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CAPÍTULO 3 A Bossa Nova

3.1 A musicalidade da fala na canção brasileira

Ao analisarmos certos aspectos da música popular brasileira, observamos em diversos estilos de música vocal uma estreita relação entre o modo de cantar e a fala utilizada no cotidiano desde suas mais antigas manifestações72. Este forte laço que une em diversos momentos a música popular com a oralidade foi discutido pelo escritor Mário de Andrade em seu Ensaio sobre a música brasileira no qual afirma que uma das marcas basais da rítmica musical no Brasil é oriunda de uma rítmica essencialmente prosódica herdada dos ameríndios e africanos73. Segundo o autor, o ritmo da fala destes povos – o modular de sons e silêncios que é resultado das combinações características de vogais e consoantes da voz falada naqueles idiomas – pode ter exercido uma influência importante no desenvolvimento rítmico da música e da musicalidade brasileira. Essa ideia de Mário de Andrade pode ser aprofundada na citação do texto de Martha Tupinambá de Ulhôa:

O português brasileiro, como muitas outras línguas, usa o acento silábico como um meio de identificação fonológica. Uma das características principais de seu padrão de acentuação é a presença de um número grande de palavras paroxítonas. Isto dá à língua, e consequentemente ao paradigma musical para estruturação métrica/prosódica, uma tendência ou sensação anacrústica. Na música ocidental se diz que uma frase é anacrústica quando começa antes e termina depois do primeiro tempo do compasso (ULHÔA, 1999, p. 51).

Em seu Ensaio, Mário de Andrade reforça ainda o elo que muitos estilos vocais brasileiros têm com a oralidade ao afirmar que “muitos dos cocos, desafios, martelos, toadas, embora se sujeitando a quadratura melódica, funcionam como verdadeiros recitativos” 74. Com isso, o autor elenca alguns estilos musicais regionais

72 De acordo com Bruno Kiefer, em seu livro Elementos da linguagem musical: “Cada língua tem a sua

própria estrutura melódico-embrionária. Já existe nela, portanto, o germe de uma música que expressa a alma [ou aura, segundo Hermeto pascoal] do povo. É sintomático que na Antiguidade poesia e música fossem inseparáveis. ” (KIEFER, 1973, p. 44).

73 ANDRADE, 1972. 74 ANDRADE, 1972, p. 31.

brasileiros e os relaciona com o estilo Recitativo, estilo sabidamente caracterizado pela proximidade na utilização da voz com a recitação, ou seja, com a voz no registro falado. Esta relação praticamente simbiótica entre canto e fala presente em muitos estilos na música brasileira encontra no gênero da canção popular sua maior fruição, a ponto de o estudioso da canção Luiz Tatit afirmar que “é inevitável, quem ouve uma canção, ouve alguém dizendo alguma coisa de uma certa maneira.”75. A frase anterior, ao refletir sobre o atávico atrelamento que o gênero da canção no Brasil possui com o modo como alguém diz alguma coisa, e levando em consideração a influência mútua entre a música e o idioma de um povo, pode nos revelar algo ainda maior: quem ouve alguém dizendo alguma coisa de uma certa maneira, é evitável, mas pode ouvir uma canção.

A canção popular brasileira, cuja emergência deu-se no século XX e foi permeada por ricas e distintas culturas em inter-relação, majoritariamente pela dos brancos, bronzes e pretos, em termos macunaímicos, tem seu vínculo com a oralidade discutida por Tatit ainda por outro viés:

A canção brasileira, na forma que a conhecemos hoje, surgiu com o século XX e veio ao encontro do anseio de um vasto setor da população que sempre se caracterizou por desenvolver práticas ágrafas. Chegou como se fosse simplesmente uma outra forma de falar dos mesmos assuntos do dia-a-dia, com uma única diferença: as coisas ditas poderiam então ser reditas quase do mesmo jeito e até conservadas para a posteridade (TATIT, 2004, p. 70).

