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A questão do método: rizomas para o sujeito, a sociedade e o Estado 79 

CAPÍTULO 2. FILOSOFIA E ESQUIZOANÁLISE NO PENSAMENTO JUSFILOSÓFICO 61 

2.2 O PROBLEMÁTICO 65 

2.2.2 Filosofia da diferença e esquizoanálise no pensamento jusfilosófico: desmontando as más

2.2.2.1 A questão do método: rizomas para o sujeito, a sociedade e o Estado 79 

Vimos que na filosofia dita da representação, as imagens dogmáticas do pensamento induziam uma ilusão fundamental e instauradora de uma tela/espelho, que apenas rebatia o real no possível e daí retirava suas conclusões como se tudo estivesse determinado a priori no modelo que corresponderia à verdade do mundo. De sua vez, a filosofia da diferença enquanto já esquizoanalítica, se situa no plano de imanência, ao mesmo tempo que o constrói, e que tende à consistência em seu próprio estrato, a partir de determinadas condições que são pré-individuais e pré-formais no virtual, e que carregam consigo os quanta de desterritorialização que perplicam183 as relações diferenciais e só se atualizam por divergência e diferençação.

Em sua última co-laboração, Deleuze e Guattari vão afirmar que a “filosofia, a ciência e a arte querem que rasguemos o firmamento e mergulhemos nos caos184”. Importa aqui relembrar que se a diferença é intensidade, e se é o Fora185 que nos força a pensar, é justamente dessa luta contra a doxa nesse mergulho no caos que poderia fazer (ex)surgir um método capaz de propiciar o próprio combate, pois já se sabe, não há aqui finalidades a cumprir, mas viver o devir na imanência de uma vida186.

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“As Idéias, as distinções de Idéias, não são separáveis de seus tipos de variedades e da maneira pela qual cada tipo penetra nos outros. Propomos o nome de perplicação para designar este estado distintivo e coexistente da Idéia”. DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. p. 304.

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DELEUZE, Gilles et al. O que é a filosofia? p. 260.

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 “O fora – (...) – é uma estratégia de pensamento que marca a falência do logos clássico, colocando em xeque noções centrais para a filosofia e para a teoria literária, tais como autor, linguagem, experiência, realidade e pensamento”. In: LEVY, Tatiana Salem. A experiência do fora: Blanchot, Foucault e Deleuze. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011. p. 11-12. Adiante a Autora conclui: “Mas é em Deleuze, leitor de Blanchot e Foucault, que a experiência do fora penetra também em outras estratégias de resistência. Por meio da literatura, do cinema, das artes plásticas, da filosofia ou da política, a experiência do fora é o que leva o pensamento a pensar, realçando o impensável do pensamento, o invisível da visão e o indizível da palavra. Pensar significa aqui criar diferentes estratégias de vida para o mundo em que vivemos. A experiência do fora para Deleuze, é, portanto, a própria criação do plano de imanência, conceito fundamental de sua obra que coloca o pensamento em relação direta com o nosso mundo, e não com uma transcendência metafísica. Nesse sentido, ela é uma experiência é tica por excelência, justamente porque recupera a crença neste mundo, assim como a necessidade de transformá-lo”. Idem, pp. 12-13.

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Como se observe, faz-se aqui uma referência implicada do último texto publicado por Deleuze cujo título era justamente: A imanência: uma vida... já indicando as complexidades que a questão do método vai suscitar.

É preciso distinguir também uma relação importante nessa problemática. Num primeiro momento, é possível se falar estritamente em método, como o faz o próprio Deleuze em um de seus textos (O método de dramatização, DELEUZE, Gilles. A

ilha deserta: e outros textos. pp. 129-154), pois ali ao que ele se refere é como se dá a passagem do virtual ao atual na Ideia187. Já se observa também, de tudo o que se disse que, sendo as problemáticas da filosofia da diferença o devir, o acontecimento, ela própria enquanto filosofia sofre desses dinamismos, dessas determinações e a sua própria forma de expressão se altera.

O que se quer dizer é que se nos seus textos em separado, Deleuze utiliza-se de alguns conceitos que lhe são centrais naquele momento, isso não significa que eles mesmos não venham a sofrer retorsões no mapeamento que lhe é inerente em sua própria involução188. Por isso que se nota uma constante territorialização/desterritorialização dos próprios conceitos, segundo os dinamismos que atravessam a máquina de escrita Deleuze/Guattari189.

Ora, se num primeiro momento fora possível esse uso das retorsões, dramatizações, como método; a partir de outros momentos, onde a própria filosofia da diferença é perpassada pelos Acontecimentos que suas problemáticas ensejam, agenciamentos e esquizas de onde começam a emergir deste plano conceitos para lhes dar consistência, tudo isso enseja movimentos, fluxos, forças que vão desterritorializar o próprio método. Daí que vamos ver surgir problemáticas como a rizomática, os agenciamentos maquínicos e a diagramática como métodos provisórios e, eles mesmos, rizomáticos, maquínicos e diagramáticos.

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Confira-se, principalmente: DELEUZE, Gilles. A ilha deserta: e outros textos. p. 136-137. Mais adiante, aduz: “Tento definir mais rigorosamente a dramatização: são dinamismos, determinações espaço-temporais dinâmicas, pré-qualitativas e pré-extensivas que têm ‘lugar’ em sistemas intensivos onde se repartem diferenças em profundidade, que têm por ‘pacientes’ sujeitos-esboços, que têm por ‘função’ atualizar Idéias”... DELEUZE, Gilles. A ilha deserta: e outros textos. p. 145.

