revolving Pictures, de 1895; e os livros ilustrados que se erguiam em três dimensões, formando uma espécie de palco de teatro em camadas, com profundidade de campo, como Peeps into Fairy Land, também de 1895. Neste último tipo, é importante frisar que havia também aqueles que se levantavam em três dimensões, criando camadas mais e menos profundas na ilustração, só que não tinham proscênio, ou seja, a estrutura para “emoldurar” as ilustrações como num palco de teatro – um exemplo de obra deste tipo é The Soldier Panorama (c.1900).

Nister não foi o único alemão a se aproveitar dessa vantagem. O cartunista Lothar Meggendorfer (1847-1925) fez tanto sucesso quanto seu conterrâneo, no entanto, enquanto Nister conquistava garotas vitorianas com suas lindas e bem-acabadas histórias bucólicas, Meggendorfer preferia unir seu talento à sátira, à malandragem e à traquinagem típica dos meninos, como se pode observar no livro Tricks of Naughty Boys (1899). Não só o humor foi sua marca, como a versatilidade e a engenhosidade em criar formas diferentes de fazer o papel revelar surpresas para os leitores: algumas formavam metade de um picadeira de circo, como

International Circus (1899); outras, faziam três partes diversas de corpos se fundirem em uma

figura estranha (a página era dividida horizontalmente em três tiras, no estilo já comparado a uma persiana), a exemplo de Heitere Verwandlungen (1880); e havia também muita experimentação em mecanismos 3D, uso de rebites de metal para criar mais articulações, ilusões de ótica e livros que literalmente eram montados quando abertos e viraram uma espécie de brinquedo de papel, como Das Puppenhaus (c.1890), que se transforma praticamente em uma casinha de boneca – o que fez Meggendorfer ser apontado como o criador do moderno livro móvel.

Com uma só aba para ser puxada em cada página, Meggendorfer conseguia imprimir muitos movimentos ao papel, como no livro Always Jolly (1889), em que uma simples alavanca na cena do caçador de borboletas, por exemplo, faz mexer simultaneamente a boca do personagem, a borboleta e o braço que segura a rede de captura; no poema do leão, em que ele abaixa a cabeça, abre a boca e mexe a cauda; ou no pintor de retratos, que movimenta olhos e braços ao mesmo tempo. Sua habilidade como “engenheiro de papel” era notável, mas Meggendorfer preferia não se envolver tanto com a impressão, publicação e distribuição – e, por isso, suas obras apareciam em muitas edições internacionais.

Se há, de fato, uma era de ouro para os livros interativos, podemos dizer que foi neste período – pelo menos a primeira era de ouro –, em que Nister e Meggendorfer apresentavam

ao mundo suas invenções com o papel, um na qualidade da produção e o outro na audácia dos movimentos e temas, sendo impressionantes até para os padrões de impressão de hoje – sem contar as inúmeras editoras que copiaram esses recursos. Fica difícil compreender como toda aquela técnica tenha “sumido” tempos depois, a ponto de provocar na geração atual a sensação de que o pop-up seja uma invenção da modernidade.

4.3 A derrocada

A verdade é que nem mesmo a morte de Nister, em 1909, foi tão devastadora para sua empresa como a Primeira Guerra Mundial e a austeridade, inclusive econômica, que ela gerou – e deste efeito sofreu também Meggendorfer. Não bastasse a paralisação que um conflito dessa amplitude provoca, impedindo que as empresas produzissem tranquilamente e as famílias pudessem gastar em “futilidades” caras, a onda antigermânica que varreu a Europa fez os dois perderem mercado, a ponto de Meggendorfer passar seus últimos anos em declínio, entretendo crianças com teatro de bonecos.

Com a queda dos europeus, a empresa americana McLoughlin Bros viu uma oportunidade de ampliar seu sucesso – ela que já havia reimpresso originais alemães, aproveitou para firmar seu mercado na área de pop-ups e, assim, lançou nos Estados Unidos

Grosse Menagerie (1884), obra do alemão J.F. Schreiber. Aos poucos, a empresa foi

construindo seu próprio caminho no design de livros móveis e sobreviveu até mesmo à Segunda Guerra Mundial, publicando divertidos livros saltitantes.

