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O spinozismo do professor Challenger: do logos à lagosta – do nome ao nomos 115 

CAPÍTULO 3. SOCIUS: INSCRIÇÃO DESEJANTE – SELETIVA 101 

3.1 SOCIEDADE OU SOCIALIDADE? DESTERRITORIALIZAÇÃO RELATIVA 102 

3.1.3 Descobrindo como funciona: maquinar o método 112 

3.1.3.1 O spinozismo do professor Challenger: do logos à lagosta – do nome ao nomos 115 

Como se afirmou (confira-se as notas n. 9, 29 e 151), o problema da expressão surge no percurso filosófico de Deleuze a partir de seus estudos de Spinoza. É que toda a Ética é construída a partir dessa problemática e é essa especificidade que acarreta uma mudança de estatuto da própria filosofia como um todo, rendendo ao holandês o epíteto de príncipe dos filósofos274

. Não no sentido nobiliárquico, por certo, mas na imanência da instauração de um plano que dá testemunho da Potência do Pensamento como nunca se viu antes! A anomalia, dirá Negri275...

Já se observa que a distinção entre forma de conteúdo e forma de expressão é alusiva a essa problemática em que a expressão está relacionada à univocidade do Ser enquanto substância absolutamente infinita que se expressa na infinidade dos atributos,

que por sua vez é expressão da infinidade das essências, numa relação de

explicação/implicação. Num segundo nível de expressão, os atributos se expressam nos modo que por sua vez são expressão da modificação dos atributos, também aqui numa relação de

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DELEUZE, Gilles, et. al. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, v. 1, p. 71.

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“Quem sabia plenamente que a imanência não pertencia senão a si mesma, e assim que ela era um plano percorrido pelos movimentos do infinito, preenchido pelas ordenadas intensivas, era Espinosa. Assim, ele é o príncipe dos filósofos”. DELEUZE, Gilles et al. O que é a filosofia? p. 66.

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NEGRI, Antonio. A anomalia selvagem: poder e potência em Spinoza; trad. Raquel Ramalhete. São Paulo: Editora 34, 1993. passim.

explicação/implicação, mas agora dos existentes. Eles mesmos englobados numa síntese de complicação.

É por isso que a partir do que Duffy aduziu como lógica da expressão, (confira-se a nota n. 151), aquilo que tenderia para a distinção hilemórfica entre forma/conteúdo se apresenta como um problema mal colocado, uma vez que parte do pressuposto de que essa oposição é capaz de explicar o mundo, mas como já se percebe e adiante se verá, é somente por uma grosseira redução em que tudo permanece estático e sem vida que essa solução se mostra possível. Na lógica da expressão não há oposição entre forma de conteúdo e forma de expressão, a relação é diferencial.

No caso dos estratos não seria de outro modo. Há diferenciação nas relações, tanto no que concerne ao conteúdo, quanto no que concerne à expressão, e pela dupla articulação, relações de complicação, implicação e perplicação. É nesse sentido que é possível a geologia da moral.

No caminho empreendido até aqui, ainda se está diante de graus de desterritorialização relativos nos estratos não-orgânicos, uma vez que conteúdo e expressão guardam uma relação de dependência entre si somente a custo de uma variabilidade externa, seja da ordem das grandezas que a dupla articulação agencia (molecular/molar), seja as forças que vêm agir de fora do estrato considerado, possibilitando as formalizações. Isso significa ainda uma distinção formal entre conteúdo e expressão, compondo por ressonância uma entidade estratificada276

. Ainda aqui não se atingiu a desterritorialização absoluta nos estratos. De sua vez, o estrato orgânico, por diferenciação, vai apresentar uma mudança de natureza em relação aos outros estratos, quando a expressão ganha autonomia. Nesse novo agenciamento, não há mais distinção entre molecular e molar, pois a expressão se lineariza sobre o estrato do qual se destaca, uma linha de fuga. O orgânico não está territorializado no estrato, como no caso dos cristais, por exemplo; o orgânico se unidimensionaliza, mas para ganhar mobilidade e se desterritorializar, transportar consigo o molecular e o molar em toda sua complexidade onde quer que vá, permitindo também a reprodução.