Desse modo, notamos que a influência da oralidade na canção popular se deu não apenas pela sugestiva musicalidade da fala brasileira – que através de seu ritmo e do modular de alturas de sua prosódia, naturalmente, sugere ao compositor de canções uma possível melodia – mas também pelo fato de a canção ter se tornado, ao longo de seu desenvolvimento, expressão musical de uma parcela da sociedade que se utilizava do registro oral muito mais do que o escrito como forma de comunicação cotidiana. A esse respeito já cantofalava Caetano Veloso (1942 –) em sua canção “Língua”: “Se você

tem uma ideia incrível é melhor fazer uma canção / Está provado que só é possível filosofar em alemão”. Contata-se, então, que a canção brasileira pôde – no decorrer de seu desenvolvimento – se sedimentar como um modo de dizer perpetuável e característico, como um registro oral musicalizado de acontecimentos e de ideias.

Ao longo do processo de desenvolvimento do gênero, portanto, vemos emergir na canção popular brasileira uma série de estilos que explicitam, cada qual a sua maneira, uma íntima relação entre o modo de cantar e o modo de falar. A presença deste traço estético é tida como marca de inúmeros estilos do gênero e, curiosamente, encontra paralelos em um de seus gêneros antecessores, um possível ancestral comum, a Modinha Brasileira.

Gênero de composição vocal derivado diretamente das Modas portuguesas76, a Modinha pode ser definida como uma espécie de canção com acompanhamento de um instrumento harmônico, com influências das árias e duetos das óperas italianas e da rítmica já presente no contexto musical brasileiro trazida pelos africanos. Parte da produção musical do gênero pode ser vista como um tipo de canção de câmera, associada ao ambiente cortesão ou de salões aristocráticos, e outra parte está mais próxima da canção de seresta, acompanhada pelo violão e fora do ambiente aristocrático, muitas vezes na rua. Atuando muitas vezes como um “meio de expressão poético musical da temática amorosa”77, não à toa recebe de Mário de Andrade a delicada definição: “A modinha é um suspiro de amor...”.

Enquanto gênero poético-musical caracteriza-se, sobretudo, por sua longevidade, com incidências desde o séc. XVIII até o começo do séc. XX, no Brasil e em Portugal. Credita-se ao poeta e músico (ou mesmo pré-cancionista) brasileiro Domingos Caldas Barbosa (c.1739 – 1800) a introdução do gênero na Corte da Rainha Maria I em Lisboa. Provido de sua viola de arame, Barbosa impressionava “pela facilidade de seus improvisos cantados ao som da viola, à similhança de um lyrico grego ou de um trovador da idade média.” 78. Segundo o pesquisador Edilson de Lima:

76 “A moda, em Portugal no séc. XVIII, foi um tipo genérico de canção séria de salão, que incluía cantigas,

romances e outras formas poéticas, compostas por músicos de alta posição profissional. As modas foram tão comuns em Portugal no reinado de D.Maria I que popularizou-se o dito de que na corte dessa rainha “era moda cantar a moda”” (CASTAGNA, s.d., p. 1).

77SEVERIANO, 2008, p.17.

Pelo que tudo indica, teria sido realmente durante o século XVIII que a música produzida na colônia brasileira foi adquirindo feições próprias a ponto de, no final do mesmo, chegar a possuir uma personalidade inconfundível, ou seja, de moda que era, configurou-se como a modinha brasileira. E é nesse momento que surge o nome de Domingos Caldas Barbosa (LIMA, 2001, p. 14).

Domingos Caldas Barbosa atuava sob pseudônimo de Lereno Selinuntino, motivo pelo qual seu livro de composições leva o nome de Viola de Lereno, publicado em 1798. Segundo Márcia Taborda, “os poemas de Caldas, concebidos para serem cantados, trouxeram uma novidade que causava tanto a admiração quanto a contestação: a maneira coloquial e direta com que abordava temas amorosos e sentimentais, temperando-os com muita malícia. ” 79 80. Um exemplo deste tratamento do texto poético pode ser lido a seguir, no excerto de um poema de Lereno, publicado no segundo volume de sua “Viola de Lereno” em 1826:

Por mais que me diga Que pouco me crê Eu digo o que sinto Morro por você.

79TABORDA, 2006, p. 3.

