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4. REALIZAÇÃO DA PRÁTICA PROFISSIONAL

4.1. ÁREA 1 – ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DO ENSINO E DA

4.1.2. Realização

4.1.2.2. Professor/Aula vs Treinador/Treino

4.1.2.2.5. Turmas heterogéneas

Dentro de uma equipa federada, sobretudo nas de formação, também estamos habituados a que haja alguma heterogeneidade entre os atletas no que ao nível de conhecimento e capacidade diz respeito. Todavia, excluindo os casos de atletas novos na modalidade, essa heterogeneidade não é elevada ao ponto de nos obrigar a adotar estratégias em função dessa condição. Mais ou menos capazes, todos têm uma capacidade técnica suficiente para a realização dos exercícios propostos. Obviamente a eficácia não é idêntica em todos eles, mas a heterogeneidade de capacidade técnica não condiciona a escolha dos exercícios. O nível geral da equipa sim, mas as diferenças existentes inter-atletas não. Além disso, o diferente conhecimento que os atletas apresentam da modalidade não é limitante ao ponto de condicionar a instrução do exercício. Independentemente do seu grau de conhecimento, todos dominam o vocabulário e conhecem o jogo.

Assim, quando iniciei o meu percurso na escola, a heterogeneidade entre alunos era uma condição à qual não estava habituado a dar importância. Sabia que os alunos tinham diferentes conhecimentos das modalidades e níveis de capacidade técnico-tática distintos porém, não achei que isso fosse um fator limitador ao ponto de me obrigar a adotar estratégias para contornar essa condição. Tani et al. (2013) defendem que as aulas envolvem uma heterogeneidade muito grande de alunos no que se refere a níveis de habilidade, experiências e perspetivas relativas ao desporto, condições essas que devem ser levadas em consideração na escolha dos exercícios e na instrução destes.

Numa fase inicial poucos alunos compreendiam o funcionamento dos exercícios e menos ainda entendiam de que forma aquilo que estava a ser exercitado poderia ser utilizado em jogo. Com o avançar das aulas fui-me apercebendo que esse grau de entendimento era diretamente proporcional ao nível de conhecimento e capacidade dos alunos. Eu não estava a respeitar a heterogeneidade deles, a escolha dos exercícios e o vocabulário utilizado durante as instruções e explicações só chegava aos alunos mais capazes. Pelo facto de vir de um contexto em que a plateia tem um vasto conhecimento da modalidade e domina o vocabulário da mesma, não estava habituado a ter de explicar as situações a partir do pensamento mais básico inerente a elas. Inconscientemente dava como garantido que os alunos tivessem algum conhecimento da modalidade abordada e as instruções e explicações partiam sempre desse prossuposto. A partir do momento em que compreendi que não podemos dar por garantido nenhum conhecimento, a minha forma de comunicar com os alunos com mais dificuldades alterou-se. As explicações passaram a ser mais morosas e detalhadas. Havia sempre a preocupação de iniciá-las a partir de um pensamento básico e a partir daí construir a ideia até chegar aquilo que queria de facto transmitir.

Após compreender a importância a atribuir à heterogeneidade, percebi que esta influência não só a forma de comunicar mas também o momento de introdução de um novo conteúdo e consequentemente a escolha dos exercícios. Os timings de introdução variam de acordo com os conhecimentos e capacidades dos alunos. O seguinte excerto, retirado de uma reflexão relativa à modalidade de basquetebol, ilustra bem estas ideias:

“Alunos de diferentes níveis exigem explicações diferentes do mesmo conteúdo. Explicar uma marcação e desmarcação a um aluno de nível elevado ou praticante de algum desporto coletivo, é muito mais simples, e pode ser feito com um vocabulário muito mais técnico e exemplos mais complexos, do que explicar o mesmo conteúdo a um aluno com mais dificuldades e que nunca praticou qualquer modalidade. (…) Nem todos os alunos estão preparados para aprender o mesmo conteúdo ao mesmo tempo. Alunos mais desenvolvidos

maiores dificuldades. Aqueles que demonstram uma maior capacidade têm tendência a consolidar rapidamente os conteúdos ensinados, antecipando o momento de introduzir o conteúdo seguinte. Por outro lado, alunos com maiores dificuldades tendem a demorar mais tempo a compreender e consolidar um novo conteúdo, atrasando o timing de inserção de um novo gesto técnico ou tático. Na aula de hoje nem todos os alunos aprenderam as fintas de corpo, apenas aqueles que já estavam preparados para as aprender.”

- Reflexão da Aula 12 de 24 de outubro

Neste caso em concreto, o conteúdo que vinha a ser exercitado era a movimentação defensiva. Para alguns dos alunos esse conteúdo já estava consolidado e o nível defensivo era de tal forma elevado que os atacantes tinham dificuldades em criar situações de finalização. Este elevado poderio defensivo obrigava à introdução de um novo conteúdo ofensivo, que permitisse aos atacantes criar novas dificuldades à defesa. Estava assim criado o cenário perfeito para a introdução das fintas de corpo. Com dificuldades em ultrapassar os defesas, os atacantes facilmente compreenderiam a utilidade deste novo conteúdo. Contudo, os alunos com mais dificuldades na modalidade ainda não tinham, por esta altura, consolidado a movimentação defensiva. Para estes, o ataque ainda era muito superior à defesa, era natural vermos alunos a criarem situações de finalização só a avançarem com a bola em direção ao cesto. Ainda não existiam as noções de marcação nem de contenção. A introdução das fintas de corpo não fazia sentido para estes alunos. Não iam compreender a utilidade delas uma vez que conseguiam passar pelos adversários sem qualquer dificuldade. Desta forma, apenas os alunos que estavam preparados para isso é que aprenderam o novo conteúdo, os restantes continuaram a exercitar a movimentação defensiva e só quando esta ficou consolidada é que avançaram para as fintas de corpo.

Quando iniciei o meu percurso na escola estava convicto de que a aula era muito semelhante ao treino e que a experiência que trazia deste se apresentaria como uma grande vantagem para o alcance do sucesso neste percurso. Com o passar do tempo apercebi-me que, em alguns momentos, não só não foi uma vantagem como as conceções e as metodologias que desenvolvi

ao longo de anos de treino se tornaram um entrave ao bom funcionamento da aula. Contudo, a experiência de treino não condicionou somente de forma negativa a minha atuação, em muitos momentos foi importante ter esse

background.