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“(...). A dupla articulação implica aqui duas ordens de grandeza. É a ressonância, a comunicação que sobrevem entre duas ordens independentes, que instaura o sistema estratificado cujo conteúdo molecular tem, ele próprio, uma forma que corresponde à distribuição das massas elementares e à ação de molécula a molécula, do mesmo modo que a expressão tem uma forma que manifesta, por sua conta, o conjunto estatístico e o estado de equilíbrio no nível macroscópico. A expressão como uma ‘operação de estruturação amplificante que faz passar para o nível macrofísico as propriedades ativas da descontinuidade primitivamente microfísica´”. DELEUZE, Gilles, et. al. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, v. 1, p. 73.

Essa linearização é a do código genético que surge a partir das complexidades moleculares e se dá não mais pela molarização das moléculas, mas por uma diferenciação intensiva no próprio nível molecular. Aparece aí a linha de código que, diferentemente dos processos anteriores, não é tridimensional como, por exemplo, nos átomos. 

Nessa diferenciação do orgânico, surge uma nova forma de relação interior/exterior uma vez que conteúdo e expressão são capazes de transdução277, quer dizer, a amplificação da ressonância entre molecular e molar não depende mais das grandezas, das funções, das distâncias e dos códigos, pois transformam o próprio estrato (epistrato e paraestrato), como já referido, por autopoiesis. É que aqui, tanto a forma de conteúdo quanto a forma de expressão têm molecular e molar independentemente, e assim “a linearidade nos faz avançar na ordem das multiplicidades planas, mais do que na direção da unidade278”. Essas linhas, portanto, estão mais afeitas a um espaço topológico, vetorial, que com a geometria euclidiana. É já o espaço do nomos, diferentemente do logos279.

Essa linearização vai possibilitar uma nova retorsão, passagem a um outro limite no estrato orgânico, em que a forma de conteúdo se torna capaz de agenciar transformações no mundo exterior, portanto aloplásticas e não mais homoplástica. De sua vez a forma de expressão torna-se linguística e não mais genética, possibilitando, pelos símbolos, a compreensão e transmissão de modificações. Exatamente como esse surgimento se dá não é ainda possível determinar, e talvez não o seja tout court, pois remanesce o mistério daquilo que já vimos ser o dionisíaco do mundo280, a indeterminação como potência positiva da diferenciação. Rigoroso e anexato! 

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“Entendemos por transducción una operación física, biológica, mental, social, por la cual una actividad se propaga progressivamente en el interior de un dominio, fundando esta propagación sobre una estruturación del dominio operada aquí y allá: cada región de estructura constituida sirve de principio de constitución a la región seguiente, de modo que una modificación se extiende así progressivamente al mismo tiempo que dicha operación estructurante”. SIMONDON, Gilbert. Op. cit., p. 38. Deleuze e Guattari, de sua vez, não estendem o conceito tão vastamente, como se observa da nota n. 22, de DELEUZE, Gilles, et. al. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, v. 1, p. 77.

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DELEUZE, Gilles, et. al. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, v. 1, p. 75.

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Como visto anteriormente, há diferença de procedimento e operação entre a ciência régia e a ciência nômade. O espaço euclidiano, ao qual os Deleuze e Guattari se referem como estriado não é o mesmo que o espaço liso da geometria topológica de Riemann que dá conta das multiplicidades e não é métrico, de onde a fórmula dos autores: “São anexatas e, contudo, rigorosas”. DELEUZE, Gilles, et. al. Mil platôs. Capitalismo e

esquizofrenia, v. 5, p. 190.

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Por óbvio não se pensa aqui Dioniso como um autor do mundo, de forma a ser ele o desenhista inteligente como em algumas teorias evolucionistas, pois como argumenta o biólogo Gabriel Dover, “the product of the gene is not necessarily designed by a master evolutionary mechanism. It is more problable that it is shaped by a programless search space. In this topological space of genetic communications, it is the interaction that evolves, not the gene”. In: SAMPSON, Tony D. Virality: contagion theory in the Age of networks.

De qualquer modo, nessa involução criativa que são os processos da vida, a emergência do homem, não como categoria biológica em evolução, mas como uma das diferençações que as multiplicidades virtuais agenciam nessas distribuições complexas de conteúdo e expressão atualizadas, abrem-se os agenciamentos maquínicos para uma nova retorsão capaz de fazer da improbabilidade (o homem cuja biologia seria desfavorável à sua sobrevivência num mundo hostil), uma potência de perseverar no mundo.