80 Outros aspectos também diferenciavam a moda portuguesa da modinha brasileira, expressos

principalmente no caráter e afeto vinculados à prática musical na sociedade. Um exemplo desta diferença pode ser encontrado no livro “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo, onde o autor descreve dois momentos distintos envolvendo o fazer musical brasileiro e português:

“Foi um forrobodó valente. A Rita Baiana essa noite estava de veia para a coisa; estava inspirada; divina! Nunca dançara com tanta graça e tamanha lubricidade. Também cantou. E cada verso que vinha da sua boca de mulata era um arrulhar choroso de pomba no cio. E o Firmo, bêbedo de volúpia, enroscava-se todo ao violão; e o violão e ele gemiam com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de bichos sensuais, num desespero de luxúria que penetrava até o tutano com línguas finíssimas de cobra.” (AZEVEDO, 1995, p. 110).

Passagem que se opõe a cena do Português Jerônimo: “Depois, até as horas de dormir, que nunca passavam das nove, ele tomava a sua guitarra e ia para defronte da porta, junto com a mulher, dedilhar os fados da sua terra. Era nesses momentos que dava plena expansão às saudades da pátria, com aquelas cantigas melancólicas em que a alma do desterrado voava das zonas abrasadas da América para as aldeias tristes da sua infância” (AZEVEDO, 1995, p. 55).

Ponha a mão sobre o meu peito Porque a dúvidas dissipe, Sentirá meu coração, Como bate, tipe, tipe.

Estou com ela Entre agradinhos Como os pombinhos A dois e dois.

Menina, vamos amando, Que não é culpa o amar. O mundo ralha de tudo, É mundo, deixa falar.

(Domingos Caldas Barbosa apud TINHORÃO, 1998, p. 117)

Com isso, constata-se com o surgimento da Modinha brasileira no ambiente aristocrático de Lisboa, uma maneira diferente de abordar o texto poético cantado, que passou a incorporar elementos da linguagem cotidiana brasileira, portanto com influência da oralidade. Este tipo de Modinha desenvolvido no Brasil e veiculado por Caldas Barbosa em Portugal, apresenta-se para alguns pesquisadores como o gênero precursor da canção popular brasileira. Assim concorda Luiz Tatit:

(...) há que se considerar que a música de Domingos Caldas Barbosa representou a configuração do tripé sobre o qual veríamos erigir no século XX, a canção popular que invadiu todas as faixas sociais pelos meios de comunicação de massa e que se projetou a uma escala internacional a partir de 1960 [com a internacionalização da Bossa Nova]. Suas peças baseavam-se num aparato rítmico oriundo dos batuques, suas melodias deixavam entrever gestos e meneios da fala

cotidiana, o que lhe permitia “dizer” o texto com graça e com força persuasiva, e, finalmente, suas inflexões românticas, expandindo o campo de tessitura das canções, introduziam um certo grau de abstração sublime (...) (TATIT, 2004, p. 27).

Tatit parece encontrar na obra de Domingos Caldas Barbosa uma espécie de prenúncio do que viria a ser a canção popular brasileira no século XX, reconhecendo em ambos os gêneros a presença de três distintos pilares: influência da música africana no contexto rítmico, modo de cantar próximo do registro da fala e a presença de um elemento passional contido tanto na temática dos poemas cantados quanto na influência lírico-operística das melodias, herança das Modas Portuguesas e da forte presença do repertório operístico nas classes mais altas da sociedade brasileira da época. Soma-se a isso o fato da paulatina substituição da viola pelo violão no decorrer do percurso das Modinhas fora do ambiente de salão no Brasil.

A respeito da presença de Modinhas dentro e fora do contexto social burguês no Brasil, é possível notar que no decorrer de seu percurso histórico houve uma certa polarização na produção musical que se configurou, basicamente, em duas distintas vertentes associadas diretamente ao meio social em que estavam envolvidas. A modinha seresteira, popular, “oralizada” e acompanhada pela viola ou violão; e a “Modinha de Salão”, que mantinha a influência das árias e duetos italianos e que passou, aos poucos, a ser acompanhado pelo piano, instrumento cuja posse foi símbolo de status social no Brasil do século XIX e começo do século XX. A esse respeito, Paulo da Costa Oliveira escreve:

Os dois tipos de cantigas populares vigentes, derivados tanto dos estribilhos cantados da dança saída dos batuques – no caso do lundu – quanto do amolecimento dengoso da velha moda portuguesa – no caso da modinha –, coexistiram por todo o Brasil, sendo cultivados em distintas camadas sociais. Aquelas de ritmo mais vivo e melodias mais simples eram executadas nas ruas, pelo canto solo dos seresteiros. As outras, mais elaboradas e harmonizadas, sofrendo o influxo mais marcado da música erudita, sobretudo da ópera, eram executadas nos salões ao sabor do estilo bel canto (OLIVEIRA, 2008, p. 71).