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“Preferimos então chamar de ‘involução’ essa forma de evolução que se faz entre heterogêneos, sobretudo com a condição de que não se confunda a involução com uma regressão. O devir é involutivo, a involução criadora. Regredir é ir em direção ao menos diferenciado. Mas involuir é formar um bloco que corre seguindo suas próprias linhas, ‘entre’ os termos postos em jogo, e sob as relações assinaláveis”. DELEUZE, Gilles, et. al. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, v. 4, p. 19.

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“As ideias não morrem. Não que elas sobrevivam simplesmente a título de arcaísmos. Mas, num certo momento, elas puderam atingir um estágio científico, e depois perdê-lo, ou então emigrar para outras ciências. Elas podem então mudar de aplicação e de estatuto, podem até mudar de forma e de conteúdo, mas guardam algo de essencial, no encaminhamento, no deslocamento, na repartição de um novo domínio. As ideias sempre voltam a servir, porque sempre serviram, mas de modos atuais os mais diferentes”. DELEUZE, Gilles, et. al.

Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, v. 4, p. 14. É preciso, contudo advertir para que não se entenda aí o

“algo de essencial” como a reintrodução do transcendente, do que se trata aqui é que esse algo essencial é a multiplicidade do virtual!

É por isso, também, que há involução desses próprios conceitos e agenciamentos enunciativos de outros autores que, contaminados por esses afectos190, passam a maquinar e agenciar suas próprias Ideias como singularidades múltiplas. O método se dobra sobre si mesmo na complicação do plano, na implicação do conceito e na perplicação da Ideia.

Mas por que fazer rizomas ao invés de plantar árvores? Estranha pergunta ecológica que se transforma em etológica. Esta pergunta surge justamente porque o problema do método é o problema da esquizoanálise191. É por isso que se falou desde o início em cartografar, onde se começa pelo meio. “Não é fácil perceber as coisas pelo meio, e não de cima para baixo, da esquerda para a direita ou inversamente: tentem e verão que tudo muda”. (MP, v. 4, p. 35). É porque na imanência a multiplicidade do virtual é que é a realidade, é aí que é preciso fazer, criar, conectar, dimensionar, variar, fugir!

(...) diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza; ele põe em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não- signos. O rizoma não se deixa reconduzir nem ao Uno nem ao múltiplo. Ele não é o Uno que se torna dois, nem mesmo que se tornaria três, quatro ou cinco etc. Ele não é um múltiplo que deriva do Uno, nem ao qual o Uno se acrescentaria (n+1). Ele não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda. Ele constitui multiplicidades lineares a n dimensões, sem sujeito nem objeto, exibíveis num plano de consistência e do qual o Uno é sempre subtraído (n-1). Uma tal multiplicidade não varia suas dimensões sem mudar de natureza nela mesma e se metamorfosear. Oposto a uma estrutura, que se define por um conjunto de pontos e posições, por correlações binárias entre estes pontos e relações biunívocas entre estas posições, o rizoma é feito somente de linhas: linhas de segmentaridade, de estratificação, como dimensões, mas também linha de fuga ou de desterritorialização como dimensão máxima segundo a qual, em seguindo-a, a multiplicidade se metamorfoseia, mudando de natureza. Não se deve confundir tais linhas ou lineamentos com linhagens de tipo arborescente, que são somente ligações localizáveis entre pontos e posições. Oposto à árvore, o rizoma não é objeto de reprodução: nem reprodução externa como árvore-imagem, nem reprodução interna como estrutura-árvore. O rizoma é antigenealogia. É uma memória curta ou uma       

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“Pois o afecto não é um sentimento pessoal, tampouco uma característica, ele é a efetuação de uma potência de matilha, que subleva e faz vacilar o eu. (...). Terrível involução que nos chama em direção a devires inauditos (...)”.DELEUZE, Gilles, et. al. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, v. 4, p. 21. Não faremos aqui a lista desses autores, eles aparecem no percurso...

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“(...). Para os enunciados como para os desejos, a questão não é nunca reduzir o inconsciente, interpretá-lo ou fazê-lo significar segundo uma árvore. A questão é produzir inconsciente e, com ele, novos enunciados, outros

desejos: o rizoma é esta produção de inconsciente mesmo”. DELEUZE, Gilles, et. al. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, v. 1, p. 28.

antimemória. O rizoma procede por variação, expansão, conquista, captura, picada. Oposto ao grafismo, ao desenho ou à fotografia, opostos aos decalques, o rizoma se refere a um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de fuga. Contra os sistemas centrados (e mesmo policentrados), de comunicação hierárquica e ligações preestabelecidas, o rizoma é um sistema a-centrado não hierárquico e não significante, sem General, sem memória organizadora ou autômato central, unicamente definido por uma circulação de estados. O que está em questão no rizoma é uma relação com a sexualidade, mas também com o animal, com o vegetal, com o mundo, com a política, com o livro, com as coisas da natureza e do artifício, relação totalmente diferente da relação arborescente: todo tipo de ‘devires’”192.

Então, parodiando os Autores, o Direito tem muitas árvores plantadas em seu quintal. Nos seus conceitos centrais, centrados e centralizadores, de sujeito, sociedade e Estado é sempre a partir de um modelo arborescente que se os pensa. Não há nada que garanta a validade de tal abordagem, principalmente levando-se em conta o que já se constatou sobre ela mesma, como se viu, suas aporias e paradoxos como problemas de que não escapa enquanto mantiver tais conceitos ao abrigo de sua sombra frondosa.

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