Essa nova retorsão se faz sentir com a emergência da linguagem que se expressa como linha de fuga por excelência. Disso resulta um novo agenciamento, que leva a novas diferenciações no estrato orgânico, o agenciamento de enunciação. E também se, a partir da matéria vocal, que é fruto de movimentos de desterritorialização como os da laringe, boca, face, e da expressão da linguagem que se lineariza no estrato orgânico, vê-se agora entrar em jogo a problemática do tempo que a linguagem supõe, bem como a potência capaz de torná-la autônoma.

(...) a linearidade temporal da expressão da linguagem remete não somente a uma sucessão no tempo, que constitui toda uma sobrecodificação linear e faz aparecer um fenômeno desconhecido nos outros estratos: a tradução, a tradutibilidade, por oposição às induções e transduções precedentes. E por tradução não se deve somente compreender que uma língua possa, de algum modo, “representar” só dados de uma outra língua; mas, mais ainda, que a linguagem, com seus próprios dados no seu estrato, pode representar todos os outros estratos e aceder assim a uma concepção científica do mundo. (...). É essa propriedade de sobrecodificação ou de sobrelinearidade que explica o fato de não haver, na linguagem, somente independência da expressão em relação ao conteúdo, mas também independência da forma de expressão em relação às substâncias: a tradução é possível porque uma mesma forma pode passar de uma substância a outra, (...)281.

Também com relação ao conteúdo esse novo agenciamento codifica a especificação da mão como forma desterritorializada por excelência, uma vez que possibilita seu prolongamento ao mundo exterior na forma ferramenta que opera as transformações materiais que dão ensejo a novas formas de conteúdo, nesse potente movimento capaz de se renovar constantemente, com o surgimento do agenciamento tecnológico que acrescenta outros graus de desterritorialização.

A mão não deve ser considerada aqui como simples órgão, mas como uma codificação (código digital), uma estruturação dinâmica, uma       

Minneapolis, USA: University of Minnesota Press, 2012. p. 78. Em tradução livre: “o produto do gene não é necessariamente desenhado por um mecanismo evolucionário mestre. É mais provável que seja formado por um espaço de busca sem programa. Neste espaço topológico de comunicação genética, são as interações que evoluem, não o gene”.

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formação dinâmica (forma manual ou traços formais manuais). A mão como forma geral de conteúdo se prolonga nas ferramentas que são elas próprias, formas em atividade, implicando substâncias enquanto matérias formadas; enfim, os produtos são matérias formadas ou substâncias que, por sua vez, servem de ferramentas. Se os traços formais manuais constituem uma unidade de composição para o estrato, as formas e as substâncias de ferramentas e de produtos se organizam em paraestratos e epistratos, que funcionam, eles mesmos, como verdadeiros estratos e assinalam as descontinuidades, as fraturas, as comunicações e difusões, os nomadismos e sedentaridades, os limiares múltiplos e as velocidades de desterritorialização relativas nas populações humanas282.

Como se percebe, mais uma vez, tudo mudou. Já não se trata mais das mesmas relações do conteúdo e da expressão, e aqui esse mundo se produz como propriamente maquínico, emergido dos agenciamentos por que é atravessado e da dupla articulação da forma de conteúdo/forma de expressão.

A máquina é um conjunto de vizinhança homem-ferramenta-animal- coisa. Ela é primeira em relação a eles, já que é a linha abstrata que os atravessa e os faz funcionar juntos. Está sempre sobreposta a várias estruturas, como nas construções de Tinguely. A máquina, em sua exigência de heterogeneidade de vizinhanças, vai além das estruturas com suas condições mínimas de homogeneidade. Há sempre uma máquina social primeira em relação aos homens e aos animais que ela toma em seu phylum283.

Fica evidente, também, que a máquina é já social, populacional. Nesse sentido, não se pode esquecer que a referência a phylum (tribo) maquínico é justamente essa multiplicidade imanente que habita toda máquina.