No caso da “Modinha de salão”, também conhecida como modinhas sentimentais, a influência das árias de óperas italianas deu-se, sobretudo, no tratamento melódico. Segundo a musicóloga Oneida Alvarenga, vê-se frequentemente na Modinha a presença de uma “linha [melódica] cheia de arabescos ondulosos, o uso intenso de

harpejos, os saltos largos” 81. Este comportamento melódico é bastante comum às árias de ópera e a voz que canta, neste contexto, distancia-se da fala e aproxima-se do que seria um tratamento mais próximo à música instrumental.

Nesse sentido, a presença de dois tipos distintos de cantigas populares, conforme mencionado anteriormente por Paulo Oliveira, – cada qual diretamente relacionada ao fazer musical de uma camada social no Brasil do século XIX – reflete no

status que cada instrumento musical tinha no contexto social da época. Se por um lado a presença do piano nas casas das famílias mais abastadas do Brasil do século XIX era vista como um símbolo de status social, por outro, o violão era mal visto pela burguesia da época, sob os argumentos de que seria um instrumento associado a um ambiente de farra e folia. Dessa forma, é interessante mencionar a passagem do Romance O triste

fim de Policarpo Quaresma (1915), de Lima Barreto, no qual o protagonista, Major Policarpo Quaresma, choca sua vizinhança ao aparecer pelas ruas carregando um violão:

Uma tarde de sol – sol de março, forte e implacável – aí pelas cercanias das quatro horas, as janelas de uma erma rua de São Januário povoaram-se rápida e repentinamente, de um e de outro lado. Até da casa do general vieram moças à janela! Que era? Um batalhão? Um incêndio? Nada disto: o Major Quaresma, de cabeça baixa, com pequenos passos de boi de carro, subia a rua, tendo debaixo do braço um violão impudico. É verdade que a guitarra vinha decentemente embrulhada em papel, mas o vestuário não lhe escondia inteiramente as formas. À vista de tão escandaloso fato, a consideração e o respeito que o Major Policarpo Quaresma merecia nos arredores de sua casa diminuíam um pouco. Estava perdido, maluco, diziam. (...). Quando entrou em casa, naquele dia, foi a irmã quem lhe abriu a porta, perguntando:

– Janta já?

– Ainda não. Espere um pouco o Ricardo que vem jantar hoje conosco.

– Policarpo, você precisa tomar juízo. Um homem de idade, com posição, respeitável, como você é, andar metido com esse seresteiro, um quase capadócio – não é bonito!

O major descansou o chapéu-de-sol – um antigo chapéu-de-sol com a haste inteiramente de madeira, e um cabo de volta, incrustado de pequenos losangos de madrepérola – e respondeu:

– Mas você está muito enganada, mana. É preconceito supor-se que todo o homem que toca violão é um desclassificado. A modinha é a mais genuína expressão da poesia nacional e o violão é o instrumento que ela pede. Nós é que temos abandonado o gênero, mas ele já esteve em honra, em Lisboa, no século passado, com o Padre Caldas que teve um auditório de fidalgas. Beckford, um inglês, muito o elogia.

– Mas isso foi em outro tempo; agora...

– Que tem isso, Adelaide? Convém que nós não deixemos morrer as nossas tradições, os usos genuinamente nacionais...

– Bem, Policarpo, eu não quero contrariar você; continue lá com as suas manias (BARRETO, 1915, p. 11-12).

De acordo com o excerto apresentado do Romance de Lima Barreto, constatamos a imagem negativa associada ao violão na sociedade burguesa da época. Além disso, Policarpo Quaresma, personagem reconhecidamente nacionalista, no decorrer do livro entra em conflito com seu meio social justamente por enaltecer as práticas culturais genuinamente nacionais. Percebe-se nesta passagem, então, de modo quase velado, uma crítica por parte do autor a um fenômeno corrente no contexto brasileiro: as classes mais abastadas frequentemente atribuírem maior valor à cultura estrangeira, principalmente àquela vinda dos países europeus. Prova disso está no fato de Quaresma mencionar à irmã, como recurso legitimador de seu argumento, que Beckford, um inglês, aprecia o gênero da Modinha.

