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CAPÍTULO 3 A Bossa Nova

3.4 O canto-falado de João Gilberto

“Quando eu canto, penso num espaço claro e aberto onde vou colocar meus sons. É como eu estivesse escrevendo num pedaço de papel em branco: se existem outros sons à minha volta, essas vibrações interferem e prejudicam o desenho limpo da música”. João Gilberto

Vimos até então que a proposta de canto-falado de João Gilberto é tida como um dos aspectos estéticos mais marcantes da Bossa Nova. Seu modo de cantar, assim como ouvido em seus LPs mencionados – Chega de Saudade (1959), O amor, o

sorriso e a flor (1960) e João Gilberto (1961) –, destoa do tratamento dado ao canto pelos cantores da época do rádio e do samba-canção, sobretudo em relação ao volume de voz utilizado e sua dicção mais próxima da fala cotidiana. Mesmo com a distância deste tratamento em relação à utilização da voz em outros contextos caracterizados pela busca do virtuosismo, como na ópera, por exemplo, não podemos deixar de constatar um virtuosismo acentuado em sua abordagem, posto que sua voz aparece despida de certos artifícios, como o vibrato, por exemplo, que pode, por vezes, camuflar a imprecisão na afinação. Seu virtuosismo manifesta-se também no esforço escondido e bem-sucedido de fazer seu canto parecer natural, mesmo executando melodias de percurso bastante difícil. Cabe considerar também o aspecto sofisticado de sua respiração, que se realiza de forma a atender o projeto estético de continuidade expresso, por vezes, em frases longas.

Naturalmente, sua proposta de canto foi recebida com divergências pelo público acostumado à voz grandiosa dos cantores do rádio, chegando a ser considerado como desafinado por muitos, crítica rebatida pela canção “Desafinado” presente no

primeiro LP do cantor. Há quem considerasse, também, que a proposta de João Gilberto se deu mesmo por uma incapacidade vocal do cantor. A respeito disso vale ressaltar que os anos que precederam o surgimento da Bossa Nova foram marcados pela atuação de João Gilberto como crooner102

em um conjunto denominado Garotos da Lua, que, no ano de 1951 e 1952, realizaram a gravação de dois discos de 78rpm. Ao escutarmos João Gilberto nestes discos, impressiona a diferença de sua abordagem vocal em relação aos discos da Bossa Nova, cantando com bastante volume e com a presença de vibrato.

Assim, podemos constatar que a proposta de João Gilberto a partir de 1958 não se dá por uma inaptidão vocal, mas sim por uma escolha estética autoconsciente. Dessa maneira, sua bem-sucedida proposta vocal de certa forma estimula o aparecimento de uma série de outros cantores com a mesma abordagem. Sobre isso, discorre Augusto de Campos:

João Gilberto abriria o caminho para a liberação de grandes intérpretes, cantores de voz pequena (...), segundo os padrões tradicionais, como Nara Leão, Astrud Gilberto, Edu Lobo, Chico Buarque de Holanda e muitos outros, que descobriram uma personalidade vocal acima e à margem dos receituários do bel canto, como antes o haviam feito Noel Rosa e Mário Reis (CAMPOS, 1986, p. 223-224).

Com a abertura de novas possibilidades na canção popular no âmbito da interpretação vocal, aspecto que contou com o estímulo da proposta de João Gilberto, vê-se uma certa inversão em relação ao que acontecia até então no samba-canção: o canto-falado não só passa a ser bem aceito como um modo de cantar pelos ouvintes e pelo mercado fonográfico mas passa também a ser predominante nas propostas de canto vindouras. Conforme afirma Marcelo Elme:

102 Crooner é o nome dado ao cantor normalmente acompanhado por big bands ou orquestras completas.

Via de regra, está associado às músicas estadunidenses. Curiosamente, o tipo de canto executado pelo

crooner tem suas raízes no bel canto italiano, aspecto manifesto, por exemplo, na presença do vibrato no canto e no volume de voz requerido para o estilo.