É preciso advertir, ademais, que esta exposição analítica não representa a ordem sucessiva de como os estratos se organizam. Uma tal imagem temporal seria ainda muito reducionista e não é disso que se trata. Aqui, tudo coexiste em relações diferenciais as mais complexas, em espaços-tempos eles mesmos superpostos nessa ordem estratigráfica.

Se tudo se passou, até aqui, como se se desenhasse o mapa da trilha analítica, agora é preciso caminhar pelas sínteses que os agenciamentos podem efetuar.

As codificações e territorializações, como se viu, são, de direito, concernentes aos mesmos processos de estratificação. Não é porque se atingiu um alto grau de desterritorialização, como no caso dos estratos orgânicos, que não se verá surgir daí agenciamentos que tendem à codificação e às territorializações. Já se viu, embora de passagem, que sempre estão presentes graus de territorializações, pois os códigos são

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DELEUZE, Gilles, et. al. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, v. 1, p. 77.

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coextensivos aos territórios, e o surgimento dos códigos é inerente ao processo de estratificação, desde o início.

É que ao mesmo tempo em que o processo é analítico, ele é também sintético. É que como já aduzido, as temporalidades não são aqui lineares, mas são processos de coexistência. Ademais, a repetição é também imanente e é o que possibilita aquilo que pode ser considerado um equilíbrio metaestável284 na atualização.

Se as formas estão sempre relacionadas a códigos e as substâncias a territórios é justamente porque há uma invariância vaga nos processos de estratificação que mantém coesos os fluxos de matéria. Disso não resulta, obviamente, uma paralisação; até porque seria um contrassenso a tudo que se afirmou. Nem significa que se estaria diante do organismo e da fisiologia do estrato, para usar a recorrente metáfora biológica que tenta explicar esses fenômenos. O problema aqui é outro. Deve-se lembrar, uma vez mais, que se trata sempre da dupla articulação em que os processos não se dão por correspondência e identidade.

E mais uma vez reencontra-se Tarde:

Em Lois de l´imitation (Alcan, 1890), Gabriel Tarde mostra como a semelhança, por exemplo, entre espécies de tipo diferente, remete à identidade do meio físico, isto é, a um processo repetitivo que afeta elementos inferiores às formas consideradas. – Toda a filosofia de Tarde, (...), está fundadas nas duas categorias de diferença e repetição: a diferença é, ao mesmo tempo, a origem e a destinação da repetição, num movimento cada vez mais ‘potente e engenhoso’ que ‘cada vez mais leva em conta graus de liberdade’. Em todos os domínios, Tarde pretende substituir a oposição por esta repetição diferencial e diferenciante285.

De seu turno, também as sínteses vão sofrendo retorsões a cada ultrapassagem de limiares que compõem o processo de estratificação. Assim, se há no estrato orgânico aquilo que se viu ser um alto grau de desterritorialização quando aparecem o código

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“Gilbert Simondon mostrou recentemente que a individuação supõe, em primeiro lugar, um estado meta- estável, isto é, a existência de uma "disparação" como duas ordens de grandeza ou duas escalas de realidade heterogêneas, pelo menos, entre as quais os potenciais se repartem. Esse estado pré-individual não carece, todavia, de singularidades: os pontos relevantes ou singulares são definidos pela existência e pela repartição dos potenciais. Aparece, assim, um campo "problemático" objetivo, determinado pela distância entre ordens heterogêneas. A individuação surge como o ato de solução de um tal problema ou, o que dá a mesma, como a atualização do potencial e o estabelecimento de comunicação entre os disparates. O ato de individuação não consiste em suprimir o problema, mas em integrar os elementos da disparação num estado de acoplamento que lhe assegura a ressonância interna. O indivíduo encontra-se, pois, reunido a uma metade pré-individual, que não é o impessoal, mas antes o reservatório de suas singularidades. Sob todos estes aspectos, acreditamos que a individuação é essencialmente intensiva e que o campo pré-individual é ideal-virtual ou feito de relações diferenciais”. DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. p. 392-393.

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genético linear e a linguagem, no mesmo lance também se constituirão movimentos de reterritorialização como produção de identidades e regimes de signos.

No que concerne às identidades, trata-se não de uma permanência dos caracteres individuais, mas as singularidades se atualizam em estados de coisas286 como soluções de problemas. É por isso que se mantém aí certo grau de desterritorialização, como visto. O virtual é multiplicidade problemática, enquanto a identidade é uma solução, em termos de reprodução, em equilíbrio metaestável encarnado no atual.

