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4. REALIZAÇÃO DA PRÁTICA PROFISSIONAL

4.1. ÁREA 1 – ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DO ENSINO E DA

4.1.2. Realização

4.1.2.3. A postura

Nunca gostei de dar treinos nem orientar jogos de manhã, a minha predisposição é sempre muito pouca nas primeiras horas do dia, o pensamento é lento e a expressão corporal extremamente apática. Ainda assim, para facilitar o dia-a-dia ao meu colega de estágio optei, no início do ano, por escolher a turma que tinha aulas ao primeiro tempo da manhã, convicto que esta minha especificidade pudesse ser contrariada e não se afirmar como um entrave à lecionação. Não podia estar mais enganado!

Nos primeiros meses de lecionação a apatia matinal marcou de forma preponderante a minha postura nas aulas que lecionava ao primeiro tempo da

manhã. A apatia que sentia impedia-me de ser interventivo, de reagir, de emitir FB e até de repreender os alunos. Em vez disso, assumia uma postura de supervisão, relaxada, algumas vezes de braços cruzados enquanto observava a aula. Era um espectador. Compreendia que aquela não podia ser a postura, mas faltava-me a força para a contrariar. Em vez disso acomodava-me e deixava que o tempo passasse.

Inconformado com esta atitude, tentei várias estratégias para a contrariar: adormecer mais cedo na noite anterior, acordar mais cedo na manhã da aula, tomar muito café pela manhã, ir em jejum para aula ou lecioná-la com pouca roupa – o desconforto por vezes faz-nos ser mais ativos – mas nada resultava.

Nas aulas de 50 minutos, lecionadas às 10h30 da manhã, a postura era completamente diferente. Neste horário já me sentia completamente acordado, a minha atitude no decorrer da aula era totalmente distinta, muito mais ativo e interventivo, dava FB, parava os exercícios, exemplificava, mantinha conversas com os alunos. Passava de espectador a figura principal da ação.

Os seguintes excertos, retirados das reflexões das primeiras aulas – a segunda e a quarta lecionadas no primeiro tempo da manhã e a terceira e a quinta ao terceiro tempo – expressam bem as diferenças de postura em função da hora a que era lecionada a aula.

“Durante a realização do exercício a minha postura foi de supervisão, circulava pelo espaço, de braços cruzados, observando à distância todos os alunos e emitindo um número muito reduzido de feedbacks. (…) Este tipo de postura talvez não seja a mais aconselhada para uma aula. Observando as aulas do PC e do meu colega de estágio, apercebo-me que têm uma postura muito mais ativa, intervindo constantemente junto dos alunos, corrigindo-os e questionando-os. Esta atitude, para além de resultar numa mais rápida e eficiente aprendizagem dos alunos, também assegura que estes sentem constantemente a nossa presença, o que não lhes dá espaço para brincadeiras.”

“As coisas começam finalmente a correr melhor. Nas duas primeiras aulas sentia que não controlava a turma, tinha receio de intervir, de chamar à atenção e de parar os exercícios. As palavras escasseavam e a postura era apática, quase que tentando passar despercebido. Estava totalmente fora da minha zona de conforto e por isso desejoso que a aula acabasse. Esta aula já foi diferente, senti que tinha o comando dos acontecimentos e consegui pela primeira vez tirar prazer da lecionação e apreciar a aula”

– Reflexão da Aula 3 de 22 de setembro, lecionada às 10h30

“Depois de duas primeiras aulas complicadas, onde senti várias dificuldades no controlo da aula e da turma, a aula da passada sexta-feira correu bem melhor. Pela primeira vez senti que controlava aquilo que se passava na aula e que, daí para a frente, seria sempre a melhorar. Não podia estar mais enganado. Após a experiência da última aula, onde me demonstrei muito mais ativo e presente que nas duas anteriores, percebi qual o impacto que a atitude e a postura do professor têm sobre o comportamento e motivação dos alunos no decorrer da prática. Uma atitude mais apática do professor levará, além de uma atitude semelhante por parte dos alunos na realização dos exercícios, a um ambiente de descontração excessiva, que acabará por resultar em brincadeira por parte dos alunos. Assim, torna-se imperativo, para que a aula corra bem, que o professor participe nela com uma postura ativa e interventiva. Caso contrário perderá o controlo da situação, tal como aconteceu nesta aula. Voltei a adotar a postura apática das primeiras lecionações e os alunos, naturalmente, deixaram- se influenciar por ela (…) De manhã sinto-me sempre mais contido e apático e isso manifesta-se nas minhas intervenções, quer enquanto treinador, quer no papel de professor. Esta condição é algo que tenho de aprender a combater, levantando-me mais cedo, dormindo mais horas ou, simplesmente, fazendo um esforço para contrariar a apatia matinal. ”