Após a intervenção de João Gilberto, a tendência estética que enfatizava o canto falado tornou-se predominante, não eliminando, no entanto, aquela mais ligada ao canto lírico, que continuou a existir, denominada, a partir de então, estilo antigo (Machado, 2012, p.20). Este estilo antigo pode ser percebido nas vozes dos cantores veteranos que continuaram gravando, como Elizeth Cardoso e Cauby Peixoto, mas também, em algum grau, em cantores de gerações posteriores, como, por exemplo: Pery Ribeiro, filho de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins que se dedicou à bossa nova mas manteve a emissão típica do samba-canção; Clara Nunes, que também preservou, de forma sutil, a impostação e o vibrato (ELME, 2015, p. 90).

Interessante notar que a terminologia estilo antigo associada à proposta de canto mais comumente utilizada antes do surgimento do canto-falado de João Gilberto dialoga diretamente com a terminologia usada para diferenciar a Seconda da Prima

Pratica, uma vez que a Prima Pratica também é chamada de “stile antico” no contexto da música italiana da virada do século XVI para o século XVII.

Em entrevista a Tarik de Souza e Elifas Andreatto, cujos excertos encontram-se presentes no livro Bim Bom: a contradição sem conflitos de João

Gilberto, de Walter Garcia, o próprio João Gilberto comenta acerca de sua proposta de canto. Além disso, o cantor associa sua maneira de cantar à ideia de naturalidade, expressa na voz quando falada.

Eu estava então [na década de 1950] muito descontente com aqueles vibratos dos cantores – Mariiiiina moreeeeena você se pintooooou – e achava que não era nada disso. Uma das músicas que despertaram, que me mostraram que podia tentar uma coisa diferente foi Rosa Morena, do [Dorival] Caymmi. Sentia que aquele prolongamento de som que os cantores davam prejudicava o balanço natural da música. Encurtando o som das frases, a letra cabia certa dentro dos compassos e ficava flutuando. Eu podia mexer com toda a estrutura da música, sem precisar alterar nada. Outra coisa com que eu não concordava era as mudanças que os cantores faziam em algumas palavras, fazendo o acento do ritmo cair em cima delas para criar um balanço maior. Eu

acho que as palavras devem ser pronunciadas da forma mais natural possível, como se estivesse conversando. Qualquer mudança acaba alterando o que o letrista quis dizer com seus versos (João Gilberto

apud GARCIA, 1999, p. 127).

Em seu depoimento, João Gilberto menciona sua busca por um canto mais natural por meio não apenas do abandono do vibrato na voz mas também por uma atenção especial à métrica da melodia cantada e à duração dos sons das vogais. Para João Gilberto, o tratamento dado pelos cantores do samba-canção à melodia, ao utilizar o vibrato e expandir a duração das vogais de certas palavras para dar vazão ao som da voz (como em Mariiiiina moreeeeena), distanciava a voz de uma abordagem natural, o que causava, sintomaticamente, uma possível alteração no sentido que o letrista da canção quis dar ao texto. Para João Gilberto, o parâmetro mais importante na busca pela naturalidade do canto estava justamente na voz falada, como em uma conversa.

É nesse sentido que vemos em inúmeras interpretações de João Gilberto a sua proposta de modificação da métrica da melodia das canções, no intuito de deixar, conforme suas próprias palavras, a letra flutuando por entre os compassos da canção. Nas interpretações de João Gilberto, a frase poético-musical quase nunca está fixa na métrica subentendida pela batida do violão ou pela fórmula de compasso da canção, o que muitas vezes produz uma surpresa na escuta e uma sintomática sensação no ouvinte de que João Gilberto está literalmente dizendo algo na canção.

Um exemplo desta abordagem do canto de João Gilberto pode ser encontrado na interpretação do mesmo para a canção “Águas de Março”, de Tom Jobim, presente em seu disco homônimo de 1973. Em relação à interpretação de Tom Jobim, presente no compacto simples Disco de bolso, o Tom de Jobim e o Tal de João

Bosco (1972) 103, o início da melodia da canção na versão de João Gilberto possui algumas modificações, conforme nos mostra na figura a seguir Enrique Menezes:

Figura 21: Exemplo de alteração métrica na interpretação de João Gilberto Fonte: MENEZES, 2010, p. 530.