Mesmo quando ocorre a linearização como no caso do código genético, em que as diferenças não mais se referem a ordens de grandeza distintas, viu-se que é a transdução quem permite essa invariância vaga, uma vez que faz irradiar a modificação por ressonância interna. Em suma, repetição da diferença.

De sua vez, quanto aos regimes de signos, viu-se que é a partir deles que se formam as semióticas já como agenciamentos coletivos de enunciação. E a problemática da linguagem, desse ponto de vista, torna-se desde o início política, onde a língua é um dos casos de solução. Por isso também é aqui que aparece a tradução como o agenciador que faz fulgurar essa invariância vaga da linguagem nas línguas. Pois é somente em relação a um determinado regime de signos e seus agenciamentos que tanto a linguagem quanto a língua chegam a este estado metaestável. Por isso não deixam de ser provisórias em função desses regimes e seus agenciamentos.

E também é sempre coletiva, uma vez que o agenciamento maquínico e o de enunciação, como visto, não deixam de ser tomados pelo phylum de uma máquina abstrata que fazem efetuar. Dito de outro modo, toda vez que está efetuando a máquina abstrata, os agenciamentos são já coletivos. Na linguagem, é o agenciamento coletivo de enunciação que é primeiro, uma vez que é no nível pré-individual dos regimes de signos que a linguagem se constitui.

(...). É a linguagem que remete aos regimes de signos, e os regimes de signos às máquinas abstratas, às funções diagramáticas e aos agenciamentos maquínicos, que ultrapassam qualquer semiologia, qualquer linguística e qualquer lógica. Não existe lógica proposicional universal, nem gramaticalidade em si, assim como não existe significante por si mesmo287.

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“(...). Um estado de coisas comporta um espaço-tempo determinado, coordenadas espácio-temporais, objetos e pessoas, conexões reais entre todos esses dados. Num estado de coisas que as atualiza, a qualidade torna-se o

quale de um objeto, a potência torna-se ação ou paixão, o afeto torna-se sensação, sentimento, emoção ou

mesmo pulsão numa pessoa, o rosto torna-se caráter ou máscara da pessoa (é apenas deste ponto de vista que podem existir expressões mentirosas)”. In: DELEUZE, Gilles. Cinema I: a imagem movimento; trad. Stella

Senra. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. p. 126.

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É somente desse ponto de vista que se torna possível falar de sínteses, pois são elas sínteses disjuntivas que ao invés de totalizar os termos da relação os mantém em constante tensão nesse equilíbrio metaestável, onde a solução não faz desaparecer a heterogeneidade dos heterogêneos.

Do que se viu, é possível então fazer o mapa sempre provisório do virtual/atual: o plano de imanência, as multiplicidades e as máquinas abstratas têm sua realidade no planômeno, o corpo-sem-órgãos, e constituem um campo problemático com diferenças de potenciais; ao passo que a mecanosfera e os agenciamentos maquínicos e de enunciação são as intensidades que possibilitam a passagem ao atual, mas por irradiação de consistências288, com velocidades e atrasos, sem fazer a síntese totalizante dessa diferença, seja por seleção, ordenação, transdução ou tradução, dos fluxos de matéria e das formas de conteúdo e de expressão nos estados de coisas atuais, do plano transcendente de organização, que é sempre atravessado por graus de desterritorialização/reterritorialização em equilíbrios metaestáveis. Não se trata de um desenvolvimento no espaço, é muito mais a perplicação do spatium. E, de sua vez, deve-se evitar a verticalização, como se o virtual fosse o outro nome do transcendente; a passagem de um a outro é mudança de natureza em qualquer sentido que ela se dê.

É sempre o problema da produção, é sempre o problema do desejo; assim como é sempre o problema da seleção, o problema da crença.

(...). Do mesmo modo não há dualismo entre dois planos de organização transcendente e de consistência imanente: é das formas e dos sujeitos do primeiro plano que o segundo não pára de arrancar partículas entre as quais não há senão relações de velocidade e de lentidão, e é também sobre o plano de imanência que o outro se eleva,

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