– Reflexão da Aula 4 de 26 de setembro, lecionada às 8h20

“Após uma aula muito complicada na terça-feira [Aula 4], sabia que hoje teria de reagir. Mais que nunca impunha-se que estivesse com uma atitude ativa e enérgica, sobe pena de começar a perder irreversivelmente a mão na turma.

Era preciso presenteá-los com exercícios motivantes e assegurar que sentiam a minha presença durante a sua realização. (…) Relativamente à minha postura, acredito ter estado mais ativo que na aula anterior, (…) mantendo uma postura enérgica ao longo da aula.”

– Reflexão da Aula 5 de 29 de setembro, lecionada às 10h30

O grande problema desta apatia era a influência que esta tinha na postura dos alunos e consequentemente no funcionamento da aula. A atitude do professor espelha os seus sentimentos e influência as emoções nas aulas (Hirama, 2002), e uma postura apática resultava na adoção do mesmo tipo de atitude por parte dos alunos. Esta teoria é corroborada por Figueiredo (2004) que no seu estudo se propôs a compreender a influência das atitudes do professor no comportamento dos alunos, concluído que “as atitudes empregadas pelo

professor nas aulas de Educação Física são importantes influenciadores nas reações apresentadas pelos alunos” (p. 122). A minha postura nas aulas do

primeiro tempo da manhã influenciava a atmosfera e contagiava os alunos, que se tornavam também eles apáticos. Numa turma que já era naturalmente pouco vocacionada para a prática desportiva a adoção desta atitude tomava proporções ainda mais drásticas.

Por outro lado, a minha apatia fazia com que a repreensão aos alunos acontecesse de forma incorreta. Se observasse um comportamento desviante menor, ignorava, deixava que a aula continuasse a decorrer normalmente. Quando o comportamento era demasiado grave para que eu o pudesse ignorar, reprendia os alunos, mas com uma postura extremamente incorreta, sem evidenciar autoridade, com uma tonicidade corporal amorfa, quase que pedindo para que parassem em vez de exigir que o fizessem.

Para exibir confiança e exercer influência o professor precisa de demonstrar confiança na voz e na postura durante as aulas (Ferreira, 2005). Esta incapacidade de ser ativo e de liderar nas aulas do primeiro tempo estava a condicionar de forma perentória o processo ensino-aprendizagem. Os alunos não se aplicavam, não se comprometiam com a prática, apresentavam comportamentos desviantes e eu sentia-me impotente para resolver todos estes

problemas. Por sua vez, as aulas de 50 minutos, lecionadas ao terceiro tempo da manhã, eram o antagonismo deste cenário, os alunos aplicavam-se e assim que aparecia algum comportamento desviante eu resolvia-o prontamente, impondo respeito perante os alunos e controlando disciplinarmente a turma.

Com o passar do tempo, e de forma natural, esta situação foi melhorando. Aos poucos e poucos, sem que aplicasse qualquer estratégia para que isso acontecesse, fui aprendendo a contrariar a apatia matinal e a minha atitude nas aulas do primeiro tempo ficou cada vez mais semelhante às do terceiro tempo. Esta capacidade de contraria o relaxamento corporal, que acontece não só nas primeiras horas da manhã mas também noutras alturas do dia, revelou-se extremamente útil não só no contexto escolar como no federado. Se a postura do professor influencia a atitude dos alunos, a postura do treinador influencia ainda mais a atitude dos atletas. Esta experiência começou por me fazer compreender esta evidência e mais tarde a solucionar este problema. O professor é um ator (Nassar, 1993), independentemente do seu estado de espírito deve ser capaz, para o bem do processo ensino-aprendizagem, de colocar uma máscara que transmita aos seus alunos as emoções desejadas. Da mesma forma, também o treinador tem de ser um ator, capaz de representar a dedicação, a garra e a entrega que quer ver espelhadas nos seus atletas, independentemente do estado de espírito que está a viver.