Na Europa, no período de entressafra entre as duas guerras, quando o continente voltava à estabilidade e aos investimentos em cultura e entretenimento, o inglês S. Louis Giraud (1879-1950), que trabalhava no jornal londrino Daily Express, ficou encantado com a exibição dos dispositivos de papel dobrado (muito parecidos com origamis) de Theodore Brown (1870-1938). Assim, surgiu em 1929 o primeiro anuário infantil do Daily Express, o

Daily Express Children’s Annual, com sete efeitos tridimensionais. Este anuário é apontado

como o nascimento dos verdadeiros pop-ups. O sucesso foi tanto que os anuários ficaram cada ano mais sofisticados, a ponto de Giraud deixar o jornal e lançar sua série com o título

Bookano Stories – até 1949, foram 16 anuários que usavam o selo Strand Publications. Nesses

pop-ups, havia sempre pelo menos cinco páginas duplas com imagens tridimensionais que podiam ser apreciadas de qualquer ângulo, além do que as animações eram praticamente

“automáticas”, pois não era necessário puxar uma alavanca para o movimento acontecer: o simples abrir de página já acionava o mecanismo, ou seja, podiam ser chamados efetivamente de pop-ups, tal como se conhece hoje. E os livros de Giraud tinham uma vantagem, se compararmos com os de Nister e Meggendorfer: eram mais baratos e, por isso, atingiram um grande público – embora isso significasse que a qualidade das obras, em termos de papel, impressão e encadernação, também fossem piores.

Mas as obras com o título Bookano não ficaram limitadas aos anuários. Muitos outros livros pop-up foram feitos sob o selo Strand, entre eles The Story of Jesus (1936) e alguns contos de Hans Christian Andersen. Apesar de a técnica dos pop-ups ter sido desenvolvida por Giraud e Brown, foi a editora norte-americana Blue Ribbon Publishing, de Nova York, quem adquiriu os direitos autorais para usar o termo “pop-up” e produziu vários contos de fadas de alta qualidade gráfica, como Pinocchio (1932) e Jack, the Giant Killer (1933). Um de seus grandes acertos – uma fórmula até para driblar os anos de Depressão – foi animar personagens da Disney, além dos tradicionais contos de fadas.

Nos anos 1940 e 1950, o grande nome dos pop-ups foi o animador Julian Wehr, americano filho de imigrantes alemães, que patenteou seus “livros infantis animados”, com uma técnica que fazia várias ações acontecerem simultaneamente na página – se as ilustrações lembravam as produções da Disney, os mecanismos engenhosos para mover as figuras estavam mais para as criações de Meggendorfer. Entre seus livros animados, destacam-se

Puss in Boots (1944) e The Wizard of Oz (também de 1944).

O pós-guerra revelou ao mundo outro nome importante no universo dos livros pop-up: o arquiteto checo Vojtech Kubasta (1914-1992), capaz de fazer cenários surpreendentes saltarem aos olhos. Seu trabalho foi revelado para o mundo pelo conterrâneo Leopold Schliesser, um banqueiro que havia fugido para Londres para escapar da perseguição nazista e que, após o fim dos conflitos, voltou ao seu país natal para fazer negócios. Ele havia ficado impressionado com o método simples de Kubasta que, com cortes e redobras de papéis, projetava uma série de efeitos animados – e negociou a exportação desses livros diretamente com a Artia, empresa estatal checa para esses fins. A técnica foi sendo aprimorada de modo que alguns pop-ups cresciam de modo inacreditável diante dos olhos e, não bastasse a estrutura que explodia da página, algumas partes móveis ainda podiam ser manipuladas de modo a se movimentarem, como acontece em Here Comes the Circus (1968), em que o equilibrista desliza sobre uma corda ao ser acionado manualmente, ou em Christopher

dobras, mas por fios. Este tipo de técnica foi batizada de Panascopic Model Series, e foi responsável pelas mais impressionantes obras de Kubasta.