Com este tipo de abordagem, João Gilberto almeja evocar a continuidade e ao mesmo tempo aproximar-se da imprevisibilidade rítmica presente na fala em sua interpretação para a canção. Com isso, João Gilberto antecipa uma das frases musicais modificando a métrica esperada da melodia cantada. Entretanto, mesmo com a proposta de modificação métrica, a realização de seu canto ainda se encontra em fase com o acompanhamento do violão.

Frequentemente notamos, em outras interpretações de João Gilberto, este recurso interpretativo no canto, porém modificando ainda mais drasticamente a métrica da melodia a ponto de esta, de fato, se dissociar ritmicamente do acompanhamento do violão. Esta abordagem pode ser notada na interpretação de João Gilberto para a canção “Sampa” de Caetano Veloso, presente no disco João (1991).

Para casos como este, a pesquisadora Marta Ulhôa oferece-nos o conceito que chamou de métrica derramada:

A noção de métrica derramada tem a ver com a relação entre canto e acompanhamento, onde o canto – regido pela divisão silábica prosódica da língua portuguesa – e o acompanhamento – regido pela lógica métrica musical – parecem às vezes “descolados” um do outro, numa sincronização relaxada. (...). Na métrica derramada acontece uma superposição da divisão das sílabas e encaixe frouxo dos padrões de acentuação da língua portuguesa à brasileira aos compassos musicais regulares da tradição ocidental consagrada (ULHÔA, 2006, p. 2).

Em outro texto, a pesquisadora ainda complementa: “A métrica derramada aparece muito na performance da música brasileira popular, não só na canção como no samba, na bossa-nova e na chamada MPB, como também em música essencialmente instrumental.”104

. Podemos frequentemente ouvir esta abordagem em relação à métrica nas melodias do estilo musical Chorinho. No Chorinho, grande parte do repertório pode apresentar melodias com longas sequências de notas de duração igual e frases com métrica esperáveis, e que os intérpretes chorões flexibilizam no momento da execução. Em outros contextos musicais, como na música barroca, por exemplo, a flexibilização da duração das notas e da métrica esperada em melodias com esse tipo de figuração rítmica (longa sequência de notas de duração igual) está associada a ideia de eloquência na realização do discurso melódico. A ideia de eloquência, por sua vez, em uma de suas acepções associa-se diretamente à capacidade de falar e expressar-se com desenvoltura.

Devido a esta característica do canto de João Gilberto – e que pode ser tão bem definida pelo conceito de métrica derramada de Ulhôa – diz-se que é muito difícil cantar junto com algumas de suas gravações, já que sua flexibilização métrica da melodia cantada acaba por surpreender quaisquer expectativas que o ouvinte possa ter em relação ao início ou término das frases. Nesse sentido, é interessante mencionar também a gravação de João Gilberto para a já apresentada (página 97 canção “Segredo” de Herivelto Martins e Marino Pinto, presente em seu disco João Gilberto – Voz e

violão (2000). Nela, João Gilberto se utiliza das variações métricas a qual mencionamos. A audição desse fonograma também se faz interessante como parâmetro de comparação para a gravação de Dalva de Oliveira, explicitando as principais diferenças na abordagem dada ao canto e ao arranjo entre o samba-canção e a Bossa Nova.

