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4. REALIZAÇÃO DA PRÁTICA PROFISSIONAL

4.1. ÁREA 1 – ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DO ENSINO E DA

4.1.2. Realização

4.1.2.7. O aluno desestabilizador

A minha postura apática nos primeiros meses do ano letivo marcou de forma preponderante os vários aspetos do processo ensino-aprendizagem dessa altura, entre eles o controlo disciplinar da turma. Tal como referi anteriormente, a falta de à-vontade no papel de professor aliado a uma postura apática levavam- me a repreender os alunos de forma incorreta, sem a adoção de um tom de voz imperativo e uma postura corporal agressiva, pelo que a repreensão não era levada a sério. Esta incapacidade resultou no aparecimento de alguns comportamentos desviantes durante as aulas. De entre os casos de indisciplina que se faziam sentir no início do ano, um aluno destacava-se claramente dos demais. O líder da turma, um aluno com muitas capacidades para a prática desportiva porém nada interessado em demonstrá-las na aula, onde preferia desestabilizar os colegas em vez de se aplicar na exercitação. Extremamente irrequieto e rude no trato, era mal-educado com os colegas, respondia-lhes mal, gozava-os e não deixava que se empenhassem na aula. Assim que me apanhava de costas começava a pontapear as bolas de basquetebol, a atirá-la à cabeça dos colegas ou a subir a parede de escalada. Sozinho impedia o bom funcionamento das aulas.

Por aquela altura a minha vontade era de colocá-lo no lugar dele, repreendendo-o fortemente perante os colegas para que fosse diminuído ao olhar deles. Porém, se o fizesse estaria a corromper a nossa relação de forma quase irremediável até ao final do ano. A partir desse momento ele ver-me-ia como um inimigo e, tratando-se do líder da turma, era importante tê-lo do meu lado.

Assim, surgia a necessidade de o dissuadir daquele comportamento e cativá-lo para a prática onde, por via das suas capacidades físicas e técnicas, podia facilmente alcançar uma boa nota.

Em conversa com o PC este sugeriu que tivesse uma conversa individual com ele, que o chamasse à razão e o fizesse compreender que estava a desperdiçar as suas capacidades e que se corrigisse o seu comportamento

facilmente alcançaria uma boa nota. O seguinte excerto foi retirado da reflexão da aula em que teve lugar essa conversa:

“Iniciei a conversa elogiando-o, dizendo-lhe que tem muitas capacidades para a prática desportiva e por isso competências mais que suficientes para ter uma excelente nota a Educação Física. Depois, disse-lhe que não estava a ter uma atitude inteligente, que por via do seu comportamento estava a deitar essa oportunidade a perder. Expliquei-lhe que, no que toca à avaliação, estou mais interessado na capacidade de decisão dos alunos e no seu empenho do que na sua capacidade técnica, e que o seu desleixo durante a aula comprometia ambos. Se queria ter uma boa nota, teria de mudar a sua atitude. O aluno aceitou o que lhe tinha dito e reconheceu-me razão porém, não estou muito convencido que mudará alguma coisa na sua atitude no decorrer das próximas aulas. Assim que voltar a demonstrar algum comportamento menos correto, reavivar-lhe-ei esta conversa de forma amistosa e calma, para que não veja em mim um inimigo, mas alguém que o quer ajudar a obter uma boa nota.”

- Reflexão da Aula 5 de 29 de setembro

Tal como o previsto na altura, a conversa não resultou. Embora me tenha reconhecido razão a sua atitude nas aulas seguintes não se alterou. Quando lhe reavivava a nossa conversa o comportamento melhorava ligeiramente nos instantes seguintes mas algum minutos depois voltava ao normal. Era necessário utilizar outra estratégia.