Sob o selo Bancroft & Co./Westminster Books, os livros de Kubasta, coloridos e baratos, fizeram sucesso imediato, sendo vendidos especialmente em feiras e tendas de mercado. Ao morrer, em 1992, Kubasta deixou quase 70 títulos pop-up, sendo responsável por todas as etapas de criação e design de cada um dos livros – conta-se que foram comercializadas 30 milhões de exemplares, em 37 línguas.

4.4 O renascimento

Com a Guerra Fria e o Pacto de Varsóvia, ficou muito difícil exportar essas obras para os Estados Unidos. Porém, foi exatamente nesta época que o empresário americano Waldo Hunt conheceu o trabalho de Kubasta e ficou tão fascinado que encomendou logo de uma vez um milhão de exemplares. A encomenda não foi possível, no entanto, ele não desistiu da indústria pop-up e, finalmente em 1964, Hunt levou sua Graphics International de Los Angeles para Nova York e deu corda à sua produção de livros interativos para Random House – seu primeiro título foi Pop-up Riddles (1965), de Bennett Cerf.

Foi com essa parceria que os livros pop-up renasceram. A Graphics-Random produziu cerca de 60 títulos, muitos deles impressos no Japão – entre suas joias destacam-se The

Wizard of Oz (1968) e 20.000 Leagues Under the Sea (1969). A Graphics foi comprada no

final dos anos 1960 pela Hallmark Cards, mas Hunt ficou na Hallmark até 1974, quando abriu a Intervisual Communications, empresa de impressão e encadernação. Dos anos 1970 para cá, outros artistas merecem destaque em seus trabalhos, como o polonês Jan Piekowski, que fez os ótimos Haunted House (1979), que já vendeu mais de 1 milhão de cópias, e Robot (1981).

A indústria de livros móveis evoluiu muito nas últimas décadas e incorporou aos títulos até mesmo recursos como som, luzes, cheiros (que aparecem ao friccionar as páginas), tinta termocrômica (que revela imagens com o aquecimento do contato das mãos, por exemplo), tinta fosfocrômica e novas texturas para ajudar a contar as histórias. De modo geral, utilizam-se de recursos – além das abas, pop-ups ou jumps, cenários tridimensionais – como o flip books (cineminhas com a mão), efeito holográfico ou lenticular, scanimation.

O efeito lenticular, por exemplo, usa uma montagem de imagens impressas em lentes de plástico que acaba conferindo um efeito 3D ou de movimento para a ilustração – à medida

que o leitor muda o ângulo de observação do exemplar, visualiza outra imagem, sendo um recurso muito utilizado para capas. Já o scanimation, uma técnica criada e batizada pelo artista multimídia Rufus Butler Seder, dá movimento às figuras à medida que a página é virada, como em Gallop (2007). O que o leitor vê é uma série de finas listras verticais, mas o que está por trás é um intrincado mecanismo de deslize do cartão de papel e lâminas de plástico e que lembra muito uma antiga técnica chamada de “ombro cinema”, em que um slide de acetato com finas listras verticais era deslizada sobre a cena, dando a impressão de ação – muito usada no começo do século XX e que está, por exemplo, na série Pyjamarama, de 2012.

Com tantos recursos, esses livros acabaram sendo encaixados em outra denominação, ganhando com isso uma interrogação desnecessária: livros-brinquedo (uma categoria que ultrapassa o formato pop-up, diga-se). A interrogação, neste caso, deve-se à pergunta que ficou mais evidente com este nome: é livro ou brinquedo? É literatura ou brincadeira? E, nisto, uma divisão perigosa parece ter se instalado: é sério ou só diversão? Como se o livro não pudesse estar associado ao prazer, ao entretenimento, uma separação que retrocede três séculos na história, quando os livros infantis eram puramente educativos e com lições de moral. A essas questões, vale lembrar que os livros-brinquedo foram legitimados como categoria literária pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e também são classificados como gênero pela Bibliografia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil desde 1985.