Esta proposta de João Gilberto talvez seja utilizada como recurso interpretativo na busca pela aproximação do canto à fala, tentando, inclusive, fazer com que pareça simples cantar desta maneira. Conseguir transmitir ao ouvinte a sensação de naturalidade no cantar mesmo que este canto não tenha nada de natural – trata-se, na realidade, de um canto melodicamente complexo e com um encaixe rítmico sofisticado em relação à métrica da batida – é um artifício interpretativo105. Em relação a isso,

104 ULHÔA, 1999, p. 53.

105 Ulhôa ainda afirma: “A solução expressiva encontrada por (...) muitos cantores de música popular brasileira é “derramar” a métrica musical, ou seja, flexibilizar os limites do compasso e deslocar os acentos dos tempos iniciais dos mesmos. “Derramar” a métrica não é uma idiossincrasia numa

lembramos da célebre frase de Clarisse Lispector: “Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho.”.

Questionado por um entrevistador se já havia nascido com seu fraseado, João Gilberto responde: “Não. Trata-se de algo que se trabalha a cada música. Se colocarmos sempre o acento tônico sobre um mesmo tempo, fica chato. É preciso sempre imaginar novas entonações para dar mais vida às palavras” 106

. Não à toa, podemos constatar, ao longo da carreira artística de João Gilberto, a presença de várias versões para uma mesma canção, sempre com alguma diferença em relação à versão anterior, sobretudo na métrica do canto.

Em relação a este recurso empregado por João Gilberto, e frequentemente empregado por inúmeros cancionistas influenciados por ele, Tatit comenta:

Há, sem dúvida, uma técnica assimilada durante as produções [de um cancionista]. Na verdade, um equilíbrio de técnicas (...) que se configura numa estratégia geral de persuasão dos ouvintes. Dentro dessa estratégia, ocupa posição de destaque a naturalidade: a impressão de que o tempo da obra é o tempo da vida. Daí então a camuflagem do esforço e do empenho como parte da canção (TATIT, 2002, p. 18).

Na citação anterior, Tatit relaciona a busca por naturalidade pelo cantor a uma estratégia de persuasão do ouvinte. Ao citar o termo persuasão, Tatit reforça a ligação deste tipo de abordagem com a ideia de eloquência, uma vez que a eloquência era uma virtude estimada na prática da retórica – antiga arte de se usar a linguagem de modo eficaz no processo comunicativo ou, em outras palavras, a arte de bem falar. A retórica, por sua vez, tem como ideia central a busca pela persuasão do ouvinte. Com isso, podemos dizer que a métrica derramada pode ser utilizada como recurso retórico na prática interpretativa, aproximando o canto à fala e simulando nesta vocalização a ideia de naturalidade.

interpretação singular; é um traço estilístico marcante, principalmente entre intérpretes de samba.” (ULHÔA, 2006, p. 8).

A este recurso interpretativo utilizado pelo cancionista, Luiz Tatit deu o nome de Figurativização. O conceito de figurativização talvez seja um dos processos mais importantes nos estudos sobre a canção brasileira realizado por Luiz Tatit. Trata-se da descrição e sistematização da aproximação do canto do cancionista à musicalidade da língua oral cotidiana, que, segundo o autor, promove uma espécie de “presentificação de situação locutiva”107

, ou mesmo, é quando se ouve “a voz que fala no interior da voz que canta”108. Com isso, Tatit associa a utilização deste recurso com a sintomática aproximação do ouvinte com o intérprete, que direciona o ouvinte para a esfera do aqui e agora, como se contasse diretamente a ele o que se passa na situação poética por meio da canção. A esse respeito Tatit escreve:

[para o cancionista] a influência das leis entoativas que regem o discurso coloquial é um processo desejável, pois garante ao ouvinte uma rápida, ou até automática, conversão intersemiótica, do sistema da canção para o sistema da língua natural. Mais do que isso, o cancionista geralmente adota – voluntária ou involuntariamente – a estratégia persuasiva de estabelecer equivalências entre os dois sistemas, para tornar mais fluente sua comunicação com o ouvinte. É o que chamamos de figurativização enunciativa (TATIT, 2007, p. 158).