Nesse momento o PC sugeriu que lhe atribuísse alguma responsabilidade na aula. Disse-me que estes alunos gostam de ser reconhecidos perante os pares e que a atribuição de responsabilidade o faria comprometer-se mais com a prática. Todavia, não sentia que ele estivesse preparado para desempenhar qualquer tarefa que exigisse responsabilidade. Não podia colocar um aluno com uma atitude destas a liderar os colegas, era necessário arranjar outra função que lhe reconhecesse competência perante os colegas mas que não exigisse tamanha responsabilidade. Assim, comecei a utilizá-lo como modelo para o trabalho físico que, por esta altura, os alunos faziam na parte final de todas as aulas. Explicava-lhe o exercício e ele exemplificava-o para os colegas. Ao

escolhê-lo reconheci-lhe competência e ao atribuir-lhe aquela função concedi- lhe alguma responsabilidade contudo, o comportamento não sofreu grandes alterações nas aulas seguintes.

Tentei colocar-me no lugar dele e perceber o que é que poderia ser feito para que a atitude dele melhorasse. Lembrei-me de um atleta que tive há uns anos, num contexto de minivoleibol, onde vários treinadores são responsáveis pelo mesmo escalão. Esse atleta chegou ao clube com a fama de furtar os colegas na escola e ser extremamente mal-educado com eles e com os professores. Após assistirem a alguns comportamentos incorretos os meus colegas começaram a tratá-lo de forma grosseira e áspera, diferente daquela que tratavam os restantes atletas. Porém, eu criei uma boa relação com ele. Dava-lhe atenção no início dos treinos, falávamos durante alguns minutos e, com o passar do tempo, fomos criando uma boa relação. Fruto dessa afetividade o atleta deixou de demonstrar os comportamentos desviantes que evidenciava até então, não só não deu mais problemas com foi dos atletas mais submissos e fiéis que treinei.

Percebi, então, que o comportamento daquele aluno só poderia melhorar se gostasse de mim. Criarmos uma boa relação era a única forma de assegurar que ele me respeitaria e consequentemente adotaria uma boa postura na aula. A partir daí comecei a falar frequentemente com ele, tentando criar uma boa relação. Espicaçava-o durante os exercícios e alinhava nas brincadeiras dele. Na reunião final do primeiro período, com o delegado e subdelegado da turma presentes, todos os professores falaram mal dele, exceto eu. Por saber que os colegas lhe fariam chegar tudo o que foi dito na reunião, aproveitei a oportunidade para o elogiar. Em pouco tempo desenvolvemos uma relação de afetividade e os comportamentos desviantes deixaram de ter lugar. Assim que aparecia algum comportamento menos correto bastava olhar para o aluno que ele parava imediatamente. Nos últimos meses do ano era o aluno com que melhor me relacionava. Sempre que era necessário eleger um capitão ou colocar um aluno a ajudar os colegas, ele era um dos eleitos. No final do ano teve negativa a todas as disciplinas exceto EF, onde conseguiu alcançar dezoito valores.

Quando nos deparamos com um aluno destes o mais fácil é repreendê- lo, virarmo-nos contra ele e tratá-lo de forma rude porém, nem sempre essa é a melhor forma de provocar a mudança que queremos. É necessário analisá-lo, perceber o porquê das atitudes dele e qual a melhor forma de as alterar.

Todas as estratégias que o PC sugeriu são válidas e poderiam ter resultado com outro aluno. Este, em particular, estava habituado a que os professores não gostassem dele, o vissem como uma fonte de destabilização dos colegas e o repreendessem frequentemente. Uma atitude diferente da minha parte permitiu que desenvolvêssemos uma relação afetiva que o dissuadiu de continuar a apresentar os comportamentos desviantes que o caracterizavam até então. Uma vez mais fica patente a importância da relação professor-aluno. Figueiredo (2004), na tentativa de compreender a influência da relação professor-aluno concluiu que “a maioria das atitudes [dos professores]

consideradas socialmente positivas como o incentivo, o discurso empolgante, o diálogo com os alunos, o uso de discurso claro e calmo para requerer disciplina, a afetividade, a benevolência, o discurso com elementos surpresa e descontraído, a preocupação e o elogio desencadearam reações emocionais positivas nos aluno.” (p.122).