Nesse sentido, podemos melhor compreender a forte influência das árias de ópera italianas no fazer musical da sociedade burguesa brasileira desta época, bem como constatar a presença deste repertório no cotidiano desta sociedade por meio da leitura de alguns romances de costume do período82. No romance Diva (1864) de José de Alencar, uma cena cotidiana da classe média alta carioca é retratada no seguinte excerto: “Começara o verão de 1855. Uma manhã apareceu Geraldo em minha casa.

82Sobre este tema, ver A música popular no romance brasileiro (2000) de José Ramos Tinhorão. Trata-se

Entrou, conforme o seu costume, estrepitosamente, e cantarolando não sei que ária do seu repertório italiano.” 83. Uma menção similar ocorre no romance Senhora (1875) também de José de Alencar. Em um diálogo entre as personagens Dona Firmina e Aurélia, Aurélia pergunta sobre quem D. Firmina acha mais bonita: ela, Aurélia, ou Amaralzinha. O trecho que se segue é:

- Em todo o caso [Amaralzinha] é mais bem-educada do que eu? - Do que você, Aurélia? Há de ser difícil que se encontre em todo o Rio de Janeiro outra moça que tenha sua educação. Lá mesmo, por Paris, de que tanto se fala, duvido que haja.

- Obrigada! É esta a sua franqueza, D. Firmina?

- Sim, senhora; a minha franqueza está em dizer a verdade, e não em escondê-la. Demais, isso é o que todos vêem e repetem. Você toca piano como o Arnaud, canta como uma prima-dona, e conversa na sala com os deputados e os diplomatas, que eles ficam todos enfeitiçados. E como não há de ser assim? Quando você quer, Aurélia, fala que parece uma novela (ALENCAR, 1875, p. 4-5).

Com isso, pode-se constatar a presença comum deste tipo de repertório na sociedade burguesa das grandes cidades brasileiras deste período, característica que revela a influência da música italiana na produção musical brasileira.

Compositores brasileiros como Carlos Gomes (1836 – 1896), bem como os luso-brasileiros Marcos Portugal (1762 – 1830) e Padre José Maurício Nunes Garcia (1767 – 1830), compuseram Modinhas neste estilo, conforme podemos observar a seguir, no excerto da Modinha “Anália Ingrata” (1859) de Carlos Gomes, para voz e piano.

Figura 15: Excerto da Modinha “Anália Ingrata” (1859) de Carlos Gomes. Fonte: Música brasilis <musicabrasilis.org.br>

Ao observarmos a partitura da peça de Carlos Gomes podemos notar em alguns aspectos um forte diálogo desta Modinha com o estilo operístico. Na escrita para o Piano, como instrumento acompanhador, a figuração rítmica denuncia o compasso ternário e marca os tempos todos “na cabeça” de cada pulso, tal qual uma valsa vienense. A linha melódica cantada possui alguns saltos, alguns dos quais aparecem por entre as palavras, dando a elas uma certa modificação de sua prosódia natural (é o caso da palavra perfeição, por exemplo: peêrfeição). A temática lírico-amorosa da letra cantada, em adição a indicação expressivo no começo da melodia e a palavra cantada “gemo”, sugere uma interpretação dramática. Além disso, nota-se no desenvolvimento do fraseado melódico uma força eminentemente musical, uma vez que a melodia cantada não se adequa com perfeição ao texto poético, gerando pequenos desvios prosódicos conforme já mencionado.

Ao ouvirmos a interpretação de “Anália Ingrata” pela soprano Niza de Castro Tank, fonograma que faz parte do CD Minhas pobres canções (2006), a proximidade desta modinha com o gênero operístico se esclarece. A abordagem vocal dada por Tank parte dos preceitos técnicos do bel canto italiano, manifesta em aspectos como a adaptação de algumas vogais em busca de uma sonoridade vocal específica e a