Na citação anterior, Tatit menciona novamente o fato de que a utilização da

figurativização por parte do cancionista trata-se de uma estratégia persuasiva. Para o autor, o fato de o ouvinte poder estabelecer equivalências diretas entre o canto e a linguagem cotidiana aproxima-o do intérprete.109 Em outro excerto, presente no texto

Elementos para a análise da canção popular, Tatit menciona também que o processo de

107 TATIT, 1986, p. 15. 108 TATIT, 2002, p. 21.

109 A respeito dessa ideia, Tatit complementa: “Creio que a naturalidade aloja-se na porção entoativa da melodia, naquela que se adere com perfeição aos pontos de acentuação do texto. A impressão de que a linha melódica poderia ser uma inflexão entoativa da linguagem verbal cria um sentimento de verdade enunciativa, facilmente revertido em aumento de confiança do ouvinte no cancionista” (TATIT, 2002, p. 20).

figurativização não atua somente no âmbito do tratamento dado ao canto, que se aproxima da fala, mas também na escolha da letra da canção.

... a presença da fala também percute na letra da canção. Todos os recursos utilizados para presentificar a relação eu/tu (enunciador/enunciatário) num aqui/agora contribuem para a construção do gesto oral do cancionista. Ao ouvirmos vocativos, imperativos, demonstrativos, etc., temos a impressão mais acentuada de que a melodia é também uma entoação linguística e que a canção relata algo cujas circunstâncias são revividas a cada execução. O cancioneiro popular traz diversos exemplos, como Conversa de

botequim, Acorda amor, Da maior importância, Você não soube me amar, Sinal fechado, etc., todos inscritos no processo de

figurativização enunciativa. (TATIT, 2003, p. 9-10).

Nesse sentido, percebemos que a proposta do canto-falado, sobretudo na canção popular brasileira, incide não somente pela maneira de cantar – que propõe uma diminuição na intensidade vocal e o abandono de efeitos ornamentais como o vibrato e o portamento – e nem somente no tratamento da linha cantada – cujo percurso melódico brota da entoação do texto falado – mas também da escolha da letra da canção. Todos estes elementos em sintonia compõem a estratégia de figurativização enunciativa e que está associada a ideia de naturalidade do canto e a consequente aproximação entre o ouvinte e o intérprete.

Martha Ulhôa, no excerto de seu texto Métrica Derramada: Prosódia

Musical na canção brasileira popular, tenta traçar um panorama do desenvolvimento desta estratégia persuasiva no decorrer da história da canção popular brasileira.

No Brasil, o domínio técnico-estético do cancionista foi aos poucos sendo refinado à medida que melodia e letra se libertavam dos padrões formuláicos110 emprestados da canção estrófica tradicional ou da ária

110 A respeito deste termo, o dicionário online Priberam o define como “1. Relativo a fórmula; 2. Que obedece a determinado padrão ou fórmula”. Disponível em: https://www.priberam.pt/dlpo/formulaico

de opereta ou Ópera. Para isto basta escutar as primeiras gravações da Casa Edson e depois a produção dos anos 30 e mais tarde as da bossa- nova e MPB, para ter um exemplo de momentos diferentes desse processo. Da prosódia dura das primeiras gravações, onde na maioria das vezes se escutam cantores como Candido das Neves e Bahiano tentando adaptar letras criadas a fórmulas melódicas já existentes, passamos por um "canto falado" fluido e malandro de cancionistas como Noel Rosa e outros sambistas, na voz de cantores como Aracy de Almeida, Carmem Miranda, Nelson Gonsalves, Linda Batista e outros, para chegar, principalmente pela condução maestral de João Gilberto, a uma espécie de "fala cantada", uma retórica essencial da sensibilidade brasileira — a destilação de várias trajetórias marcadas por visões de mundo e de maneiras de ser-no-mundo diferentes (ULHÔA, 1999, p. 53).

Com isso, podemos associar a proposta de João Gilberto ao primeiro (e talvez maior) ápice de um projeto de aprimoramento da presença da oralidade no canto brasileiro e que, segundo Ulhôa, vem sendo desenvolvido paulatinamente desde os primórdios do gênero, quando ainda se via frequentemente a influência da ópera italiana neste fazer musical.